“No meio do caminho tinha uma pedra
tinha uma pedra no meio do caminho…”
Tanto na vida como na poesia (mas poesia não é vida?), as “pedras”, ou seja, os obstáculos surgem. O poeta Carlos Drummond de Andrade, nos versos deste mesmo poema, continua: “nunca me esquecerei desse acontecimento na vida de minhas retinas tão fatigadas.”
Retinas fatigadas, ou seja, olhos cansados, corpo e mente também, e eis que, depois de instalar um cabo de alta tensão, você descobre durante o teste de capa (previsto na IEC 60.229) que a capa externa está danificada e que será necessário localizar e reparar o dano. Porém, o cabo de alta tensão está instalado dentro de eletrodutos preenchidos por bentonita e, acima de tudo, existe ainda uma camada larga de concreto. O que fazer nessa situação?
As referências técnicas para realizar este tipo de trabalho são o guia do IEEE 1.234 e a Brochura Técnica do Cigre nº 773.
Mas antes de seguirmos para a prática, é importante entender que a técnica de localização de falhas em cabos isolados de média, alta e extra alta tensão, e isso inclui também as falhas nas capas externas, é realizada em duas etapas principais e outras de apoio, sendo a que primeira etapa é a mais importante e a mais crítica, que consiste em fazer a pré-localização, enquanto a segunda etapa determina a localização exata da falha. A pré-localização pode ser realizada através do método de reflectometria ou de pontes, e para a localização exata os métodos acústico e de tensão de passo são os recomendados.
Para falhas em capas, o método ponte é o mais indicado para a fase de pré-localização, enquanto o método de tensão de passo é o indicado para a localização exata.
Dito isto, podemos resumir o trabalho de localização de falhas em capas de cabos isolados da seguinte maneira:
Primeira etapa: pré-localização – método ponte
O procedimento do método consiste no balanceamento da ponte, ou seja, a tensão é
aplicada aos terminais e o equipamento realiza o ajuste de resistores internos variáveis, R1 e R2, de modo que a corrente no galvanômetro G seja nula. Aplicando as Leis de Kirchhoff ao circuito equivalente e considerando uma resistência uniforme ao longo de cada um dos condutores, a posição da falha é determinada. Os cálculos são realizados automaticamente pelos firmwares dos equipamentos.
É importante destacar que, para aplicação do método, cabos auxiliares, fases irmãs ou blindagens devem estar intactos para a composição do laço, que é o arranjo de teste. A precisão dos testes pode alcançar até 1%, mas falhas de alta impedância são de difícil localização pelo método, pois as correntes envolvidas no circuito da ponte se tornam muito pequenas e isso pode impactar de forma significativa na precisão dos resultados.
Figura 1.
A montagem do equipamento pode ser descrita conforme a figura abaixo:
Figura 2.
Nesse método, é necessário ter um cabo adicional de mesmas características construtivas, seção e comprimento para realizar o retorno da corrente de medição da ponte. Dessa forma, como o circuito a ser localizado contém 1 cabo com a capa com ponto de falta e as outras duas fases sem defeitos, serão utilizadas as blindagens das outras fases para o fechar o loop, conforme a figura acima.
Segunda etapa: localização exata – método de tensão de passo
Finalizando a primeira etapa, passamos então para a fase seguinte, que consiste na localização exata da falha.
Tensão de passo
Um gerador de ondas quadradas aplica um nível de tensão suficiente para causar a falta no local do defeito, que fora pré-localizado previamente.
Figura 3.
Com um instrumento adicional (PROTRAC + SVP), geram-se pulsos que indicam a direção com maior intensidade do sinal da tensão de passo e, seguindo o traçado, é possível localizar o ponto exato da falha.
Figura 4.
Figura 5.
Você pode notar, na figura 4, que para a técnica de tensão de passo funcionar é necessário que não existam obstáculos que impeçam o campo elétrico gerado pela falha de se propagar. Logo, quando o cabo está envolvido com bentonita e dentro de um duto, ou seja, quando há uma “pedra no meio do caminho”, a única maneira de se localizar o local exato é abrindo pontos no eletroduto corrugado para conseguir inserir as hastes de medição. No meio do caminho tinha uma pedra e você tirou a pedra, localizou, reparou e ligou o circuito!
Autor:
Por Daniel Bento, engenheiro eletricista com MBA em Finanças e certificação internacional em gerenciamento de projetos (PMP®). É membro do Cigré, onde representa o Brasil em dois grupos de trabalho sobre cabos isolados. Atua há mais de 25 anos com redes isoladas, tendo sido o responsável técnico por toda a rede de distribuição subterrânea da cidade de São Paulo. É diretor executivo da Baur do Brasil | www.baurdobrasil.com.br