Mais um dilema para o setor elétrico: Grid Forming e Sistemas de Potência Vs Grid Following e Eletrônica de Potência

O fornecimento de energia elétrica no Brasil é gerido por um extenso e complexo sistema de potência que integra produção, transmissão e distribuição até o consumidor final. Em 2022, o serviço de fornecimento de eletricidade esteve disponível por 99,88% do tempo, com os consumidores ficando, em média, 10,93 horas sem energia ao longo do ano. Isso representa uma melhoria em relação a 2021, quando a média foi de 11,78 horas. Este robusto sistema que garante energia estável e confiável é chamado de Sistema Interligado Nacional, ou SIN. 

Pela inerente complexidade, Sistemas de Potência exigem uma abordagem multidisciplinar para endereçar problemas como a (i) gestão de recursos finitos, como combustíveis fósseis, hidráulicos e outras fontes de energia; e (ii) impactos ambientais e sociais, onde grandes projetos de geração e transmissão de energia, podem ter impactos significativos, as chamadas externalidades negativas, além de demandarem estudos detalhados viabilidade econômica. 

Recentemente, porém, com a popularização e introdução massiva de fontes renováveis, em especial solar e eólica, surge o desafio adicional de integrar de maneira eficiente e econômica, já que são intermitentes e dependem de fatores climáticos. Se considerarmos a característica predominantemente de geração por fontes hidráulicas, verificamos que essas usinas atuam naturalmente como formadores de rede (ou grid-forming), quando interligados via rede elétrica. No caso, são máquinas primárias (turbinas hidráulicas) que convertem a energia potencial da água em energia mecânica, e pela elevada inércia das unidades geradoras, o fenômeno da sincronização espontânea garante o controle da frequência. 

A inércia do parque gerador hidráulico desempenha um papel crucial na estabilidade e controle da frequência do SIN. Todavia, essa dependência da fonte hidráulica impõe duas conclusões: (1) o SIN apresenta uma robusta e confiável arquitetura, garantido por grandes reservas girantes com grande inércia, mas que hoje enfrenta desafios (crise hídrica e gargalos de transmissão); e (2) existe um desafio operativo complexo e iminente; imposto principalmente pela penetração abrupta e consistente de fontes renováveis, os chamados seguidores (ou grid following). 

Um dispositivo grid following, como por exemplo, inversores fotovoltaicos ou turbinas eólicas, depende da rede elétrica formada para determinar a operação e que pela própria característica da sua conversão de energia (sazonal, intermitente e sem inércia suficiente), tais fontes não podem formar a rede por si só, em termos de tensão e frequência; e dependem de uma rede preexistente com uma referência de tensão e frequência para funcionar corretamente. Em outras palavras, não participam da sincronização do sistema elétrico, não contribuindo para o controle de frequência.

Como precisam desta referência, o que se cria, portanto, é uma dependência da rede para o acoplamento (em paralelismo permanente), com duas características fundamentais (i) Controle de Corrente: Ao invés de controlar a frequência e a tensão, dispositivos grid following geralmente controlam a corrente injetada na rede, ajustando-se à frequência e tensão existentes; e (ii) Ausência de Inércia Intrínseca: Fontes conectadas à rede por meio de inversores não possuem inércia mecânica, como os geradores síncronos. Esses inversores grid following não fornecem uma resposta inercial às flutuações de frequência, o que pode ser um desafio para a estabilidade da rede.

Portanto, o esforço na integração dos recursos energéticos distribuídos, contribuindo para o controle de frequência do sistema tem foco no desenvolvimento aplicado da eletrônica de potência e a associação com baterias grid-forming inverters (inversores formadores de rede). Para que isso seja possível, algumas técnicas são empregadas, como:

  1. Controle de potência virtual síncrona (VSG – Virtual Synchronous Generator): Este controle permite que o inversor imite o comportamento de um gerador síncrono tradicional, adicionando uma “inércia virtual” ao sistema, auxiliando no controle da frequência.
  2. Controle de corrente e tensão ativa: O inversor pode ser configurado para controlar diretamente a tensão e a corrente na rede, respondendo a variações de carga de forma rápida e contribuindo para o suporte da rede elétrica, especialmente em momentos de perturbações.
  3. Armazenamento de energia: A combinação de geração renovável com sistemas de armazenamento (como baterias) pode ajudar a compensar a intermitência dessas fontes e fornecer respostas rápidas para flutuações de frequência.

Todas essas rotas tecnológicas visam tornar a convivência entre as diversas fontes de geração de energia sustentável do ponto de vista econômico e operacional, viabilizando a penetração inevitável de fontes intermitentes no sistema elétrico, mantendo a estabilidade e confiabilidade da rede. 

 1 Sistemas de Potência ou Sistemas de Energia Elétrica são compostos por complexos equipamentos e instalações, distribuídos ao longo de extensas regiões geográficas, os quais tem por objetivo a produção, transmissão e distribuição de energia elétrica. A cadeia de processos envolvida em um sistema de potência tem por premissa, em linhas gerais, que os consumidores tenham acesso à energia elétrica, ao mínimo custo possível, e que critérios de qualidade de serviço e de produto sejam atendidos. https://ppgeel.posgrad.ufsc.br/areas-de-conhecimento/processamento-de-energia/sistemas-de-energia-eletrica/ 

2 https://www.gov.br/aneel/pt-br/assuntos/noticias/2023/aneel-divulga-os-resultados-do-desempenho-das-distribuidoras-na-continuidade-do-fornecimento-de-energia-eletrica-em-2022

3   https://www.ons.org.br/paginas/sobre-o-sin/o-que-e-o-sin

4 A inércia se refere à capacidade das massas rotativas, principalmente o rotor do gerador e as partes móveis da turbina, de armazenar energia cinética devido ao seu movimento rotacional. Em um sistema de potência, essa energia cinética age como um “amortecedor”, ajudando a estabilizar as variações de frequência durante mudanças súbitas na demanda de energia ou perturbações na rede.

Sobre o autor:

Frederico Carbonera Boschin é Diretor Executivo da Noale Energia e Sócio da Ferrari Boschin Advogados. Conselheiro da ABGD; Conselheiro Fiscal do Sindienergia RS e Professor do Curso de MBA da PUC/RS, UCS/RS e PUC/MG.

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