Fenômenos de Sobrecorrente em Arranjos Fotovoltaicos
Há três fenômenos de preocupação quanto à circulação de corrente nas séries e entre as séries que podem originar queima de componentes e riscos para a planta:
– Corrente reversa;
– Curto-circuito em séries paralelizadas não protegidas individualmente por fusíveis ou disjuntores;
-Dimensionamento de cabos, conectores e proteção para momentos de sobreirradiância.
Corrente Reversa
A corrente reversa surge quando há diferença de tensão Voc entre séries paralelizadas. Sua intensidade é proporcional a diferença de tensão Voc entre as séries e à irradiância momentânea. A corrente reversa pode surgir por 3 fatores principais: falha de concepção de projeto, falha de montagem ou falha interna ao módulo que crie um curto-circuito em parte do módulo.
As falhas de projeto e instalação podem ser sanadas com facilidade, bastando a revisão ou realizando algum ajuste durante o comissionamento da planta. Já as falhas que causam curto-circuito em parte da série ou internamente ao módulo, e que, por consequência diminuam a tensão Voc da série afetada, não podem ser previstas. Nestas situações ocorre a corrente reversa.
Para duas séries paralelizadas, o maior valor possível de corrente reversa é a corrente Isc de uma série, e para um maior número de séries paralelizadas, o maior valor possível de corrente reversa é o número de séries menos 1 multiplicado por Isc.
A proteção contra corrente reversa é obrigatória toda vez que a multiplicação do número de séries decrescido de um e a corrente Isc de uma série é maior do que a máxima suportabilidade de corrente reversa descrita no folheto de dados do módulo.
Curto-circuito em séries agrupadas
Ao se agrupar séries fotovoltaicas em um mesmo barramento, existe a possibilidade que um curto-circuito em uma das séries ou até no próprio barramento seja alimentado com a contribuição de múltiplas séries, podendo assim alcançar valores de corrente elevados. Durante este fenômeno é importante garantir que todos os componentes envolvidos (módulos, cabos, chaves, conectores) atendam os critérios de capacidade de corrente, e, especialmente se as proteções podem atuar de forma segura na interrupção e seccionamento do circuito.
Dimensionamento de condutores, conectores e proteções
Para a proteção por corrente reversa, a norma NBR 16690 define que o fusível ou disjuntor que proteja a série deve seguir a equação abaixo:
Ou seja, a proteção só atuará para um valor maior que a corrente Isc da série protegida. Isto implica que, caso os cabos sejam dimensionados exatamente para suportarem corrente até o valor de Isc, numa eventual situação de corrente reversa, a corrente que o elemento de proteção permite passar até que o mesmo atue pode ter valores acima da suportabilidade do condutor.
Além da questão da proteção, o dimensionamento de cabos e proteções que usem exatamente o valor de Isc no folheto de dados dos módulos (que é ensaiado em 1000 W/m²) pode encontrar outro problema: a sobreirradiância.
A sobreirradiância acontece quando a irradiação solar é superior a 1000 W/m², condição que em dias ensolarados no Brasil pode se manter por várias horas consecutivas. Como a corrente Isc do módulo é proporcional a irradiância, durante esses períodos, o sistema poderá trabalhar com valores de corrente acima do folheto de dados.
Devido a estes dois fatores, a norma NBR 16690 especifica valores mínimos de suportabilidade de corrente de cabos e dispositivos mesmo quando não há proteção associada a eles. A tabela abaixo retirada da norma, apresenta esses valores mínimos:
Normatização de dispositivos de sobrecorrente e interruptores- seccionadores
A proteção para corrente reversa pode ser feita por dispositivos seccionadores (fusíveis) que atendam a norma 60269-6 ou interruptores-seccionadores (disjuntores) que atendam as normas NBR IEC 60947-2 ou 60898-2. Também é obrigatório que o dispositivo seja próprio para corrente contínua, que seja insensível a polaridade, e que seccione todos os condutores de um circuito simultaneamente. No caso dos dispositivos interruptores-seccionadores, eles devem ser capazes de interromper as correntes para o pior caso possível.
Além disso, visando uma desconexão segura do sistema, todos os sistemas devem possuir elemento interruptor-seccionador entre o arranjo FV e o inversor. Para sistemas com múltiplos MPPT, é necessário que cada MPPT tenha ao menos um dispositivo interruptor-seccionador. Os dispositivos interruptores-seccionadores devem ter capacidade de interrupção de corrente sem a formação de arcos. É também obrigatório que estes dispositivos sigam as normativas NBR IEC 60947-1 e 609471-3.
Caso o dispositivo interruptor-seccionador seja do tipo chave acionada eletronicamente, a corrente de atuação da proteção deve obrigatoriamente respeitar os critérios definidos normativamente acima. Com isto, nota-se que a proteção contra corrente-reversa está limitada aos fusíveis do tipo gPV e disjuntores que sigam a normativa NBR IEC 60947-2 ou 60898-2.
Já para as chaves, mesmo as controladas eletronicamente, não há possibilidade de ser utilizada isoladamente para proteção contra corrente-reversa. As chaves devem também seguir as normas NBR IEC 60947-1 e 609471-3. Caso contenham elementos de proteção de sobrecorrente associado, os mesmos devem seguir as normas IEC 60947-2 ou 60898-2.
Estudo de caso
Para ilustrar os tópicos anteriores, será montado um estudo de caso de uma planta típica de minigeração distribuída ou geração centralizada com inversores string. O estudo usará inversores de 330 kW, módulos bifaciais e relação CC/CA de 130%. Para este estudo serão considerados dois casos típicos:
Caso 1: inversor de 330kW, 16 MPPTs, onde cada MPPT contenha entrada para dois pares de cabos (2 circuitos) – Total de 32 entradas.
Caso 2: inversor de 330kW, 6 MPPTs, onde cada MPPT contenha entrada para 5 pares de cabos (5 circuitos) – Total de 30 entradas Em ambos os casos serão considerados módulos de 610Wp, bifaciais com ganho de 10%, construídos com células de 182mm, além de irradiação de 1000 e 1100 W/m².
Em ambos os casos serão considerados módulos de 610Wp, bifaciais com ganho de 10%, construídos com células de 182mm, além de irradiação de 1000 e 1100 W/m².
Desta forma, para atingir os 130%, serão utilizadas 27 séries com 26 módulos cada.
Primeiro caso
Para o primeiro caso serão alocados duas séries para os primeiros 11 MPPTs. Para as MPPTs 12 à 16 serão alocados somente uma série cada.
Segundo a norma NBR 16690, como não há paralelismo de mais de 3 séries no mesmo ponto de conexão (MPPT) a proteção contra sobrecorrente não é obrigatória ou necessária. Caso ocorra um curto-circuito em uma série, o maior valor de corrente que percorrerá os conectores, chaves seccionadoras e cabos será a contribuição de uma série, isto é, Isc (acrescido do efeito de bifacialidade, neste exemplo, 10%).
Para a condição de não utilização do fusível, deve-se levar em consideração no dimensionamento dos condutores, conectores e chaves um fator de segurança, definido na Tabela 5 da norma NBR 16690 e apresentado na seção anterior. A figura abaixo ilustra a situação mais crítica de corrente, quando há um curto-circuito em uma das séries e a irradiância está em 1000 W/m².
A corrente Isc que circula durante a falha é de no máximo Isc + 21% (acréscimo de 10% pela bifacialidade e 10% por sobreirradiância).
Portanto, basta-se garantir que o dispositivo interruptor-seccionador, conectores e cabos suportem a corrente de curto de uma das séries multiplicado por 1,5x no mínimo, pois 1,5*Isc > 1,21 *Isc.
Segundo caso Para o segundo caso serão alocadas 5 séries nas MPPTs de 1 a 3 e 4 séries nas MPPTs de 4 à 6. Como há o paralelismo de 4 ou 5 séries por MPPT, é obrigatório o uso de elemento de proteção contra sobrecorrente. Essa proteção deve atender a equação abaixo, definida na norma NBR 16690 seção 5.3.11.1:
1,5 Isc < In < 2,4 Isc 1,5*14.03 < in < 2.4*14.03 21,04 < In < 33,67 A
Para estes valores de corrente, os valores típicos de proteção (fusível ou disjuntor) é de 25 ou 30 A. O valor máximo de corrente em uma das séries levando-se em conta o caso mais extremo é de 1,21 *Isc (acréscimo de 10% em bifacialidade e 10% em sobreirradiancia). Portanto, o máximo valor de contribuição de cada série em um eventual curto-circuito será de 16,97 A.
Para o estudo de suportabilidade dos componentes durante o curto-circuito, é importante entender a forma em que as séries e dispositivos interruptores-seccionadores estão conectados. A figura abaixo ilustra a organização de uma MPPT de um inversor que utiliza interruptor-seccionador comandado eletronicamente:
Neste caso, o máximo valor de curto-circuito será de 4*16,97 = 67 A. Haverá então passagem de corrente muito acima do valor de corrente Isc da série, portanto, é indispensável o estudo de suportabilidade à corrente dos cabos, conectores e dispositivos interruptores-seccionadores.
Os cabos de todas as séries, conectores MC4 e capacidade de interrupção da chave devem suportar então ao menos 67 A. Este valor de corrente não é facilmente encontrado na vasta maioria dos catálogos dos fornecedores de conectores MC4 conhecidos do mercado. E, caso a proteção seja controlada eletronicamente, os valores de atuação da proteção precisam ser regulados caso a caso para atender os critérios normativos exemplificados anteriormente.
Conclusão
A proteção por corrente reversa se torna, para quase a totalidade dos módulos, obrigatória quando há o paralelismo de 3 ou mais séries. A norma nacional NBR 16690, fortemente embasada na IEC 62548, é clara em relação ao tipo de dispositivo que pode ser utilizado para proteção de sobrecorrente: fusíveis segundo IEC 60269-6 ou disjuntores conforme NBR IEC 60947-2 ou 60898-2.
A corrente reversa não é o único fenômeno de sobrecorrente possivelmente danoso ao sistema. A proteção completa do sistema, e por consequência, a segurança de operação requer atenção aos tipos de proteção escolhidos.
As chaves, necessárias como dispositivo interruptor-seccionador quando se opta por fusível ao invés do disjuntor, devem seguir a norma ABNT NBR IEC 60947-1 e ABNT NBR IEC 60947-3, além de respeitarem os valores da tabela 5 da norma NBR 16690 e serem capazes de interromper correntes de curto-circuito mesmo nos piores casos de falhas.
É mostrado também que é necessário levar em consideração a suportabilidade de corrente de cabos e conectores para momentos de falhas em curto-circuito e a resposta da proteção à esta falha, assim evitando desgaste precoce ou derretimento dos mesmos.
A fim de garantir a segurança operacional das instalações, evitar riscos velados de engenharia, oferecer riscos aos operadores ou até mesmo risco de incêndio e danos às instalações fotovoltaicas, sugere-se sempre a obediência às normas nacionais, além da escolha de uma equipe de engenharia capacitada.
Desta forma, garante-se a confiabilidade dos sistemas, a resiliência a falhas e a tranquilidade de, mesmo que haja um sinistro na planta, que os empreendedores e investidores não terão seus prêmios de seguro comprometidos ou negados por negligenciar o corpo normativo aplicável.
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