Edição 80 – Setembro de 2012
Por Alex Ricciardi
Há longos anos, uma questão tira o sono de consumidores de eletricidade no Brasil, especialmente dos eletrointensivos: por que a eletricidade no Brasil é tão cara, já que sua matriz elétrica é fundamentalmente hidrelétrica, a menos dispendiosa de todas as fontes? Qual a explicação para o histórico de cobranças tão elevadas para o bolso do brasileiro?
Os altos preços da eletricidade geram danos ao País que vão muito além das elevadas contas que chegam todos os meses às casas de milhões de brasileiros e lhes tiram o bom humor. O maior mal causado pelas altas tarifas de eletricidade, no entanto, é de fato sentido pelas indústrias do País, já que investimentos deixam de ser feitos, projetos de fábricas não saem do papel, obras de infraestrutura têm uma parcela desproporcional de seus custos alocados na rubrica energia, empresas do setor de serviços – como lojas de departamentos ou supermercados – operam com menos funcionários do que o ideal para poderem manter as luzes de seus corredores e seus freezers funcionando são alguns dos efeitos colaterais indiretos das altas tarifas.
Alguns dados e números comprovam o atestado de energia custosa:
- Recente pesquisa realizada pela Federação das Indústrias do Estado do Rio de Janeiro (Firjan) apontou que, dentro de um universo de 27 países industrializados, o custo da eletricidade para as empresas no Brasil é o 4º maior do planeta. Apenas Itália, Turquia e República Tcheca, nesta ordem, cobram mais caro pela energia do que o País. Em média, os 27 países em questão têm uma tarifa de eletricidade de R$ 215,50 por MWh — ao passo que, no Brasil, a tarifa é de cerca de R$ 329 por MWh. O mais surpreendente é que as duas nações que desfrutam do custo de energia mais baixo dentre as pesquisadas no estudo são justamente nossas vizinhas Argentina (R$ 88,10/MWh) e Paraguai (R$ 84,4/MWh). Como se explica então que tantos países, às vezes com condições naturais semelhantes e com o uso de fontes mais dispendiosas, cobrem menos pela eletricidade?
- A infraestrutura brasileira é um dos setores mais penalizados pelo preço da eletricidade que aqui se pratica. Do custo total de cada casa erguida, por exemplo, pelo programa do governo federal “Minha Casa, Minha Vida” (ou para a abertura de uma estrada, ou construção de uma rede de saneamento básico), a estimativa é que 16% dos gastos com insumos correspondam a energia elétrica.
- De acordo com um estudo da Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas (Fipe), a eliminação de somente quatro dos (muitos) encargos que incidem sobre a energia no Brasil levaria o Produto Interno Bruto (PIB) nacional a ser 5,7% maior em um período de aproximadamente dez anos do que seria sem tal eliminação.
E, finalmente, o consenso de todos os especialistas ouvidos por esta reportagem, que não hesitam em apontar os tributos como os grandes vilões da conta de luz.
Na lanterna dos Brics
Se a intenção é falar acerca dos tributos que recaem sobre a energia no Brasil, vale a pena consultar a respeito o presidente da Associação Nacional dos Consumidores de Energia (Anace), Carlos Faria. Ele traz alguns dados reveladores a respeito. Segundo ele, o preço final da eletricidade no Brasil traz embutido 23 diferentes impostos e mais 13 encargos. “Infelizmente, é muito fácil cobrar imposto sobre energia. “Basta adicioná-lo à conta que chega aos consumidores residenciais e às empresas. Ficam todos sem opção: ou paga-se a fatura – e, com ela, todos os tributos que a mesma contém – ou fica-se sem eletricidade. É simples assim”, avalia.
Faria reforça sua argumentação elencando algumas desvantagens para o País que um montante de impostos tão expressivo no setor acarreta: “O preço da energia no Brasil hoje está 53% acima da média mundial. E o pior é que esta discrepância é ainda mais acentuada quando olhamos o caso específico dos países em desenvolvimento, nossos concorrentes diretos no comércio global”. Ele está se referindo, neste caso, aos países do Brics (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul), foco de atenção de todo o restante do planeta. A eletricidade no Brasil custa nada menos que 134% acima da média do que é cobrado nestes países.
Para se ter uma ideia, na Índia, o preço do megawatt/hora é de R$ 188; na China, este mesmo preço cai para R$ 142; e, na Rússia, o megawatt/hora custa apenas R$ 91. O custo da energia no Brasil, vale lembrar, é de R$ 329 o megawatt/hora. “Deste jeito, como vamos conseguir competir com a China – que coloca no mercado seus produtos feitos de alumínio, por exemplo, a um preço que é uma fração do nosso – se o custo da eletricidade lá é tão mais baixo?”, questiona ele. O alumínio, é importante frisar, é um dos itens industriais que mais demanda energia para ser produzido. É frequente que siderúrgicas que o fazem movam-se de um País para outro, sempre atrás de preços menores de eletricidade que sustentem sua atividade no local.
Fonte: Firjan a partir de dados da Aneel e da AIE (2011).
Fonte: Firjan a partir de dados da Aneel e da AIE (2011).
Outros culpados
Mas então a culpa por tal cenário é apenas dos impostos e encargos? Não somente, mas é principalmente. É o que pontua Ricardo Savoia, gerente do Núcleo de Regulação e Tarifas da Andrade & Canellas, consultoria especializada no setor energético. “O grande problema no Brasil é que, do valor a ser pago de tarifa de energia elétrica, cerca de 49% refere-se a tributos. Quanto à geração e transmissão, estas são reguladas por um preço-teto de venda em leilões e pela tarifa do menor preço, sendo transmissão e distribuição reguladas também por incentivos. Esses fatores contribuem para a modicidade tarifária”, observa Savoia. Ele informa que, dentro da mesma linha de pensamento, “o vilão na formação da tarifa de energia elétrica a ser paga no Brasil, em especial no caso do consumidor final, são mesmo tributos e encargos.
Apenas como comparação, o Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) médio na
conta do consumidor residencial brasileiro é de 25%, alíquota similar à de bens supérfluos como armas de fogo e perfumes. Sendo assim, o ICMS seria um dos elementos que de imediato deveriam ser reduzidos se quisermos tarifas mais aceitáveis para este insumo”, sugere o consultor.
Mas estes demais fatores citados, como os custos de geração e transmissão de energia elétrica no Brasil, também não têm sua parcela de culpa pelo alto preço que indústria e consumidores pagam por tal insumo? Carlos Faria, da Anace, pondera que sim, mas só até certo ponto: “Eu digo que nosso GTD, como são conhecidos no meio os gastos com geração, transmissão e distribuição de eletricidade, também é alto – o que por sinal não se justifica, dado que nossa matriz é a hidroeletricidade, que é tradicionalmente barata. Mas o principal problema são mesmo os tributos”.
Atualmente, do total da energia produzida e/ou vendida no Brasil, cerca de 70% provém de usinas hidroelétricas. Esta porcentagem deve cair para algo em torno de 63% nos próximos dez anos. No entanto, o recuo da hidroeletricidade no País será compensado por um avanço da energia gerada a partir da biomassa (com destaque especial para o bagaço de cana-de-açúcar), pela energia eólica e pela solar fotovoltaica. Ao final, as fontes renováveis continuarão respondendo por cerca de 80% da matriz energética brasileira, tal como ocorre nos dias de hoje.
Sopa de letras
O emaranhado de impostos que aflige o setor energético nacional é povoado por siglas tais como CCC (Conta de Consumo de Combustíveis), que serve para financiar o gasto com a queima de óleo diesel nas termoelétricas que alimentam sistemas isolados na região Norte do País; a TFSEE (Taxa de Fiscalização de Serviços de Energia Elétrica), que é responsável pelo financiamento da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel); o ESS (Encargos de Serviços do Sistema), voltado para aumentar a confiabilidade e a segurança da oferta de energia no País; e o Proinfa (Programa de Incentivo às Fontes Alternativas de Energia), dedicado ao incentivo à geração de energia a partir de fontes alternativas, como eólica, biomassa e Pequenas Centrais Hidrelétricas (PCHs). Com tantas atribuições sendo jogadas nas costas do setor energético brasileiro, não admira que se veja sobrecarregado. A partir de 2013, no entanto, vários destes encargos deixarão de existir ou serão diminuídos, devido à medida neste sentido anunciada em setembro pela presidente Dilma Rousseff.
Uma maneira de tentar obter eletricidade um pouco menos cara é a compra deste insumo no chamado mercado livre por grandes consumidores (aqueles que usam acima de 3 MW). A este respeito o presidente do Conselho de Administração da Câmara de Comercialização de Energia Elétrica (CCEE), Luiz Eduardo Barata, esclarece: “A principal motivação para a migração de um consumidor do Ambiente de Contratação Regulada (ACR) para o Ambiente de Contratação Livre (ACL) é a possibilidade de uma economia direta nos seus custos com a conta de energia elétrica. Ou seja, em linhas gerais, sabe-se que qualquer consumidor, além dos encargos setoriais, está sujeito ao pagamento pelo uso das redes da transmissora/distribuidora, independentemente de ser atendido no ACR ou no ACL. Assim, em tese, a diferença deve dar-se essencialmente no preço da energia adquirida em cada um destes ambientes”.
“Por esta razão”, continua ele, “é importante compreender a dinâmica do comportamento do preço dos contratos no ACL e sua relação com o prazo dos contratos negociados neste ambiente. Os preços dos contratos de curto prazo negociados no ACL são fortemente influenciados pelo comportamento do Preço de Liquidação das Diferenças (PLD), que por sua vez é diretamente influenciado pela conjuntura hidrológica do sistema. Os preços dos contratos de longo prazo negociados no ACL são determinados predominantemente pela expectativa de tarifa do mercado regulado, uma vez que se o consumidor verificar uma condição desfavorável de preço no ACL pode optar pelo retorno ao ambiente regulado – desde que, é claro, respeite os prazos estabelecidos na própria regulamentação”.
Mas, então, é só o preço da energia que motiva grandes consumidores a migrarem para o mercado aberto? “Não”, responde Barata. “Além do preço, mais dois fatores são importantes na decisão da migração para o ACL: a previsibilidade em relação ao preço a ser cobrado pela eletricidade – com índices de correção predefinidos – e a possibilidade de negociação de produtos customizados. Este diferencial possibilita ao consumidor escolher, dentre os diversos tipos de contratos praticados pelo mercado, aquele que melhor atende às suas expectativas e que apresenta a mais favorável relação
custo-benefício, capturando oportunidades no ambiente competitivo”. Também a este respeito Ricardo Savoia, da consultoria Andrade & Canellas, pontua: “O grande consumidor pode ganhar em preço ao comprar energia no mercado livre. Em média, o ganho nesse mercado gira em torno de 15% – isto antes das últimas medidas adotadas pelo governo”.
O problema das usinas a fio d’água
A energia no Brasil nem sempre foi tão cara como é hoje. Na verdade, durante décadas passadas este insumo não representava uma parte tão grande dos custos das indústrias em particular. Foram mudanças no modelo de gestão de setor somadas à cascata de tributos que foram sendo agregados com o tempo às tarifas que tornaram a eletricidade tão dispendiosa no País. Houve, portanto, uma decisão política do governo brasileiro de se financiar a expansão da infraestrutura nacional para o setor via impostos na conta de luz de todos os brasileiros — e o resultado é uma tarifa que se tornou hoje uma das mais caras do mundo.
É bem verdade que, como já foi dito, pode-se esperar um alívio neste item no bolso de consumidores e empresas a partir do ano que vem por conta do pacote para o setor da presidente Dilma Rousseff. Mas talvez tal efeito positivo acabe por ser anulado por conta de outras decisões e ações tomadas nos dias de hoje. Uma delas, acusa Carlos Faria, da Anace, é a construção de usinas hidroelétricas sem reservatórios – as chamadas usinas a fio d’água.
Elas são feitas com um objetivo nobre: evitar os danos ao meio ambiente que a construção de gigantescas barragens nos moldes da de Itaipu, situada na fronteira Brasil/Paraguai, geram. Também vêm pesando para tal opção os prejuízos que a construção de reservatórios costuma causar a populações ribeirinhas, as quais não raro são forçadas a deixarem para trás cidades inteiras por elas erguidas para dar lugar aos imensos lagos das usinas. Mas
há um problema básico com as hidroelétricas a fio d’água: elas não resistem a quedas na vazão dos rios que as alimentam. Se estes, por alguma razão, secam ou correm com menos água, simplesmente param de gerar energia ou geram bem menos que o normal. Quando isso acontece, a saída quase sempre é acionar as termoelétricas visando a suprir o que as fio d’água deixaram de fornecer. E as termoelétricas, como é sabido, produzem energia a um alto custo, tanto econômico quanto ambiental – sem contar que vivemos em uma época de preços significativamente elevados para o petróleo.
“Com certeza o Brasil se arrependerá amargamente, no longo prazo, de ter optado por construir usinas a fio d’água”, crava a respeito Faria. “Jirau, Belo Monte e Santo Antônio são hidroelétricas que estão sendo feitas, hoje, sem reservatórios. No futuro pagaremos a conta disso tendo de usar mais as termoelétricas, as quais são movidas a um insumo muito mais caro que a água – o petróleo – e ainda por cima poluem o meio ambiente como nenhuma outra matriz elétrica o faz”.
A situação pode melhorar, mas…
O futuro dos preços da energia no Brasil, por sinal, é um dado em aberto, ao menos no longo prazo. O que sobressai ao analisarmos esta questão é que, comparado aos demais países, além de possuirmos quantidade e alíquotas de tributos superiores às internacionais, os encargos setoriais existentes na conta de luz dos consumidores brasileiros afetam nossas tarifas. Na maioria dos outros países, os custos equivalentes aos nossos encargos são integralmente pagos pelo poder público. Quanto aos demais elementos, como a tarifa do uso do sistema de distribuição e os critérios para contratação de energia e formação dos preços de energia no mercado regulado, estes estão sendo efetivamente regulados – e de fato as reduções previstas para o terceiro ciclo de revisão tarifária, bem como os critérios adotados para renovação dos ativos de concessão do setor, vêm contribuindo de maneira efetiva para redução das tarifas de energia no Brasil.
Mas, afinal de contas, pode-se ou não ser otimista a respeito deste tema? “Como aspecto positivo, a nova estrutura de tarifas aprovada pela Aneel é um importante mecanismo para se buscar a modicidade tarifária no setor energético, alocar custos de forma mais eficiente e contribuir com a qualidade dos serviços prestados”, analisa Savoia, da Andrade & Canellas. “Em contrapartida, e como aspecto negativo, será introduzida na tarifa do consumidor final a questão das bandeiras tarifárias, por meio das quais os preços de energia poderão oscilar dependendo da variabilidade dos preços de curto prazo. Tal mudança transfere o impacto dos preços de curto prazo ao longo dos meses ao mercado regulado, que anteriormente só o sentia quando do momento de sua revisão/reajuste tarifário. O mesmo fica, assim, mais exposto às variações dos preços de curto prazo na formação de seu custo final”.
Como se pode ver, quando o assunto é o custo da energia no Brasil, uma boa dose de cautela faz bem até mesmo ao mais elétrico dos otimistas.