Seguindo tendência global, mercado automotivo brasileiro avança na eletrificação da frota 

Por: Matheus de Paula

Crescimento lento da infraestrutura de recarga, associado ao alto custo e às limitações tecnológicas de armazenamento, são maiores entraves para o setor

Os carros elétricos têm ganhado cada vez mais espaço nas ruas, vias e avenidas ao redor do mundo.  Antes vistos como uma promessa distante e inapropriada, esse tipo de veículo acelera rumo a um cenário movido pela sustentabilidade. De acordo com a Agência Internacional de Energia (IEA), em 2035, metade dos veículos vendidos do planeta deverão ser elétricos. No Brasil, a revolução também avança: segundo a Associação Brasileira de Veículos Elétricos (ABVE), a meta de  vendas de 150 mil passou para 160 mil unidades ao ano, refletindo o entusiasmo do mercado e dos consumidores.

Dados da Secretaria Nacional de Trânsito (Senatran) apontam que o número de veículos elétricos e híbridos aumentou 787,5% no Brasil entre 2019 e 2023. A alta desse período de cinco anos foi de 32.798 para 291.089. A abertura para tecnologias inovadoras, investimentos de montadoras e importadoras, além da ampliação da infraestrutura de recarga, são iniciativas que favorecem o desenvolvimento do setor.

Um levantamento da Tupi Mobilidade, realizado em agosto de 2024, revelou que o Brasil já conta com 10.622 pontos de recarga públicos e semipúblicos. Destes, 89% são do tipo AC, de carga lenta (9.506), enquanto 11% são DC, de carga rápida (1.109), evidenciando a construção de uma rede de suporte essencial para o crescimento sustentável da eletromobilidade.

Para Ricardo Bastos, presidente da ABVE, o desenvolvimento da eletromobilidade no Brasil e a superação das metas podem ser atribuídos ao perfil do consumidor brasileiro, que sempre está apto a adotar novas tecnologias e inovações. 

Bastos destaca que as montadoras associadas à ABVE, assim como importadoras que estão se transformando em fabricantes locais, têm realizado investimentos significativos no país. “A abertura de novas fábricas, prevista já para o próximo ano, demonstra um apetite crescente dessas empresas. Isso demonstra a força de vendas, amplia a rede de concessionárias e consolida a presença no mercado”, observa.

Outro ponto crucial, segundo o presidente, é a evolução contínua da infraestrutura de recarga. “O avanço nessa área têm dado suporte ao crescimento do setor, aumentando a confiança do consumidor e criando condições mais favoráveis para a expansão da eletromobilidade no Brasil”, completa.

Descarbonização do setor de transportes 

Segundo o Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC), os meios de transportes geram cerca de 20% das emissões globais de GEE. No Brasil, o percentual é similar, de acordo com o Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA) este é um setor quase inteiramente dependente de combustíveis fósseis. A quantidade de emissões mais que dobrou desde a década de 70. E os veículos são responsáveis por cerca de 80% desse aumento.  

Para o presidente da ABVE, o Brasil precisa de maiores investimentos no setor e de políticas públicas. “Seria muito bom termos uma política governamental mais forte para a infraestrutura de eletromobilidade. Atualmente, existe o programa Mover, que apoia a produção de veículos e componentes no Brasil, inclusive carregadores, além de iniciativas como a participação do BNDES, que já atua no financiamento de ônibus, caminhões e até veículos de passeio e infraestrutura. Porém, há espaço para avanços”, afirma Bastos.

O programa Mover (Mobilidade Verde e Inovação) é uma iniciativa do Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços (MDIC), voltado para apoiar a descarbonização dos veículos brasileiros, o desenvolvimento tecnológico e a competitividade global. O projeto visa promover a expansão de investimentos em eficiência energética, incluir limites mínimos de reciclagem na fabricação dos veículos e cobrar menos imposto de quem polui menos, criando o IPI Verde. 

Além disso, o Mover dispõe de incentivo fiscal para que as empresas invistam em descarbonização e se enquadrem nos requisitos obrigatórios do programa. O incentivo será de R$3,5 bilhões em 2024, R$3,8 bilhões em 2025, R$3,9 bilhões em 2026, R$4 bilhões em 2027 e R$4,1 bilhões em 2028, valores que deverão ser convertidos em créditos financeiros. O programa visa alcançar, no final, mais de R$19 bilhões em créditos concedidos.

Desafios da infraestrutura 

Em 2024, a infraestrutura de recarga para veículos elétricos no Brasil registrou um crescimento expressivo de 179%, conforme levantamento da ABVE. Apesar desse avanço, o presidente da associação, Ricardo Bastos, destaca a necessidade urgente de expandir a rede de carregadores rápidos. 

“Esses equipamentos são caros e demandam uma infraestrutura robusta. Não basta termos poucos carregadores em um ponto; quando o usuário enfrenta filas, encontra equipamentos ocupados ou fora de operação, isso cria uma percepção negativa que desestimula a adesão aos veículos elétricos”, explica Bastos. 

O presidente enfatiza que o Brasil precisa avançar na implantação de instalações maiores e mais eficientes. “Precisamos de locais com 10, 20, até 100 carregadores funcionando plenamente. Isso exige investimentos significativos e uma política pública alinhada com o fornecimento de energia. Acredito que o governo já está sensível a essa questão, e espero que, no curto ou médio prazo, possamos ver uma estratégia mais estruturada para expandir a infraestrutura de recarga no país”, conclui.

Com mestrado em Energia para Sustentabilidade,  o engenheiro eletricista Jônatas Augusto Manzolli considera essencial a adoção de soluções inteligentes para lidar com a demanda de carregadores para carros elétricos. “Vamos ter que melhorar e deixar a nossa rede elétrica mais robusta, mas, ao mesmo tempo, precisamos de técnicas inteligentes para coordenar esse carregamento. Isso envolve otimização, IoT e conexão em tempo real com operadores remotos para monitorar as condições das frotas”, afirma. 

Com dimensões continentais, Marcelo Palla, Head de Recharge da GWM Brasil, acredita que a infraestrutura brasileira de recarga automotiva ainda precisa de um tempo de maturidade tecnológica e de mercado. “O Brasil avançou significativamente nos últimos dois anos, em termos de infraestrutura de recarga, impulsionado pela chegada de novas empresas do setor automotivo e pela expansão de companhias no ramo de mobilidade elétrica. Esse movimento tem acelerado o desenvolvimento de pontos de recarga, mas, de forma realista, ainda levará alguns anos para que o país alcance níveis de infraestrutura comparáveis aos de outros países da Europa e Estados Unidos. A expectativa é que o ritmo de expansão continue crescendo, embora o alcance em grande escala dependa de investimentos contínuos e da evolução do mercado de veículos elétricos no país”.

Desafios regionais

Outro desafio brasileiro é a universalização deste tipo de infraestrutura em regiões como o Norte e Nordeste. “Hoje, um terço de todo o licenciamento de veículos eletrificados, ou seja, híbridos e elétricos, está centralizado em São Paulo. Quando falamos do Nordeste ou do Norte, além das dificuldades técnicas, temos a questão da viabilidade econômica, explica Marcia Loureiro, diretora conselheira da  ABVE.

Nessas regiões, segundo a gestora, o desafio é ainda maior, uma vez que o investimento em infraestrutura de recarga envolve tanto o custo do equipamento quanto dos serviços, que já são valores significativos. “O tempo de retorno depende diretamente da taxa de utilização. Em São Paulo, com 10 a 20 recargas diárias, o investimento se paga rápido. Já em estados do Nordeste, onde a demanda pode ser de uma ou duas recargas por dia, o payback (retorno financeiro) pode chegar a 7, 10 ou até 12 anos. Isso gera incertezas e dificulta investimentos em regiões com menor número de veículos eletrificados”, avalia. 

Custo do Armazenamento

Para além da infraestrutura de carregamento, um dos maiores desafios para a indústria de carros elétricos mundiais é o alto custo e a eficiência das baterias empregadas nesses veículos. De acordo com o Escritório de Tecnologias Veiculares do Departamento de Energia (DOE), o custo médio de uma bateria de íons de lítio para veículos elétricos leves caiu 90% entre 2008 e 2023, quando se usa dólares constantes de 2023 para refletir o poder de compra (ajuste pela inflação).

Em 2023, o custo estimado de um quilowatt-hora (kWh) de capacidade utilizável da bateria é de aproximadamente US$139, enquanto que, em 2008, esse valor era de US$ 1.415/kWh. Essas estimativas baseiam-se em uma escala de produção de pelo menos 100.000 baterias por ano, destacando o impacto da produção em larga escala na redução de custos.

Esse movimento de queda nos preços deve continuar. Segundo um levantamento do Goldman Sachs, o preço médio global de um pacote de baterias deve cair ainda mais, alcançando US$ 82 por kWh até 2026, reforçando a tendência de maior acessibilidade e viabilidade econômica dos veículos elétricos.

Liderando o mercado brasileiro de veículos elétricos, a BYD, antenada às recentes demandas tecnológicas do mercado de baterias, desenvolveu a Blade, uma bateria que promete oferecer mais eficiência para o motorista. Segundo o Gerente de  Pesquisa & Desenvolvimento (P&D) da BYD Brasil, Rodrigo Garcia, graças ao desenvolvimento desse  modelo de bateria, “foi possível proporcionar o carregamento mais rápido dos carros (carga de 30% a  80% em apenas 30 minutos) e ter veículos com mais autonomia e potência”.

Após o primeiro ciclo de uso em veículos, a Blade pode ser reutilizada em aplicações estacionárias, como o armazenamento de energia para gerações sustentáveis intermitentes e até mesmo em infraestrutura de recarga.  A vida útil da bateria é estimada em pelo menos 30 anos, e, ao final desse período, pode ser reciclada.

Segundo a BYD, a montadora já evitou a emissão de 68,1 milhões de toneladas de carbono, o equivalente  ao carbono absorvido por 32 milhões de hectares de floresta

Além disso, a BYD, em parceria com a Tupinambá Energia, desenvolveu o aplicativo BYD Recharge, que conecta os motoristas a mais de 600 pontos de recarga em todo Brasil. A montadora também firmou um acordo com a Raízen Power para instalar 30 hubs de recarga elétrica da rede Shell Recharge em oito capitais brasileiras. Esses hubs serão abastecidos com energia 100% limpa e renovável. “A parceria com a Raízen não apenas oferece soluções de recarga eficientes, mas também promove o crescimento do mercado de veículos elétricos, fortalecendo a confiança dos consumidores em tecnologias verdes”, destaca Garcia. 

Eletrificação na Scania 

Seguindo a tendência global de eletrificação da frota, em outubro deste ano, a Scania apresentou ao mercado brasileiro seu primeiro caminhão 100% elétrico, o 30G. O modelo, importado da Suécia, possui autonomia de até 250 km com uma única carga, motor com potência de 310 cv e torque de 1.150 Nm, e promete carregamento rápido de 50 minutos. 

As baterias do 30G são do tipo lítio-níquel-manganês-cobalto (NMC), tecnologia que oferece maior densidade energética, resultando em menor peso para o veículo para transporte de carga. Neste modelo, as baterias serão modulares, o que facilita a distribuição de carga pelo caminhão. De acordo com a montadora, os custos de manutenção do motor são semelhantes aos de combustão interna.

Marcelo Gallão, Diretor de Desenvolvimento de Negócios da Scania Operações Comerciais Brasil, destaca que o 30G é ideal para transportes entre centros de distribuição e grandes centros urbanos com raios de até 300 km. “Além de zero emissões, a redução de ruídos permite que esse caminhão seja usado para entrada em cidades em períodos noturnos sem incômodos à população. O 30G é uma excelente opção para operações hub to hub, atendendo tanto demandas urbanas quanto de distribuição dentro das cidades”, acrescenta.

De acordo com a presidente e CEO da Scania Operações Comerciais Brasil, Simone Montagna, o lançamento do novo veículo reforça o compromisso da empresa com a sustentabilidade e a transição energética.  “Estamos seguindo mais um passo do nosso compromisso de liderar a transição para um sistema de transporte mais sustentável. O transportador brasileiro terá em suas mãos o mais amplo portfólio sustentável do mercado”, completa. 

Caminho sem volta

Para o doutor em engenharia elétrica e especialista em energia e meio ambiente, Danilo de Souza, a eletrificação da frota de veículos brasileiros é uma realidade que se mostra cada vez mais viável, dentre outras razões, pela matriz energética altamente renovável. “Um carro elétrico no Brasil é cinco vezes menos poluente do que na Europa, considerando o mesmo modelo de carro, porque, ao abastecer um carro elétrico com energia gerada a partir da nossa matriz energética, que é predominantemente composta por fontes renováveis como hidrelétricas, eólicas e solares, o impacto ambiental é muito menor. Já na Europa, o mix energético ainda conta com uma participação significativa de gás natural e, em alguns países, como a Polônia, de carvão”, afirma o especialista. 

De acordo com os dados do Ministério de Minas e Energia (MME), o Brasil alcançou  93,1% da geração de energia elétrica proveniente de fontes renováveis em 2023. As Hidrelétricas, fotovoltaicas e eólicas contribuíram para que a matriz elétrica do país continue entre as mais limpas do mundo. A geração totalizou 70.206 megawatts médios (MWm).

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