Nos dias 14 e 15 de junho, o Novotel Center Norte, em São Paulo (SP), foi palco da segunda edição do T&D Energy – Infraestrutura e a Transição Energética, evento criado com o intuito de discutir o futuro das subestações e das redes MT/AT sob o pano de fundo da modernização do setor elétrico.
Repetindo o sucesso da edição anterior, o congresso apresentou as melhores e mais inovadoras práticas de engenharia em infraestrutura para um público altamente qualificado. Ao todo, 504 congressistas e 17 patrocinadores estiveram presentes, desempenhando um papel fundamental para o sucesso do evento.
Confira alguns destaques e novidades da edição deste ano:
3Ds (ou mais) em pauta
Descarbonização, descentralização e digitalização são os famosos “3Ds” do setor elétrico, que juntos formam um movimento de toda a cadeia em direção à chamada transição energética. O mundo inteiro tem buscado limpar suas matrizes e instaurar plantas eólicas e solares, assim como tornar todo o sistema mais automatizado e digital. O Brasil acompanha essas tendências, mas esbarra em alguns entraves regulatórios e tecnológicos significativos.
Com o objetivo de analisar tal cenário, especialistas renomados se reuniram no painel de debates que deu início à ampla programação do evento – que contou com mais de 24 horas de conteúdo exclusivo. Estiveram presentes na discussão a presidente interina da EPE, Angela Livino, o assessor executivo da Diretoria de TI, Relacionamento com Agentes e Assuntos Regulatórios do ONS, Carlos Alexandre Prado, e o superintendente-adjunto de Regulação de Transmissão e Distribuição de Energia Elétrica da ANEEL, Leonardo Mendonça. A mesa-redonda teve como moderador o Principal Director IndustryX da Accenture Brasil, Roberto Falco.
Responsável por levar o ponto de vista do Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS) sobre o assunto, Carlos Alexandre Prado destacou que a instituição se baseia, na verdade, em “5Ds”: descarbonização, descentralização, digitalização, democratização e diversidade. O especialista salientou que esse contexto não apenas suscita discussões sobre a transição energética, mas também aborda a transformação energética como um todo.
Prado também deu destaque à necessidade de adaptação da entidade diante das mudanças que já podem ser observadas na dinâmica do sistema elétrico. “O operador, em um ambiente de geração, transmissão, distribuição e consumo, é baseado em comando e controle. Com essa dinâmica de um ecossistema de democratização e descentralização, o ONS está caminhando para deixar de ser o orquestrador nacional do sistema. Não poderemos operar o sistema baseados em comando e controle, como fizemos esse tempo todo. Precisamos agora mudar até mesmo o nosso próprio modelo interno para permitir que orquestremos múltiplos atores em prol de um ótimo sistema”, afirmou.
O representante da Agência Nacional de Energia Elétrica (ANEEL), Leonardo Mendonça, também realizou uma análise abrangente dos impactos potenciais das transformações previstas e almejadas para o segmento. O especialista enfatizou a relevância de um dos “Ds” acrescentado pela entidade a essa “equação”, referindo-se à necessidade de ampliar a democratização do setor elétrico.
Mendonça destacou que esse movimento é crucial para equilibrar e fortalecer todo o sistema, sendo papel da entidade reguladora a remoção de barreiras e de incentivos que talvez não sejam mais necessários, visando uma maior inclusão digital e elétrica. “Não é só dar o acesso inicial ao consumidor. É preciso que seja um acesso com qualidade e modicidade, o que é um grande desafio.”
Referente ao contexto da descarbonização, a presidente interina da Empresa de Pesquisa Energética (EPE), Angela Livino, estabeleceu uma conexão entre a sobreoferta de energia elétrica vivenciada pelo setor e a transição energética em curso. “Isso passa por uma discussão de transformação da indústria, o que conversa perfeitamente com a transição energética, com uma melhora da eficiência, buscando a descarbonização. O primeiro ‘D’ é o que puxa toda a discussão sobre transição energética, o que é trabalhado nos cenários de neutralidade de carbono em 2050.”
De olho no futuro
Durante o evento, o público teve a oportunidade de participar e interagir com mais de 30 outras apresentações ao longo de dois dias, abrangendo uma ampla variedade de painéis de debates e palestras conduzidas por especialistas renomados das principais empresas do setor. Temas como inovação, automação, digitalização, monitoramento avançado, gestão de ativos, segurança cibernética e integração de energias renováveis ganharam destaque nas discussões.
O congresso também proporcionou aos participantes a oportunidade de conhecer mais detalhes sobre cases de sucesso que possuem um impacto significativo no setor, com destaque para o Projeto Koala. A iniciativa foi idealizada por Thamara Verde, que com apenas 25 anos é responsável pela área de Smart Grid no Grupo Equatorial Energia. O programa foi implementado em 5 dos 7 estados em que a concessionária atua e soluciona simultaneamente uma questão técnica e social, ao rastrear falhas e desligamentos, reduzindo o tempo em que os clientes ficam sem energia elétrica.
Outra grande inovação apresentadas durante o evento foi o centro de monitoramento para otimizar gestão de ativos e apoiar decisões estratégicas, projeto liderado pela superintendente de gestão da manutenção da Eletronorte, Lilian Ferreira. Destaque ainda para o primeiro projeto de armazenamento de energia em larga escala no Sistema Interligado Nacional, desenvolvido pela ISA CTEEP e representado pelo gerente de Execução da Operação da companhia, Bruno Isolani.
Para o gestor de negócios na engenharia de aplicação da Treetech, Gilberto Amorim, “o evento trouxe algumas palestras muito atuais, com palestrantes que executaram projetos muito interessantes e que contribuíram muito para entendermos qual será o futuro dentro da área de transmissão e distribuição no Brasil”.
Essa também foi a percepção do CEO da Embrastec, Márcio Rosa: “Gostei muito do evento, achei que reuniu um público seleto, de pessoas bem interessadas, e palestras com conteúdos muito interessantes – tanto é que a plenária se manteve lotada o tempo todo”.
Outro profissional que reconheceu as grandes qualidades da segunda edição do T&D Energy foi o presidente do Lactec, Luiz Fernando Vianna. “O evento possui grandes diferenciais. Trazer a tecnologia e inovação para dentro do setor elétrico é mais do que necessário. Esse momento que o setor vive, de novas fontes entrando no sistema, como fotovoltaica, eólica e a própria Geração Distribuída, requer investimentos e muita tecnologia.”
Feira de negócios
Com um amplo espaço de exposição, o T&D Energy também ofereceu ao público a oportunidade de se familiarizar com as mais recentes inovações das principais empresas provedoras de tecnologia do setor elétrico, proporcionando o cenário ideal para o estabelecimento de novos negócios e de conexões significativas, como relata o diretor comercial da Itaipu Transformadores, Renato Júnior. “Conseguimos bastante contatos. Algumas empresas já temos algum tipo de relacionamento, mas aqui desenvolvemos outros. Foi um evento positivo, só temos a agradecer.”
CIDE
A grande novidade desta edição foi a realização paralela da primeira edição do CIDE – Congresso de Inovação na Distribuição de Energia, resultado de uma parceria entre o Grupo O Setor Elétrico e a Associação Brasileira dos Distribuidores de Energia Elétrica (ABRADEE).
Com o objetivo de debater as principais tendências que estão remodelando o setor de distribuição de energia no país, o CIDE reuniu executivos, autoridades e especialistas da área para discutir temas relacionados não apenas aos 3Ds, mas também aos novos modelos de negócios, modernização e desenvolvimento de soluções tecnológicas para o segmento de distribuição de energia elétrica, explorando a geração de novas ideias e diálogos.
O evento inédito foi iniciado com uma vigorosa discussão acerca da expansão do mercado livre de energia e os desafios que o setor enfrentará para atender à crescente demanda advinda dessa abertura.
Para o presidente da Associação Brasileira dos Comercializadores de Energia (ABRACEEL), Rodrigo Ferreira, é necessário ampliar a abertura do mercado energético, uma vez que o consumidor do mercado regulado enfrenta crescentes pressões com a mudança de dinâmica vivida pelo setor.
Ferreira destaca, como exemplo, o rápido crescimento da Geração Distribuída, que segundo ele ultrapassa significativamente as expectativas iniciais e resulta em custos adicionais para os consumidores do mercado cativo, elevando o valor de suas contas de energia. “Não podemos cometer esse mesmo erro. O mercado livre não pode ser bom para quem migra e ruim para quem fica [no mercado regulado]. Ele precisa ser neutro para quem fica”, enfatizou o executivo.
Na visão da Eletrobras, representada pelo Vice-presidente de Regulação e Relações Institucionais, Rodrigo Limp, o cenário atual é muito favorável para a abertura completa do mercado de energia. “Hoje, existem todos os elementos para avançarmos na abertura do mercado de baixa tensão. Não a partir do mês que vem, mas de forma gradual. Por isso, é muito importante sinalizar formalmente, aprovando quando seria esse horizonte.”
Apesar das perspectivas promissoras, Limp aponta que ainda existem alguns obstáculos a serem superados, como a necessidade de se aprimorar o sistema de medição e desenvolver modelos tarifários adequados para as distribuidoras. Na visão do executivo, é preciso solucionar essas questões para que seja possível alcançar a abertura plena do mercado de energia.
Já o conselheiro da Câmara de Comercialização de Energia Elétrica (CCEE), Marco Delgado, destacou a importância da entidade na operacionalização do mercado de energia, tanto no setor livre quanto no regulado. O especialista em planejamento energético enfatizou que a CCEE se dedica intensamente para assegurar a contínua abertura do mercado, garantindo o correto funcionamento dos sistemas e a integração tecnológica, reconhecendo todas as oportunidades que esse contexto oferece.
“A CCEE tem trabalhado nessa linha, de oferecer discussões fundamentadas para a abertura do mercado. Temos pontuado o que deve ser feito e o que precisa ser ajustado, para que possamos evoluir de uma maneira sustentável”, afirmou.
Finalizando a discussão de maneira enfática, o presidente da ABRADEE, Marcos Madureira, falou da importância de uma abertura de mercado cuidadosa e segura, na qual os custos de sustentação do sistema (tanto os atuais como os futuros) sejam distribuídos de forma equitativa.
Madureira reforçou que está alinhado com a abertura do mercado, porém expressou preocupação em evitar a imposição de custos adicionais aos consumidores que optarem por permanecer no mercado regulado. “Podemos ter visões diferentes, mas o objetivo é um só: fazer uma abertura segura, que não faça com que a turma que está lá [no mercado regulado] tenha que continuar pagando mais. Não acho que a abertura tenha que ser neutra para o mercado regulado, ela tem que ser justa”, concluiu.
O CIDE proporcionou ainda diversos outros momentos de debate e troca de conhecimentos acerca de inovação e tecnologia, em benefício da eficiência na distribuição de energia. Os participantes demonstraram grande interesse e engajamento, evidenciando o compromisso coletivo em impulsionar o desenvolvimento do setor e explorar novas soluções para os desafios energéticos atuais.
“Foi muito interessante a realização de dois eventos simultâneos, um voltado para transmissão e distribuição (muito bem organizado), e outro com apresentações de trabalhos de inovação na distribuição. Isso é muito importante, pois valoriza o programa de pesquisa, desenvolvimento e inovação da agência”, declarou Márcio Alcântara, coordenador de inovação e engajamento no mercado da ANEEL.
Cobertura e texto por Fernanda Pacheco.