Longa dependência

Edição 78 – Julho de 2012

Por Beatriz Dias Bueno

Fundamental para o desenvolvimento econômico e social, a energia elétrica percorreu um tortuoso caminho até transformar-se em bem imprescindível

No final do século XIX “acordar com as galinhas” não era apenas uma figura de expressão. Ao contar somente com a luz proveniente de velas e lampiões de gás ou querosene, as pessoas tinham de sair cedo da cama para fazer o dia render e executar suas tarefas diárias antes de o sol ir embora.

 

É claro que o ritmo de vida era bem diferente, mais lento, calmo e sem atropelos. Mas ao lado do sossego e da calmaria também estavam a falta de conforto – sem chuveiros com água quente e geladeira para conservar os alimentos – e a sensação de falta de segurança.  Com a luz artificial e fraca dos lampiões instalados nos postes do centro de apenas algumas cidades, não era habitual sair durante a noite. Mas a situação estava prestes a mudar.

Apesar de atrasado em diversos aspectos, o Brasil foi um dos primeiros países do mundo a contar com a energia elétrica e suas comodidades. Dom Pedro II, um grande entusiasta dos avanços científicos, interessou-se pela nova fonte de energia e trouxe para cá o primeiro serviço de iluminação elétrica permanente do País.

Instalada em 1879, na então estação da Corte, hoje batizada de Estação Pedro II, na estrada de ferro Central do Brasil, no Rio de Janeiro, a nova iluminação contava com seis lâmpadas de arco voltaico, em substituição a 46 bicos de gás.

Dois anos depois, outro ponto da antiga Capital Federal foi privilegiado com a nova iluminação. A atual Praça da República, que naquela época era chamada de Campo da Aclamação, ganhava 16 lâmpadas alimentadas com um locomóvel de dois dínamos. Em 1883, Campos de Goytacazes foi a primeira cidade sul-americana a contar com uma usina termoelétrica a vapor e, consequentemente, a primeira a receber energia elétrica em toda sua extensão. O serviço foi inaugurado pelo imperador e o município localizado no litoral norte fluminense passou a contar com uma máquina térmica acionada por três dínamos e que era capaz de fornecer energia para 39 lâmpadas.

São Paulo também entrou no mapa da nova fonte de energia ao inaugurar a Companhia Paulista de Eletricidade, em 1888. Porém, os moradores da capital paulistana só puderam contar com a comodidade das lâmpadas elétricas em 1905, na Rua Barão de Itapetininga, com a São Paulo Tramway, Light and Power Company Ltd.

No ano seguinte, foi a vez do Estado de Minas marcar presença na história da eletrificação brasileira. Em 1889, foi inaugurada em Juiz de Fora, cidade com grande produção cafeeira, a primeira hidrelétrica nacional para uso público, a usina de Marmelos-Zero. Alimentada pelo rio Paraibuna, ela era formada por dois geradores monofásicos de 125 kW.

Outra cidade mineira também tomaria parte nos primórdios do processo de eletrificação nacional. Em 1894, três anos após sua inauguração, Belo Horizonte se tornaria a primeira capital brasileira totalmente coberta por iluminação elétrica. O avanço da economia cafeeira foi fundamental para a consolidação da eletricidade no Brasil, pois estimulou a construção de ferrovias, possibilitou a expansão urbana e incentivou o crescimento de atividades comerciais e industriais.

Para atender à demanda crescente por energia elétrica, impulsionada, em grande parte pelo setor cafeeiro e pelo movimento de urbanização, o poder público abriu concessões para que empresas estrangeiras se instalassem no País e explorassem os campos de geração e distribuição de energia. Assim, com o aprimoramento de técnicas para distribuir a energia gerada a longas distâncias, novas regiões do Brasil passaram a ser atendidas pela iluminação elétrica a partir da segunda década do século XX.

Com a disseminação do novo serviço e a imigração de trabalhadores europeus – que vieram atrás de trabalho nas lavouras de café e que, por terem experiência em linhas de produção, também foram aproveitados nos recentes parques fabris brasileiros –, a industrialização brasileira deu um grande salto.

Além da mão de obra especializada, até então inexistente, a Primeira Guerra Mundial (1919 – 1918) e a escassez de produtos manufaturados fizeram as empresas nacionais terem de suprir o consumo interno. O período da noite e da madrugada não era mais exclusivo para descansar. Os novos tempos pediam um novo ritmo de vida. E o novo ritmo de vida pedia por mais energia elétrica para atender as necessidades de uma população que não parava de aumentar. Para tanto, turnos noturnos foram implantados e novos horários de trabalho adotados.

Impulsionadas pela crescente industrialização, que atraiu um grande volume de pessoas para os principais centros em busca de trabalho e educação, as cidades sofreram inovações urbanísticas como prédios com elevadores, escadas rolantes, bondes elétricos, clubes, teatros e uma opção de lazer cada vez mais popular: o cinema.

A relação entre energia ofertada e consumida dava sinais de fragilidade. Para não prejudicar o desenvolvimento econômico alavancado, em boa parte, por companhias estrangeiras interessadas em instalar aqui suas linhas de produção, o governo brasileiro deu incentivos para que companhias de energia de outros países passassem a operar em solo nacional.

Com a nova política, em 1930, o país passou a contar com 891 usinas – 541 hidrelétricas, 337 térmicas e 13 mistas. Contudo, o crescimento da capacidade instalada observada entre 1940 e 1945 continuava insuficiente e novas medidas foram adotadas.

A nova política de geração, transmissão e distribuição de energia do governo federal ganharam vulto com a criação da Companhia Hidrelétrica de São Francisco (Chesf), responsável pela construção da usina de Paulo Afonso. Alguns anos depois, em 1952, organizaram-se as centrais de Minas Gerais (Cemig), com cinco empresas regionais mais subsidiárias.

Com o advento das Centrais Elétricas de Furnas, em 1957, o País ganhou as usinas de Porto Colômbia, Marimbondo, Estreito, Volta Grande e Água Vermelha.

A criação do Ministério de Minas e Energia deu-se em 1960 e, com ele, regulamentações mais específicas para gerir e explorar o potencial energético. A criação da Eletrobras ocorreu um ano depois e, em 1963, entrou em operação a usina de Furnas, que interligou os Estados de Minas Gerais, Rio de Janeiro e São Paulo.

Alguns anos depois, o governo federal promoveu a criação das Centrais Elétricas de São Paulo (Cespe), que passou a contar com as Centrais Elétricas de Rio Pardo (C

herp), as usinas de Paranapanema (Useipa) e as Centrais Elétricas de Urubupungá (Celusa).

Mas o grande salto em termos de autonomia energética só aconteceria com o advento de Itaipu, em 1982. Construída na fronteira entre o Brasil e o Paraguai, a barragem sobre o rio Paraná ainda é considerada a maior hidrelétrica em produção de energia limpa e renovável do planeta.

Segundo informações extraídas do site da instituição, no primeiro semestre deste ano, a produção acumulada foi de 50.105.855 megawatts-hora (MWh), 4,8% superior ao registrado no mesmo período de 2008, quando foi observado um recorde histórico. Porém, mesmo com o grande potencial energético e com a adoção de um novo modelo de gestão, em um passado recente, o País amargou grandes falhas na transmissão e na distribuição relembrando, sem muitas saudades, os blecautes sofridos entre as décadas de 1980 e 1990.

Em 10 de novembro de 2009 (veja mais detalhes a seguir), 18 Estados sofreram com a falta de energia. Ao todo, 60 milhões de pessoas conviveram com a total escuridão por um longo período de seis horas. O apagão também atingiu o Paraguai. Durante trinta minutos, 87% de seu território sofreu com a falta de eletricidade.

Dois anos depois, sete Estados da região Nordeste foram prejudicados por uma falha do sistema de proteção entre as usinas de Luiz Gonzaga, em Pernambuco, e de Sobradinho, na Bahia.

Já o professor da Politécnica da Universidade de São Paulo (USP), José Antonio Jardini, defende outro ponto de vista: “Não podemos confundir o blecaute de 2001 – quando houve uma falha em Ilha Solteira – com o racionamento de 2001. O governo do PT ganhou a eleição falando de falta de investimento, mas o contexto foi mais complexo, pois o governo estava transferindo as empresas para a iniciativa privada e não dispunha de mais recursos para investimento. Por esse motivo, optou por usinas térmicas a gás, usando o gás da Bolívia, que não saiu na hora certa devida à maxidesvalorização da moeda brasileira”, avalia.

Efeito dominó

Para abastecer um País com dimensões continentais com uma geografia diversa, funciona desde 1976, sob o comando do Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS), o Sistema Interligado Nacional (SIN).

Formado pelas empresas das regiões Sul, Sudeste, Centro-Oeste, Nordeste e parte da região Norte, o SIN funciona em quase em sua totalidade com energia nacional – apenas 3,4% da capacidade de produção de eletricidade do País está fora do sistema.

Entretanto, ao mesmo tempo em que esse dispositivo garante o fornecimento de energia a localidades remotas, ele oferece o risco de corte de energia decorrente de falhas de transmissão e de distribuição. Contudo, alguns especialistas, como o professor Jardini, defendem que o risco de futuros apagões ou blecautes de grandes proporções causados pelo “efeito dominó” é pequeno e que projetar um sistema para esse tipo de anormalidade implicaria grandes investimentos: “Em 1999, ocorreu um defeito na barra de Bauru e sete linhas saíram do ar simultaneamente. Em 2001, caiu um cabo da linha de Ilha Solteira, em Araraquara (SP), mas havia duas outras linhas fora de operação na área e um despacho fora do normal para abastecer o reservatório de Furnas. Em 2011, três linhas saíram simultaneamente do sistema de Itaipu. Apesar da grande repercussão, foram situações de grande anormalidade. E o sistema não foi projetado para prever esse tipo de fenômeno. Poderia ser? Sim. Mas o custo seria muito elevado”.

Ele ainda explica que as próximas usinas contarão com sistema de transmissão em corrente contínua, pois é mais barata para a distância envolvida e, por natureza, não transmite o “efeito dominó”.

O professor Pinguelli Rosa acredita que o uso inteligente de usinas eólicas e de termelétricas (em regiões que privilegiam esse tipo de exploração) em consonância com as hidrelétricas é um caminho válido para evitar possíveis colapsos: “Claro que não há nada perfeito e a disputa de grupos econômicos pode dificultar essas ações, mas trata-se de linhas alternativas descentralizadas, em que sua execução e exploração dependem de um planejamento político bem feito”, conclui.

Blecautes

O Brasil foi, ao longo da história da implantação da energia elétrica, acometido por algumas falhas técnicas que culminaram em “apagões” que causaram grandes transtornos à população. Confira um breve histórico dos blecautes ocorridos no passado recente:

18 de abril de 1984

Seis Estados e 12 milhões de pessoas foram atingidos pelo primeiro blecaute de grandes proporções no Brasil. Um incêndio em uma usina em Jaguará, em Minas Gerais, foi apontado como a causa do apagão.

17 de setembro de 1985

Primeiro grande apagão brasileiro, quando nove Estados das regiões Sudeste, Sul e
Centro-Oeste ficaram no escuro por três horas. Na época, o País tinha apenas 40 mil quilômetros de linhas de transmissão e muitas vezes as usinas produziam mais energia do que os cabos suportavam, levando a um congestionamento e consequente desligamento de linhas. A causa foi atribuída a uma falha na rede de distribuição devido ao excesso de carga na subestação de São Roque, interior paulista.

11 de março de 1999

Mais de 70 milhões de pessoas em dez Estados (Minas Gerais, São Paulo, Rio de Janeiro, Goiás, Mato Grosso, Paraná, Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Mato Grosso do Sul e Espírito Santo) e 100 mil no Paraguai foram afetadas. A causa apontada para o corte de energia que durou 12 horas foram descargas elétricas provenientes de raios que teriam atingido a subestação de Bauru (SP), porém, em 2007, técnicos do INPE apresentaram estudo que desmente a versão oficial e afirma que a chance de um raio ter ocasionado o problema é nula.

Na época, especialistas também apontaram a falta de investimento em equipamentos e tecnologia como a causa do blecaute. O Ministério de Minas e energia (MME) admitiu, na ocasião, que os níveis de segurança e manutenção da subestação estavam reduzidos. Foi a partir deste evento que surgiu a necessidade de um racionamento, que durou de junho de 2001 a março de 2002.

21 de janeiro de 2002

O apagão que atingiu dez Estados, entre eles São Paulo, Rio de Janeiro, Espírito Santo, Minas Gerais, Mato Grosso do Sul, Paraná e Rio Grande do Sul, além do Distrito Federal, por mais de quatro horas foi ocasionado por um parafuso colocado de forma incorreta em uma das junções que segurava as linhas de transmissão, levando ao desgaste que culminou no rompimento de um dos cabos da linha que levava energia para Araraquara (SP).

O problema chegou a interromper o funcionamento de 13 das 18 turbinas de Itaipu na época e foi agravado por uma falha do sistema d

e segurança, que também desligou a linha paralela, e pelo funcionamento inadequado de um sistema do ONS que deveria isolar o defeito, reduzindo o “efeito dominó”. Como se não bastasse, o gerador localizado na sede do ONS no Rio de Janeiro não funcionou, deixando o sistema elétrico fora de controle por alguns minutos. Meses depois, a Aneel multou a Companhia de Transmissão de Energia Elétrica Paulista (CTEEP) e o ONS.

29 de janeiro de 2002

O blecaute atingiu 432 cidades do Rio Grande do Sul por quase duas horas e foi causado por uma falha de comunicação da equipe responsável pela manutenção da subestação de Gravataí, pertencente à Companhia Estadual de Energia Elétrica (CEEE). O problema levou ao desligamento de todos os circuitos da subestação para Porto Alegre. A termelétrica de Uruguaiana, da AES Sul, ainda foi bloqueada durante a tentativa de restabelecer a energia desligando outras linhas de transmissão. De acordo com o ONS, cerca de 2.000 MW deixaram de ser fornecidos às 9h33, hora do apagão, resultando no corte de 60% do consumo do Estado.

7 de janeiro de 2005

A interrupção do fornecimento de energia ocorreu pela grave seca enfrentada principalmente pelas regiões Norte e Nordeste e que diminuiu os níveis dos reservatórios das hidrelétricas, atingindo três milhões de pessoas nos Estados do Rio de Janeiro e Espírito Santo por mais de uma hora.

26 de setembro de 2007

Apesar de as hidrelétricas estarem funcionando a todo vapor, novamente os Estados do Rio de Janeiro e Espírito Santo ficaram sem luz por um problema nas linhas de transmissão de Furnas. A rede CBS de televisão dos Estados Unidos levantou a hipótese de o corte ter sido causado por hackers, que teriam atacado o sistema de controle digital da rede de distribuição. Porém, a versão oficial brasileira descartou totalmente essa possibilidade e técnicos da área chegaram a acusar o governo e o ONS de falta de investimentos e mau gerenciamento da rede.

10 de novembro de 2009

Curtos-circuitos próximos à subestação de Itaberá, no Estado de São Paulo, fizeram três linhas de alta tensão do sistema de corrente alternada, que vinham da Usina Hidrelétrica de Itaipu, serem interrompidas. O problema atingiu diretamente o abastecimento da região Sudeste e Centro-Oeste, mas chegou a prejudicar muito mais gente. Ao todo, foram 18 Estados brasileiros sem energia, atingindo cerca de 60 milhões de pessoas, sendo que São Paulo, Rio de Janeiro e Espírito Santo ficaram completamente no escuro, tendo a energia completamente restabelecida no País depois de seis horas. O apagão também afetou o Paraguai que, por volta de 30 minutos, ficou com aproximadamente 87% de seu território sem eletricidade.

04 de fevereiro de 2011

Segundo o Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS), a causa do blecaute que atingiu oito Estados do Nordeste foi uma falha do sistema de proteção da Subestação Luiz Gonzaga, em Pernambuco, que ocasionou o desligamento imediato de todas as linhas de transmissão conectadas a ela. De acordo com o Ministério de Minas e Energia, o incidente aconteceu no momento em que havia uma linha desligada em caráter de urgência para manutenção, o que agravou a situação. Foram afetados os Estados da Bahia, Paraíba, Sergipe, Alagoas, Pernambuco, Rio Grande do Norte e Ceará.

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