Neste cenário mundial cada vez mais voltado para questões de sustentabilidade e eficiência energética, o debate entre geração centralizada e distribuída de energia tornou-se vital. Ambos os sistemas possuem méritos e desafios, e entender esse dilema é crucial para moldar o futuro da produção e distribuição de energia.
A geração centralizada de energia, como o próprio nome sugere, refere-se à produção de energia em grande escala em um local central, como usinas termelétricas a gás ou carvão, centrais nucleares ou hidrelétricas. As fontes que atualmente são tratadas como distribuídas, como são os casos da solar e dos biodigestores para aproveitamento de resíduos, podem também ser instaladas em grandes parques, de forma centralizada. Vale sempre destacar, nesse ponto, que as renováveis centralizadas também geram impactos, como a necessidade de desmatamento em projetos de aproveitamento solar ou hidráulicos. Impactos na fauna, flora, nas comunidades locais em que grandes áreas são envolvidas e na qualidade de vida das populações próximas aos empreendimentos. Mesmo em parques eólicos, diversos são os registros de externalidades negativas, devido ao efeito estroboscópico e aos ruídos, por exemplo.
A natureza centralizada da geração pode tornar o sistema vulnerável a falhas, ataques ou desastres naturais, o que requer um sistema de proteção complexo, seletivo, rápido e robusto. Por fim, mas não menos importante, há o problema das perdas de transmissão. Quanto mais longe a energia precisa ser transportada, maior é a quantidade perdida no processo.
As economias de escala permitem que grandes usinas produzam energia a custos unitários mais baixos. Ainda, a operação e manutenção centralizadas podem levar a eficiências operacionais, além de garantir conexões entre regiões distintas, facilitando intercâmbio energético e complementariedade da utilização de recursos. Como argumentou em várias ocasiões o distinto pesquisador em energia Vaclav Smil, a geração centralizada proporcionou confiabilidade e desempenho consistentes durante o século XX, alimentando o crescimento econômico e a urbanização em muitas partes do mundo.
Por sua vez, a geração distribuída refere-se à produção de energia em pequena escala, muitas vezes próxima ou no local de consumo. Isso pode incluir, por exemplo, painéis solares em telhados, biodigestores, turbinas eólicas em propriedades rurais ou pequenas usinas hidrelétricas. Essa abordagem tem ganhado popularidade nas últimas décadas, em grande parte devido a avanços tecnológicos e redução de custos em tecnologias aplicadas às fontes consideradas renováveis.
Um dos principais argumentos a favor da geração distribuída é a possibilidade de diminuição da dependência do usuário de um sistema maior complexo, bem como a probabilidade de redução de custos. Pequenos sistemas com geração distribuída podem, em alguns casos, ser mais eficientes em termos de transmissão, uma vez que a energia é frequentemente consumida perto de onde é produzida, minimizando perdas.
Entretanto, a geração distribuída também apresenta desafios, pois, como na maior parte dos casos é indicado utilizar painéis fotovoltaicos, a intermitência desta e da maioria das renováveis tona-se um grande entrave. Irradiação solar e fluxo de vento, por exemplo, são inconstantes, o que pode levar a problemas de equilíbrio entre disponibilidade e solicitação. Isso leva à consideração, por parte dos usuários, de recorrerem ao armazenamento, que normalmente é dependente de componentes químicos, e não possuem elevado ciclo de vida. Ou mesmo de um recurso de estoque que geralmente não é renovável, como óleo diesel ou gás natural. Além disso, sistemas distribuídos exigem uma rede elétrica inteligente e adaptativa, capaz de gerenciar múltiplas fontes de energia e responder às flutuações na geração e demanda.
O maior de todos os desafios da geração distribuída que utiliza recursos considerados renováveis – de fluxo – é a implicação da densidade de potência, conceito que pode ser resumido como a área de terra necessária para gerar energia.
À medida que o fenômeno das megacidades se intensifica, com metrópoles abrigando mais de 10 milhões de habitantes, a demanda por espaço e infraestrutura cresce exponencialmente. Para otimizar o uso do espaço urbano limitado, edificações verticais, como arranha-céus, tornaram-se uma solução predominante. No entanto, essa expansão vertical também está intrinsecamente ligada ao aumento do consumo de energia. Essas construções, com suas complexidades estruturais e necessidades de conforto, demandam elevados recursos energéticos para climatização, iluminação e operações diárias, contribuindo significativamente para o consumo energético global e desafiando as metas de sustentabilidade das cidades.
É de se notar que fontes com baixa densidade de potência, como solar e eólica, exigem grandes áreas de terra para produzir a mesma quantidade de energia que uma planta de combustível fóssil ou nuclear de dimensões drasticamente menores, por exemplo. Esse é o maior desafio em áreas onde o espaço é limitado ou caro.
As densidades médias de potência urbana oscilam entre 12 e 38 W/m², chegando a exceder 100 W/m² em áreas centrais. Exemplificando, no centro de São Paulo, áreas de prédios elevados têm uma média de até 900 W/m² no solo. Em contraste, bairros residenciais geralmente utilizam menos de 25 W/m². Quando consideramos diferentes tipos de estruturas, como uma torre de apartamentos de 30 andares ou um hotel, a demanda pode chegar a 1.000 W/m² e 2.000 W/m², respectivamente. Comparando com a geração fotovoltaica, que possui taxas médias de 30–100 W/m² de forma intermitente e em um período diário, fica claro que, embora edifícios menores e casas isoladas possam se beneficiar da geração solar descentralizada, edifícios mais altos enfrentariam desafios significativos. A título comparativo, para edifícios de até 10 andares com densidade de potência entre 200 e 800 W/m², seriam necessárias áreas de células fotovoltaicas de 10 a 30 vezes maiores que suas áreas de telhado. A energia fotovoltaica se torna ainda mais marginal para edifícios altos, exigindo superfícies fotovoltaicas de 50 a 75 vezes maiores que as áreas de seus telhados. Mesmo considerando a instalação de paredes fotovoltaicas, o ganho total dificilmente levaria a geração no local a 20% da demanda total. Por esse motivo, nas regiões densamente povoadas, a geração descentralizada por meio de sistemas fotovoltaicos apresenta maior dificuldade de viabilização. Esse entrave não é só enfrentado pela solar, mas pelas renováveis de modo geral, por serem fontes de fluxo e não de estoque.
Nessa perspectiva, a escolha entre geração centralizada e distribuída não é binária. Um sistema energético otimizado provavelmente incorporará elementos de ambos. Em muitas regiões, a geração centralizada é certamente a opção mais viável. Em outros lugares, a geração distribuída pode prosperar com complementariedade, especialmente em áreas com abundantes recursos solares ou eólicos, e que possuem um arranjo de edificações com baixa densidade de potência.
A possibilidade de construção de uma transição para um sistema energético mais sustentável no longo prazo é um desafio complexo que exige uma abordagem multifacetada e adaptativa. Assim sendo, mesmo tendo uma das matrizes elétricas mais renováveis do mundo, ainda estamos longe de conseguir renunciar aos recursos fósseis.
Autor:
Por Danilo de Souza, engenheiro eletricista pela Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT).
É especialista em Energia e Sociedade pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ),
mestre em Energia e pesquisador no Instituto de Energia e Ambiente (IEE) da Universidade de
São Paulo (USP). Danilo é professor na Universidade Federal de Mato Grosso, sendo membro
do Núcleo Interdisciplinar de Estudos em Planejamento Energético – NIEPE, e é Coordenador
Técnico do CINASE – Circuito Nacional do Setor Elétrico | www.profdanilo.com