Por Fundação Energia e Saneamento
O uso das tecnologias da informação na organização das cidades é uma tendência que vem para ficar, e a questão das redes inteligentes de energia e sua utilização na iluminação pública estão no bojo destas transformações. Mas ao olhar para as cidades do futuro, não seria interessante nos voltarmos para a história do desenvolvimento deste setor?
Em parceria com O Setor Elétrico, a Fundação Energia e Saneamento, instituição sem fins lucrativos detentora de um vasto acervo histórico sobre a energia no Brasil, relembra a trajetória da iluminação pública na capital paulista e as informações que o seu desenvolvimento de mais de 100 anos tem para oferecer.
Assim como outras cidades brasileiras, São Paulo teve suas primeiras experiências de iluminação pública nas décadas iniciais do século XIX, por meio do uso de lampiões à base de azeite de mamona, de peixe ou baleia. Os suportes eram pregados por longos braços de ferro às paredes das casas das ruas principais. Em 1829, havia 24 lampiões a azeite iluminando a cidade, época em que a população era em torno de 20 mil pessoas.
Nas décadas seguintes, ainda que de forma precária, as ruas passaram a ser iluminadas com a utilização e experimentação de compostos como o gás de hulha, o hidrogênio líquido e o querosene. Em 1869, foi fundada, em Londres, a The San Paulo Gas Company, Ltd, que passou a ser responsável pela exploração dos serviços de iluminação pública a gás em São Paulo. Em 1870, a Várzea do Carmo, no Brás, foi escolhida como o local ideal para a construção da fábrica de gás, que se tornaria a Casa das Retortas, hoje tombada pelos órgãos de patrimônio.
Em 1872, a The San Paulo Gas Company inaugurou seus serviços. A cerimônia, realizada em 31 de março com a presença de D. Pedro II, contou com a iluminação, em arcos festivos, da fachada da antiga Catedral da Sé e do Palácio do Governo, no Pátio do Colégio. As luminárias eram acesas ao final da tarde e apagadas na manhã seguinte por trabalhadores conhecidos como “vagalumes”. As ruas, antes desertas à noite, passaram a ser transitáveis, um marco na mudança do cotidiano da cidade.
Na última década do século XIX, São Paulo passou por uma transformação radical. A expansão constante da área da cidade, a sua urbanização e o salto populacional aumentaram a demanda por energia, fazendo despontar uma incipiente competição entre os lampiões a gás e a possibilidade de implementação da iluminação elétrica, a partir da chegada da companhia Light em São Paulo, em 1899.
Em 1902, o sistema a gás foi transformado, passando da tradicional chama de ar livre para o da luz de gás incandescente. Venceu-se, mesmo que temporariamente, a concorrência da iluminação elétrica, uma vez que crescia, progressivamente, o número de lampiões a gás.
O primeiro êxito da Light na iluminação pública ocorreu em 1906, quando a companhia conseguiu firmar um contrato particular com negociantes da Rua Barão de Itapetininga, no Centro. O grupo desejava aumentar suas vendas e atrair clientes à noite. No ano seguinte, comerciantes, industriais e bancos estabelecidos no triângulo histórico formado pelas ruas Direita, 15 de Novembro e São Bento realizaram um abaixo-assinado para que o Governo mantivesse a iluminação elétrica então instalada durante as festividades da Proclamação da República, o que foi autorizado.
Em 1911, a Light finalmente conseguiu firmar o primeiro contrato com a Capital, para implantar a iluminação por eletricidade das avenidas Brigadeiro Luís Antônio e Higienópolis, na Estrada da Penha (atual Celso Garcia), de ruas nos bairros da Penha e Lapa, além do reforço na Avenida Paulista, então um bairro residencial de elite abastecido por luminárias a gás.
Em 1912, veio o primeiro impacto à companhia de gás: o grupo Light assumiu o controle acionário da San Paulo Gas Company e grandes mudanças foram efetuadas, com a adoção de equipamentos elétricos automatizados. Com a chegada da Primeira Guerra Mundial, ocorre mais um revés à San Paulo Gas Company, pois o conflito dificultava a importação do carvão mineral. A Greve Geral dos Trabalhadores, em 1917, e o número de operários mortos pela epidemia de gripe espanhola também afetaram a produção do gás. Além disso, a Light, como acionária, preferia investir forças na iluminação pública por eletricidade.
Os lampiões a gás expandiram-se até 1929, quando o Governo transferiu para a Light o serviço de iluminação pública da cidade, deixando para a San Paulo Gas Company o fornecimento a particulares. É desse período o desenvolvimento, pela Light, de diversos modelos de postes que viriam a ser instalados na Capital, sendo alguns destes presentes, até hoje, no Centro de São Paulo. Confeccionados com ferro fundido, alguns com um brasão de armas na base, em homenagem à República, possuíam diferentes braços e suspensões e chamavam a atenção dos paulistanos, constituindo-se como uma marca dos novos tempos, associados à vida moderna e à industrialização da cidade.
Estes novos elementos na paisagem paulistana dariam título a uma série de 22 poemas de Oswald de Andrade, um dos mais originais autores da literatura brasileira, nascido e criado em São Paulo. Em “Postes da Light”, o poeta apresenta uma crônica da Capital, e que tem como grande metáfora os suportes de luz e o que estes simbolizavam à uma cidade em plena transformação, dividida entre o provinciano e o moderno.
Em 1930, começaram a ser desligados os primeiros lampiões a gás. Com isso, extinguiu-se também a profissão do “vagalume”, uma função praticada como “bico” por muitos trabalhadores como forma de suplementar o salário. Havia, entre eles, padeiros, quitandeiros, amoladores, funileiros, vendedores de carvão, chacareiros, encanadores e até pequenos comerciantes. Os acendedores eram pessoas familiares nos bairros, e o encerramento dessa função marcaria o fim de uma era.
Na década de 30, o Governo do Estado transfere para a prefeitura a responsabilidade pela iluminação pública. Em 1935, passados apenas seis anos da Light assumir os serviços, o número de lâmpadas elétricas nas vias de São Paulo chega a quase 15 mil. No dia 8 de dezembro de 1938, o último lampião a gás da Capital foi suprido, restando, ainda, algumas unidades no jardim interno do Palácio do Governo.
Durante a gestão de Prestes Maia (1938 – 1945), o parque de iluminação sofreu intensa ampliação com a reforma e abertura de novas avenidas e planejamento de sistemas básicos de irradiação da cidade. Décadas mais tarde, em 1966, o prefeito Brigadeiro Faria Lima firmou novo contrato com a empresa canadense, agora com nova razão social: Light – Serviços de Eletricidade S.A., tanto para o fornecimento de energia elétrica como para execução dos serviços de manutenção da rede da cidade.
No início da década de 70, com a população paulistana já beirando os 6 milhões, havia cerca de 115 mil lâmpadas elétricas iluminando a cidade, o que corresponderia a mais de dois mil quilômetros de vias públicas. Em 1979, a estatal Eletrobrás adquiriu o controle acionário da Light e, uma década mais tarde, em 1981, os serviços prestados pela antiga companhia canadense foram assumidos pelo governo paulista, que criou a Eletropaulo – Eletricidade de São Paulo S.A. A estatal seria privatizada na década de 1990.
A partir da Constituição Federal de 1988, ficaria estabelecido que a municipalidade deveria prestar os serviços referentes à iluminação pública, competindo aos municípios, em seu artigo 30º, “organizar e prestar, diretamente ou sob regime de concessão ou permissão, os serviços públicos de interesse local”. Em 2000, com vistas a atender a uma nova resolução da Agência Nacional de Energia Elétrica – ANEEL, a municipalidade paulistana passou a contratar, diretamente, todos os seus prestadores de serviço para a manutenção, conservação e ampliação do sistema de iluminação pública, o que deixou a cargo da antiga Eletropaulo – atual Enel – apenas o fornecimento da energia utilizada.
Hoje, a cidade de São Paulo possui uma rede de iluminação pública com mais de 600 mil lâmpadas, distribuídas por meio de uma rede exclusiva que cobre uma extensão de aproximadamente 17 mil quilômetros. A soma equivale à distância do Brasil ao Japão e a um consumo mensal de aproximadamente 49 GWh, igual a 10% da produção de uma turbina de Itaipu.
Respostas de 3
Aprendemos com o passado
O passado tem que ser documentado e preservado para que no futura todos possam ver o esforço feito no passado para que o aprendizado e a evolução se torne uma realidade
Amei realizar minha pesquisa tendo como base este texto! Conteúdo passado de forma clara, parece que estou vivendo os fatos com esta narrativa.