O dia três de novembro de 2023 marcou o calendário de milhões de paulistanos que ficaram sem energia elétrica após uma forte tempestade atingir vários pontos do estado de São Paulo. Foram aproximadamente seis dias até que os mais de 2 milhões de endereços afetados tivessem o serviço restabelecido.
Depois desse evento, em 30 anos de atuação no setor elétrico brasileiro, nunca percebi o mercado trazer à tona com tanta força a questão do enterramento de redes de distribuição de energia. Será que em 2024 vamos conseguir desatar os nós para que o percentual dessas redes, em comparação com as aéreas, deixe de ser de apenas 0,4%?
Fenômenos climáticos extremos, como o que assolou São Paulo no começo de novembro, são cada vez mais comuns no mundo todo. A temperatura do mundo tem aumentado a níveis alarmantes, apesar de todo esforço conduzido pelos países para reduzir a pegada de carbono em suas atividades industriais. Não por menos, várias nações têm se movimentado para aumentar a segurança e a disponibilidade de suas redes de distribuição de energia.
Cito alguns exemplos nos Estados Unidos: apesar de toda polêmica envolvida no caso, a concessionária Pacific Gas and Electric Company tem uma estratégia ambiciosa de enterramento de aproximadamente 2 mil milhas de linhas de energia entre 2023 e 2024, com investimentos previstos na ordem de US$ 6 bilhões.
Já a Florida Power & Light, que opera 88 mil milhas de redes de distribuição no país, já conta com quase metade dos seus circuitos instalados de maneira subterrânea e ainda trabalha para ampliar esse percentual. Na cidade de Oconomowoc, 90% da fiação é enterrada e cerca de 2% das redes locais são convertidas de aéreas para subterrâneas por ano.
O que todos esses casos têm em comum? Melhorar a resiliência da distribuição elétrica durante eventos climáticos severos. E no Brasil, o que tem sido feito? Em 2017, a prefeitura de São Paulo prometeu enterrar 52 km de fios em 117 vias do centro. Na atual gestão, a meta subiu para 65 km de cabos aterrados, mas nenhum dos objetivos foi alcançado. No restante do país, a realidade é a mesma.
Além das questões jurídicas, o principal entrave, em meu ponto de vista, são os custos. Mais do que nunca, precisamos desmistificar as falas imprudentes de que a implementação das redes subterrâneas
são 10 ou até 20 vezes mais caras do que a das redes aéreas. Quando esses dados são trazidos para
o mercado, sempre me questiono o que, exatamente, estamos comparando. Utilizar como parâmetro uma rua de 500 metros para comparar esses custos é uma forma muito simplista e rasa de se analisar um problema que é muito sério, principalmente em um país onde 99,6% das redes de distribuição são aéreas, ou seja, onde já contamos com toda uma logística e acomodação de preços de materiais, serviços e mão de obra associados à construção de redes aéreas.
Entendo que, para aumentarmos o percentual das redes subterrâneas no Brasil a fim de enfrentar os estragos causados durante eventos climáticos extremos – que serão cada vez mais comuns em nosso país -, precisamos que a Agência Nacional de Energia Elétrica (ANEEL) coordene um debate jurídico sobre o tema, trazendo para esta discussão também a Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), a fim de desenvolver padrões com arranjos específicos e critérios técnicos muito bem definidos para a ampliação das redes subterrâneas.
Além disso, a ANEEL, juntamente com as concessionárias, poderia coordenar um plano decenal de enterramento de redes no Brasil, plano este que seria revisto anualmente em cada uma das regiões de
implementação. Paralelamente, o governo poderia promover uma desoneração tributária sobre equipamentos, materiais e serviços relacionados à implementação das redes subterrâneas, reduzindo
então os custos associados às obras. Só assim, teríamos um horizonte mais promissor pela frente.