Assim como os demais nichos do mercado, a área de distribuição de energia enfrenta cenários desafiadores no que diz respeito à manutenção e operação dos ativos. Com a evolução da demanda de carga e as incertezas climáticas diante do aquecimento global, o modelo tradicional de manutenção nessas instalações tem sofrido grandes transformações.
Frente a esses novos cenários, manter-se inerte é assumir o risco de aumentar as falhas e, consequentemente, comprometer a qualidade do fornecimento de energia do seu empreendimento. É necessário inovar não só nos sistemas de gestão da manutenção e automação de processos, mas também na forma de realizar a manutenção.
Todo o sistema elétrico de potência mudou com decorrer dos anos. Equipamentos de pátio, sistemas de proteção e controle, sistema de supervisão e telecontrole, protocolos de comunicação e demais sistemas. Essa evolução obriga a pensar novas maneiras de gerir a manutenção do sistema. Diante do cenário atual, permanecer com modelos convencionais de manutenção significa não se adaptar à nova realidade do sistema, que traz como desafio:
- Elevações e variações relevantes de temperatura e elevação do consumo de energia elétrica no Brasil;
- Impacto do aumento da demanda de energia e diversidade nos perfis no controle de tensão. Necessidade da implementação de novas tecnologias no sistema.
No cenário com elevações e variação relevantes de temperatura, isto é, o dia pode conter até 25º de variação de temperatura (∆T). Com altas temperaturas e tempo seco, além de fatores externos que agridem a rede elétrica como queimadas, o consumo de energia eleva exponencialmente, exigindo cada vez mais das instalações elétricas de alta e média tensão.
Importância e aplicações da termografia frente às elevações e variações relevantes de temperatura e aumento do consumo de energia elétrica no Brasil.
Com as altas concentrações de gases de efeito estufa na atmosfera, o calor emitido pelo Sol é bloqueado, ficando preso na superfície terrestre, aumentando a temperatura média da Terra. O aquecimento global é uma realidade que se agrava anualmente provocando alterações no clima e, consequentemente, no comportamento dos ativos, principalmente nos períodos de maior temperatura.
Contribuem para o aquecimento a queima de combustíveis fósseis (derivados do petróleo, carvão mineral e gás natural) para geração de energia, atividades industriais e transportes; a conversão do uso do solo, entre outras aplicações. Por isso, é importante que toda a indústria entenda a importância da descarbonização, estimulando a utilização de equipamentos e veículos elétricos, sobretudo a utilização de energias renováveis.
Enquanto ainda possuímos a presença significativa desses combustíveis e convivemos com variações expressivas de temperatura, essa elevação contribui diretamente para o aumento do consumo de energia elétrica no Brasil.
Figura 1 – Previsão de carga de energia para o cenário 2020-2025.
Fonte: ONS.
O Operador Nacional do Setor Elétrico (ONS) compartilha no documento “Previsão de Carga para o Planejamento Anual da Operação Energética ciclo 2021 (2021-2025)” a previsão de carga de energia superando 70.000 MWmédios a partir de 2022, conforme gráfico.
Diante deste cenário é necessário traçar as melhores estratégias para atravessar períodos de demandas máximas de energia e grande exigência dos equipamentos. Técnicas preditivas de monitoramento de temperaturas, por exemplo, se fazem necessárias nesses momentos.
Uma ferramenta importante para detecção das anomalias térmicas no sistema é a inspeção termográfica. A termografia é uma técnica preditiva, não invasiva e não destrutiva de medição de temperatura e formação de imagem térmica de uma determinada instalação e através da representação gráfica, direciona as regiões que apresentam desequilíbrios e variações térmicas.
Figura 2 – Exemplo de inspeção termográfica.
As diferentes condições operativas de cada subestação tornam necessária uma visão sistêmica sobre as periodicidades com base em variáveis que coloquem o sistema e o cliente no centro do negócio.
Portanto, para traçar a estratégia ideal é necessário o ponto ótimo das priorizações e periodicidades das inspeções nas instalações de alta e média tensão. Algumas das variáveis que são:
- Número de unidades consumidoras atendidas;
- Potência instalada;
- Nível de curto-circuito;
- Taxa de falhas;
- Agentes externos – maresia, nível de poeira e poluição local;
- Características e tempo de operação dos pontos de conexões externos – Tipos de conectores, materiais e reações.
Essa técnica preditiva tem evoluído e inovado as aplicações no setor elétrico. Já existe por exemplo, para algumas aplicações, o monitoramento local fixo integrado ao sistema de supervisão, gerando alarmes remotos para os valores de temperatura e variação ajustados.
Outro grande avanço também já aplicado nas redes de distribuição de energia da China: Rede do Noroeste, Rede do Nordeste, Rede do Norte da China, Rede do Centro da China, Rede do Leste da China e Rede do Sul é o Robô Inteligente de Inspeção de Componentes Elétricos da Launch que realiza inspeções com frequências definidas e em grande escala, reduzindo ao máximo erros humanos. O robô usa uma câmera termográfica e realiza a inspeção completa em subestações de alta tensão e é capaz, inclusive, de emitir alarmes.
A plataforma é conectada ao computador de controle do robô via Ethernet, enquanto a unidade de controle principal controla o gerador de imagens térmicas de alta definição e o movimento da plataforma pela rede. A câmera termográfica produz vídeo analógico CVBS e a câmera de alta definição produz vídeo de H265.
Os dados de medição de temperatura são enviados à unidade de controle principal via Ethernet e via quadro de compressão de vídeo, proporcionando dados e informações de medição de temperatura com vários quadros em tela cheia, referentes às temperaturas mais altas e mais baixas.
O certo é que se precisa avançar com o modelo de inspeção, podendo ser aplicado inclusive em circuitos de baixa tensão e circuitos de corrente. Identificou-se, inclusive, que, a partir de algumas ocorrências no sistema, houve elevação de temperatura em circuitos de corrente, com a detecção de folga na conexão do circuito com as novas chaves de correntes (bloco de testes). Um plano de ação de termografias e reaperto dos circuitos que apresentavam variações de temperatura como de corrente permitiu reduzir 90% das falhas no ano seguinte.
Figura 3 – Elevação de temperatura em circuitos de corrente.
Nota-se que a técnica é aplicada em grande parte dos processos em uma subestação. Trata-se de uma importante ferramenta para detectar potenciais de falhas no sistema e agir preventivamente. Tão importante quanto realizar a inspeção termográfica é saber tratar os dados, montar um plano de ação e priorizar os atendimentos com senso de urgência.
Como também se detectar a causa raiz do problema para que as ações previstas sejam aderentes à redução do que está provocando os problemas. Dentre alguns modos de falhas dessas anomalias temos:
- Reação do material, como exemplo: barramentos de alumínio com cordoalhas de cobre e conexões não bimetálicas;
- Conexões mal feitas – Torque indevido nas conexões;
- Limalhas nas conexões;
- Baixo isolamento;
- Desgaste do material;
- Passagem de correntes de curto circuito elevados na conexão.
Identificar o modo de falha é essencial para a criação das ações e assertividade na resolução do problema.
Outro novo modelo de inspeções visuais e termográficas possível é a utilização de drones, técnica já empregada por concessionárias, especialmente, em linhas de distribuição de média e alta tensão.
O drone é um excelente recurso para áreas remotas e áreas que apresentem terrenos instáveis, como brejos e ambientes muito úmidos. Em parques com linhas extensas, esse tipo de aplicação pode reduzir custos e substituir métodos mais onerosos como inspeções heliportadas.
Portanto, podemos observar avanços significativos nos modelos de inspeções termográficas nas redes de alta e média tensão. A termografia é uma das técnicas mais efetivas na detecção de anomalias e exige que os profissionais explorem cada vez mais suas diversas aplicações no sistema. Seu cenário, aplicação e tecnologia inserida tem evoluído expressivamente.
Existem aplicações em estruturas fixas com mobilidade que permitem conexão via GPRS com a rede e já geram alarmes a partir de temperaturas ajustadas. O monitoramento remoto, associado à supervisão e registros e armazenagem em nuvem (disponíveis em plataforma web) já representa o avanço e destaca a aplicação em indústrias 4.0.
Impacto do aumento da demanda de energia e diversidade nos perfis no controle de tensão. Necessidade da implementação de novas tecnologias no sistema.
A chegada dos diferentes níveis de tensão e aumento da potência do sistema interligado, trouxe consigo a elevação dos níveis de curto-circuito e a necessidade de modelos inteligentes de proteção, controle e automação.
Com a crescente evolução da demanda energética no Brasil, um grande desafio das distribuidoras é controlar a tensão frente aos elevados consumos de carga no sistema. Como sabemos, à medida que o consumo aumenta, a tendência é que os níveis de tensão sofram queda, pois são grandezas inversamente proporcionais.
Além disso, a diversidade do perfil dos consumidores, torna diferente o consumo por conjunto, não permitindo a concessionária ter uma forma uniforme para tratar os equipamentos que são responsáveis pelo controle de tensão, principalmente em níveis de alta tensão, como os comutadores sobre carga (OLTC).
O comutador em carga, também conhecido como comutador, comutador de derivação em carga (CDC) ou OLTC (on load tap changer) é um equipamento utilizado em conjunto com transformadores de tensão para variar a relação de transformação destes sem que seja necessário o desligamento dos mesmos.
Tradicionalmente, a periodicidade da manutenção desse equipamento se baseia em tempo ou número de operações. Independentemente das condições a que são submetidos, são tratados, em sua maioria, da mesma forma. Uma ocorrência em um ativo desses fatalmente compromete a operação de um transformador de potência, tornando assim grande responsabilidade em manter o ativo sem falhas.
Recentemente foi lançado em um lote pioneiro o projeto da CGTI (Centro de Gestão de Tecnologia e Inovação), em parceria com algumas concessionárias, o SMC, sistema de monitoramento de comutadores.
Esse equipamento cria uma “assinatura elétrica” que parte através do acionamento do motor, criando um diagnóstico através de formas de onda do comportamento elétrico do equipamento, sendo capaz de antecipar grande parte dos problemas relacionados a comutação (momento em que o transformador altera o tap automaticamente em carga).
Assim, tem capacidade de antecipar falhas, gerar alarmes remoto, criar registros em memória, comunicar com o centro de operações através de diversos protocolos de comunicação, monitoramento remoto e on-line das grandezas elétricas e comportamento do equipamento, permitindo evolução no modelo de manutenção nesses equipamentos, deixando de ser por tempo e operação para condição.
A CGTI cita algumas vantagens na utilização do equipamento, como:
- Assertividade na programação e data da intervenção da manutenção;
- Evita paradas desnecessárias ou não programadas em comutadores;
- Maior eficiência operacional dos transformadores de potência;
- Monitoramento remoto e online do funcionamento dos comutadores;
- Reduz custos de manutenção;
- Ganho de eficiência na definição de investimentos no ativo;
- Redução das manutenções corretivas e falhas;
Pensar diferente tem sido uma necessidade para quem atua na área de manutenção de sistemas de distribuição. Para estimular novas técnicas de manutenção, é importante a busca de parcerias com players que detém know-how no assunto.
Não há atividade de manutenção tão tradicional que não possa ser repensada. Técnicas eficientes e conhecidas têm sido principais alvos das revoluções na manutenção do setor elétrico.
Referências:
Site da Flir Systems: https://www.flir.com.br/.
Site da CGTI: https://www.cgti.org.br/
Autor:
Por Caio Huais, engenheiro de produção, pós-graduado em Engenharia Elétrica e Automação com MBA em engenharia de manutenção. Atualmente, é Head de Manutenção e Operação de Alta tensão na Enel distribuição Goiás, onde responde pela disponibilidade de 360 subestações e 6.000 quilômetros de linhas de alta tensão. Atua na área de O&M de alta tensão há mais de 9 anos, tendo passagem por áreas de proteção e controle (SPCS), engenharia de manutenção e planejamento e controle da manutenção