ONS, ANEEL, CCEE, EPE e Anatel defenderam a readequação das redes de eletricidade no país durante o Fórum Latino-Americano de Smartgrid

Painelistas querem sistema que comporte novos agentes na operação das usinas de geração distribuída, a universalização de medidores inteligentes e um trabalho a quatro mãos entre players de energia e de telecomunicações

ONS, ANEEL, CCEE, EPE e Anatel estão particularmente alinhados quando o tema é a modernização e readequação das redes de eletricidade no país. E deixaram essa convergência de posições clara durante o primeiro painel do Fórum Latino-Americano de Smartgrid, que teve início ontem (28/10), em São Paulo. Elas passam pelo consenso sobre a necessidade de um sistema que comporte novos agentes na operação das usinas de geração distribuída, a universalização de medidores inteligentes e um trabalho a quatro mãos entre players de energia e de telecomunicações.

Não faltam bons motivos para que todos almejem investimentos e novos modelos para o sistema elétrico. Segundo Thiago Ivanoski Teixeira, diretor de Estudos Econômico-Energéticos e Ambientais, Empresa de Pesquisa Energética (EPE), o Brasil é um país cuja oferta total de eletricidade chegou a 723,2 TWh em 2023, dos quais 49,1% provenientes de fontes renováveis, e um incremento anual na casa dos 3% a 4%.

Gap para países desenvolvidos

Hoje sobram desafios para o sistema elétrico, que tem uma rede de transmissão de 171 mil quilômetros. Para Ivanoski Teixeira, planos para a sua readequação devem levar em conta o atual baixo consumo de eletricidade do brasileiro, em relação aos consumidores de países desenvolvidos, o qual, naturalmente deverá crescer, bem como a enorme disparidade em os 10% mais pobres da população que ainda consomem 370 KWh/ano, versus os 10% mais ricos, que demandam 2.221 KWh/ano.

Para Alexandre Nunes Zucarato, Diretor de Planejamento, do Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS), um dos problemas é de ordem técnica. O país teve cem anos de tecnologia para hidrelétricas e, agora, com a entrada de fontes eólica e solar, depara-se com o desafio de gerenciar as energias de fontes assíncronas. Pior, ou melhor: o Brasil já conta com 1 GW de energia solar sobre “os telhadinhos” entrando no sistema todos os meses. “Um telhado com solar, não é um problema para a ONS. Mas se temos 30 GW, aí começa a complicar”, admitiu o diretor. “Esta é uma carga que não conseguimos enxergar.”

Segundo Zucarato o jogo da operação de energia mudou. “Hoje sobra energia. Há mais energia sendo produzida do que carga no sistema. A nossa escassez, agora, é em potência. Vemos 3 GW de requisito de potência ao ano”, resumiu

De acordo com o dirigente, é preciso uma competência nova, ou seja, a capacidade de se fazer o balanço entre carga e geração no sistema com as novas fontes renováveis. “Em um dia típico de geração solar”, informou, “dá-se o que chamamos de uma ‘curva de pato’ de 30 GW entre 13h e 19h. E isto dobrará para 60 GW nos próximos anos”, disse referindo-se às oscilações de carga na rede.

“Estamos diante de um desafio assustador. Mas que também trazem oportunidades para o ecossistema, já que a ONS não foi criada para gerenciar a geração na casa de um milhão de usinas”. Por isso mesmo, na sua visão, caberá às distribuidoras de energia elétrica um novo papel para o qual também deverão ser remuneradas: a gestão dos recursos descentralizados no Sistema Interligado Nacional (SIN).

A nova arquitetura de gestão da operação desses recursos é algo que, segundo o diretor, já está sendo discutido agora por entes como o Ministério de Minas e Energia (MME), o ONS e a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel). Para o representante da ONS, como as distribuidoras já são incumbentes da gestão de rede, essas seriam naturalmente as mais próximas de assumirem a atividade, serviço pelo qual, caso de fato vejam a assumir, será remunerado. 

“A ideia é criar uma estrutura de um sistema em cascata, a partir do ONS, com uma rede de operadores de geração distribuída para dar conta dessa operação. Naturalmente, as distribuidoras são incumbentes desse papel, mas pode haver operadores de plantas virtuais, como agregadores, que o ONS vê como se fosse uma usina. E esse serviço vai ter de ser remunerado, como um serviço de operação”, disse Zucarato. 

Medidores para um mercado livre

A Câmara de Comercialização de Energia Elétrica (CCEE) vê a expansão da abertura do mercado livre como mais um fator que determinará a necessidade de melhorias no sistema de rede. “Queremos ser em 2030 uma referência mundial em mercado de energia. Estamos buscando uma reestruturação levando em conta a satisfação dos clientes, investimento em tecnologia, adesão de novos agentes, gestão de contratos, entre outras diretrizes”, afirmou Dalmir Capetta, Gerente de Engenharia e Operação de Medição da CCEE.

Segundo o executivo da CCEE, a Câmara dispõe hoje de mais de setenta mil pontos de medição espalhados por todo o território nacional, os quais são objetos da gestão. Eles captam dados comerciais que podem ser base para se chegar a informações de mercado, como a contabilização transferência automática. Para ele, é nesse cenário que os medidores se tornam cruciais. “Por meio deles queremos fazer a contabilização das diferenças”, explicou.

Outras inovações na Câmara passarão, segundo Capetta, por contas setoriais, integração de sistemas legados e próprios, energias das localidades isoladas, ligações internacionais. Tudo de olho em 2026, quando a base de consumidores da CCEE sairá das milhares de unidades para os milhões.

Para o executivo da Câmara, os sistemas de medição de unidades de consumidores precisam estar preparados para buscar tarifas diferenciadas nos horários de ponta, por exemplo. Serão 90 milhões de consumidores da baixa tensão”, informou. Atualmente, conta, Capetta, 85% das unidades na base da CCEE estão em telemetria. “Vamos ter de expandir isso o consumidor final, garantindo uma coleta diária de dados”, afirmou.

A convergência entre telecomunicações e energia é outro tema que aponta para o futuro do sistema elétrico, segundo Vinicius de Oliveira Caram Guimarães, Superintendente de Outorga e Recursos à Prestação, da Agência Nacional das Telecomunicações (Anatel). À frente de trezentos e quarenta e cinco milhões de contratos de telecomunicações e 35 milhões de usuários conectados com as redes 5G em quase mil cidades, ele contou estar trabalhando, buscando sinergias de telecomunicações com energia. “Não vejo como as duas áreas não se casarem”, disse. E deu como exemplo o fato de operadoras cobrarem R$ 2,50 por mês para instalar medição inteligente em cada ponto. “Acreditamos que pode ser por menos que R$ 0,50. E termos o mesmo medidor para obter dados sobre eletricidade, água e gás”, defendeu.

De acordo com Caram Guimarães, a Anatel segrega de seu espectro um espaço para as redes privativas, a exemplo do dedicado a ondas de 400 Mz. “Temos pedidos de diversas empresas para operar nessa frequência. É bom lembrar que uma única torre de telecom abrange milhares de residências. E temos 100 mil torres para comunicação via celular”, ressaltou.

O superintendente de outorga da Anatel, lembra que a Agência está buscando criar 5 grandes constelações, ou seja, conexões de IOT em banda estreita, via satélite. “Estamos garantindo espectro para que possamos ter redes dedicadas à medição. Em 2029 estaremos em todos os municípios. Queremos reservá-lo aos equipamentos para transferência digital do setor elétrico”. Ele também defendeu o uso de infraestrutura de energia elétrica para levar fibra ótica para todos os brasileiros.

Para Carlos Alberto Mattar, Superintendente de Regulação dos Serviços de Transmissão e Distribuição de Energia Elétrica (STD) da ANEEL, o desafio hoje é estar preparado para o aumento de carga que alguns setores trarão. Entre eles, datacenters, geração de hidrogênio e mais atividade de mineração.  

Outro paradigma são os 32 GW já gerados a partir da micro e minigeração. “Outros 9 GW de potência instalada são esperados pra micro e minigeração até o final do ano”, acrescentou. Na ANEEL também a maior frequência de efeitos climáticos extremos está em pauta. “Só este ano tivemos sérios episódios no Rio Grande do Sul, em São Paulo e no Rio de Janeiro. Temos que ter capacidade para atender rapidamente às novas necessidades”, enumerou. “Precisamos estar preparados para este cenário”, conclui.

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