Normalmente, a coluna aborda os temas do setor de forma objetiva e sempre com o viés descritivo. No presente caso, o tema é conceitual e já abordado anteriormente: o desafio técnico da integração de fontes renováveis com elevada intermitência e sazonalidade.
Tecnicamente, o ano de 2025 nos apresenta um cenário cada vez mais problemático para essa dita integração das fontes renováveis (solar e eólica) em um sistema interligado que enfrenta problemas de gargalos em transmissão e distribuição, ainda presentes e persistentes.
Segundo o ONS, em 2029, teremos 250GW de capacidade instalada, sendo que serão 50GW em MMGD (Micro e Minigeração Distribuída); com um dado interessante, de 2024 até 2029, 80% da expansão da nossa capacidade instalada será por meio de MMGD.
De acordo com o arcabouço regulatório atual, os estudos de médio prazo do ONS incluem todas as instalações classificadas como “DIT de âmbito de distribuição”. No entanto, nos estudos de curto prazo e na operação em tempo real, apenas uma pequena parte dessas DIT, que pertencem à Rede de Operação, são consideradas. E é nesse nível de tensão (subtransmissão e distribuição) que a MMGD se conecta e interage no fluxo de potência.
A maior parte das DITs não atende aos critérios necessários para serem incluídas na Rede de Operação. A Rede de Operação é composta por toda a Rede Básica e pelas instalações da Rede Complementar, que são aquelas cujo desligamento afeta a otimização energética do SIN e/ou os parâmetros de avaliação do desempenho elétrico das instalações e dos equipamentos da Rede Básica, podendo levar a condições operativas fora dos critérios estabelecidos nos Procedimentos de Rede.
Desta forma, podemos dizer que a velocidade dos estudos do ONS, considerando critérios de avaliação das instalações, não acompanha a evolução tecnológica e expansão da MMGD, e isso afeta diretamente a operação do SIN. Não sabemos onde, nem como a MMGD afeta (ou pode afetar) a segurança do suprimento, pois não existem dados apurados e tratados em granularidade suficiente para o devido tratamento: técnico e comercial.
Esse descompasso cria uma inevitável distorção nos estudos indicativos de diagnóstico e proposição de reforços.
Além da operação, o ONS tem uma participação ativa no planejamento do SIN, principalmente na fase de diagnóstico da maioria das análises para o aumento de demanda na rede DIT. Quando é identificada uma limitação na rede, o Operador não tem a prerrogativa de sugerir qualquer solução, seja ela conjuntural (considerando que poucas instalações DIT fazem parte da Rede Complementar) ou estrutural, posto que o ONS apenas avalia Rede Básica (>230kV) nas suas proposições. Em outros termos, há um defeito na repartição de responsabilidades entre agentes do setor elétrico e a governança do setor.
A divisão de responsabilidades entre as entidades setoriais e os agentes do setor é ineficiente para recomendar soluções conjunturais ou estruturais que resolvam os problemas de esgotamento dessa rede em compasso com a evolução tecnológica do setor.
Redefinindo essas responsabilidades, será possível minimizar os “gargalos” na rede que impedem o crescimento das cargas conectadas nas DIT. É essencial tratar o tema das responsabilidades sobre as DIT entre os agentes e a governança do setor elétrico, focando na simetria entre o diagnóstico da rede e a recomendação de soluções.
Por exemplo: a parte da rede DIT que recebe a maior parte das solicitações de aumento de carga está esgotada (sudeste), devido à vasta malha de transmissão conectada a muitas subestações de fronteira da Rede Básica no coração do país, com níveis de tensão em 230 kV, 440 kV e 500 kV, suportando grandes montantes de carga.
O menor carregamento do sistema de transmissão durante o período diurno, resultado da geração solar massiva (via MMGD) resulta no deslocamento da geração de usinas que fornecem controle de potência reativa, resultando em desafios operacionais e comerciais para o SIN. Esse fenômeno tem o nome de “curva do pato” e tem íntima relação com o controle de tensão e frequência.
O deslocamento da geração de usinas de grande porte, baseadas em máquinas síncronas, para recursos de pequeno porte (MMGD), requer uma maior flexibilidade operacional, que atualmente é fornecida pela geração hidráulica.
Porém, existe sempre a necessidade de gerenciar as restrições e gargalos na rede de transmissão durante essa modulação da geração centralizada que além disso deve ser ajustada em função da MMGD; e como já dito, nos faltam dados em granularidade suficiente para fazer isso de maneira segura. Quando todos os recursos de controle de tensão são esgotados, é necessário desligar linhas de transmissão para manter a estabilidade do sistema.
Voltamos ao ponto inicial: problemas no planejamento da transmissão (curtailment) e distribuição se somam ao momento explosivo da MMGD (inversão de fluxo).
E nesse ponto, retomamos o tema da redefinição do papel das distribuidoras e aumentar a interação com o ONS. A introdução desse novo desafio para a operação em tempo real do SIN ressalta a necessidade de aprimorar o papel das distribuidoras para que atuem como Operadoras de Sistema de Distribuição (DSOs) e possam controlar o despacho da MMGD de forma coordenada com o ONS. Esse assunto já foi abordado aqui nessa coluna.
Desta forma, e por fim, com a expansão dos Recursos Energéticos Distribuídos (REDs) ou MMGD, é essencial preparar (técnica e comercialmente) as distribuidoras para assumirem seu papel futuro como Operadoras do Sistema de Distribuição (DSO). E para isso, é necessário estabelecer requisitos que garantam a controlabilidade adequada da MMGD, caso contrário, teremos mais cortes e desperdício de recursos e energia.
₁ O PLANO DA OPERAÇÃO ELÉTRICA DE MÉDIO PRAZO tem como objetivo avaliar o desempenho do SIN, no horizonte de 5 anos, para que a operação futura seja realizada com níveis de segurança adequados, em consonância com os critérios de confiabilidade estabelecidos no Submódulo 3.1 dos Procedimentos de Rede. O Plano tem como base os enfoques conjuntural e estruturante. Portanto, deve conter as indicações de obras necessárias para o adequado atendimento à demanda, à integração das novas usinas geradoras e ao pleno funcionamento do mercado de energia elétrica no horizonte de médio prazo. https://www.ons.org.br/paginas/energia-no-futuro/suprimento-eletrico
₂ Demais Instalações de Transmissão – DIT são instalações de transmissão que não integram a Rede Básica do Sistema Interligado Nacional (SIN).₃ O ERAC (Esquema Regional de Alívio de Carga) é um sistema especial de proteção utilizado pelo Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS) no Brasil. Ele tem como objetivo evitar desequilíbrios graves no Sistema Interligado Nacional (SIN) ao cortar automaticamente cargas pré-determinadas em caso de variações significativas na frequência do sistema. Quando há uma perda de grande quantidade de geração de energia, o ERAC desliga cargas de forma escalonada para estabilizar o sistema e permitir a recomposição das cargas. Isso ajuda a evitar um efeito cascata de desligamentos que poderia levar a um colapso do sistema de transmissão de energia.
Sobre o autor:
Frederico Boschin é Diretor Executivo da Noale Energia e Sócioda Ferrari Boschin Advogados. Conselheiro da ABGD; Conselheiro Fiscal do Sindienergia RS e Professor dos Cursos de MBA da PUC/RS e PUC/MG.