Em minhas últimas colunas, tenho abordado as redes subterrâneas de média tensão existentes nas cidades e nas usinas espalhadas pelo Brasil gerando energia elétrica. Nesta coluna, elevarei o nível de tensão da nossa conversa para tratar deste tipo de rede, porém, em alta tensão.
Há muito conhecimento e muitas técnicas para tratar de linhas de transmissão subterrânea em alta tensão, e por esse motivo, o Cigré, uma comunidade internacional destinada a fomentar a troca de experiência entre profissionais que atuam com energia, promove periodicamente eventos sobre redes de média e alta tensão.
Um destes eventos ocorreu recentemente em São Paulo. Foram dois dias de muito aprendizado e troca de experiência no evento que o Cigré Brasil promoveu através do Comitê de Estudo B1, que trata de Cabos Isolados. Foram abordados vários temas técnicos importantes para expansão das linhas subterrâneas.
O Brasil possui uma extensa rede de transmissão de energia que conecta quase todo o País. Há ainda uma capital que não está interligada, a cidade de Boa Vista, porque precisa equacionar o atendimento aos requisitos de mitigação dos impactos ambientais.
Toda essa conexão é visível quando estamos viajando em uma rodovia e muitas vezes cruzamos diversas linhas de transmissão. São elas que compõem a denominada Rede Básica do nosso Sistema Interligado Nacional (SIN), geralmente, com linhas de transmissão com tensão de 230kV ou superior.
Porém, existe uma parte dessa rede interligada, de mesma importância, que não enxergamos, pois ela está instalada de forma subterrânea.
Algumas de nossas linhas do sistema interligado são instaladas de forma subterrânea por alguns motivos, por exemplo, porque cruzam regiões densamente povoadas, às vezes, cruzando rio ou mar, dentre outras necessidades.
Todos os anos, novas linhas como essas são construídas e, no momento de comissioná-las, há um dilema de qual o melhor critério a ser empregado para assegurar que ela esteja em perfeitas condições de entrar em operação.
Tanto a norma IEC 62067 como a IEC 60840 (ambas tratando de cabos de alta tensão, porém, com faixas distintas) estabelece a aplicação entre fase-terra de valores próximos à tensão entre fase-fase durante uma hora. De forma alternativa, ambas concedem a possibilidade de aplicação da tensão nominal fase-terra durante 24 horas.
Para cabos já em operação, estas normas concedem a possibilidade de negociação entre as partes envolvidas do valor de tensão e do tempo de ensaio a ser aplicado.
As normas técnicas são desenvolvidas com base em critérios científicos e devem apresentar metodologias de avaliação que tenham respaldo técnico. Por esse motivo, não é adequado condicionar um critério de avaliação do cabo baseado em uma negociação entre as partes envolvidas, que geralmente possui forte relação com aspectos comerciais.
Por outro lado, a norma não pode estabelecer um critério de ensaio em que não haja tecnologia disponível para sua realização, o que não é o caso. Portanto, não faz muito sentido colocar alternativas de metodologias baseadas em acordo entre as partes envolvidas.
Os interesses comerciais não podem sobrepor a ciência. A confiabilidade da nova rede agradece!
Daniel Bento é engenheiro eletricista com MBA em Finanças e certificação internacional em gerenciamento de projetos (PMP®). É membro do Cigré, onde representa o Brasil em dois grupos de trabalho sobre cabos isolados. Atua há mais de 25 anos com redes isoladas, tendo sido o responsável técnico por toda a rede de distribuição subterrânea da cidade de São Paulo. É diretor executivo da Baur do Brasil | www.baurdobrasil.com.br