Queimadas no Brasil: o que podemos aprender com o mundo?

No momento em que escrevo este artigo, São Paulo atravessa o terceiro dia consecutivo como a metrópole com a pior qualidade do ar do mundo. Em agosto de 2024, o Brasil registrou o maior número de queimadas em 14 anos. Nos sete primeiros meses de 2024, mais de 5 milhões e 700 mil hectares foram queimados, um aumento de 92% em relação a 2023. As queimadas na Amazônia alcançaram o nível mais alto para o período em quase duas décadas. Nesse ritmo, corremos o risco de perder o Pantanal até 2070.

Certamente, as queimadas não poupam ninguém, e uma das consequências mais imediatas deste fenômeno para o setor elétrico é a interrupção no fornecimento de energia. Segundo o Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS), a fuligem e a fumaça dos incêndios são responsáveis por uma parcela significativa dos apagões no Brasil, ficando atrás apenas de condições meteorológicas adversas. 

Enquanto o Brasil adota estratégias para lidar com as consequências imediatas desses desastres ambientais, outros países, como os Estados Unidos, vão além e já têm se preparado preventivamente para lidar com a questão. A comissão de serviços públicos da Califórnia aprovou recentemente um programa que exige que as concessionárias submetam planos para o enterramento de suas redes ao gabinete de segurança de infraestrutura energética do estado. A proposta visa não apenas mitigar os riscos de incêndios florestais, mas também reduzir os custos de implementação em projetos dessa natureza, com o ganho de escala.

Nesta direção, a Pacific Gas and Electric Company (PG&E) iniciou em 2021 um projeto ambicioso para enterrar 10 mil milhas de cabos em condados da Califórnia. O objetivo é aumentar a resiliência das linhas de transmissão e distribuição elétrica em áreas de alto risco de incêndio. 

Entretanto, quando o enterramento de cabos não é viável — seja por questões de custo ou por limitações técnicas —, novas abordagens são necessárias. Um projeto piloto da concessionária no Condado de San Mateo, Califórnia, adotou a instalação de cabos ao nível do solo no circuito Woodside 1101, através de um sistema inovador chamado Ground-Level Distribution System (GLDS).

O GLDS utiliza bandejas de polímero moldadas que mantêm os conduítes dos cabos fixos enquanto o concreto geopolimérico, especialmente desenvolvido para este fim, é aplicado. Esses materiais são não metálicos, e são retardantes de chamas, garantindo proteção contra eventos como incêndios florestais, além de oferecerem resistência contra danos mecânicos, o que é crucial para um sistema instalado na superfície do solo.

As experiências de outros países, como os Estados Unidos, mostram que existem caminhos possíveis para mitigar esses impactos. O enterramento de cabos, embora custoso, tem se mostrado eficaz em regiões de alto risco. E quando essa alternativa não é viável, soluções inovadoras, como o GLDS, podem ser adaptadas ao contexto brasileiro.

O Brasil tem um longo caminho a percorrer para proteger suas florestas e, simultaneamente, garantir a segurança do seu sistema elétrico. A inovação tecnológica e as políticas públicas de longo prazo devem andar de mãos dadas. Aprender com os erros e acertos de outras nações é essencial para que possamos construir uma infraestrutura mais resiliente e sustentável, capaz de resistir aos desafios climáticos e ambientais, que só tendem a se intensificar.

Sobre o autor:

Daniel Bento é engenheiro eletricista. Membro do Cigré, onde representa o Brasil em dois grupos de trabalho sobre cabos isolados. É diretor executivo da Baur do Brasil | www.baurbrasil.com.br

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