Proteção de terra em grandes sistemas industriais

sistemas industriais
Proteção de terra levando-se em conta o dimensionamento do resistor de neutro, a corrente de Charging e a corrente da blindagem em grandes sistemas industriais

 

Introdução

Atualmente, o tamanho dos sistemas elétricos industriais tem aumentado significativamente e muitas plantas possuem mais de duas fontes de alimentação (concessionária, turbogeradores, hidrogeradores, etc.). Adicionalmente o comprimento total de cabos também tem aumentado bastante. Este fator impacta em elevadas correntes de charging devido às capacitâncias próprias desses cabos e linhas.

Para que um sistema seja considerado aterrado, a somatória das correntes de charging do sistema tem que ser menor do que a soma das correntes de curta duração dos resistores de aterramento dos neutros das fontes. Assim, em projetos normais, o tamanho dos resistores de aterramento tem que ser aumentado para que o sistema não se comporte como um sistema não aterrado.

Ao ser aumentado o tamanho dos resistores dois grandes problemas entram em cena: (a) aumento da corrente de curto-circuito fase-terra e consequentemente a capacidade da blindagem suportar essas correntes elevadas de terra; e (b) a condição operacional das fontes.

Caso alguma fonte saia de operação por alguma razão (manutenção preventiva ou corretiva ou ainda por razões de processo), o sistema pode se tornar não aterrado.

Neste artigo é apresentada uma metodologia que mostra como tornar a condição operacional irrelevante através do uso de auto transformadores de aterramento zigue-zague.

 

Parâmetros de controle necessários

 

O dimensionamento do resistor do neutro das fontes é sempre uma tarefa a ser realizada pelo engenheiro de proteção, que tem que levar em conta o seguinte:

  • Corrente de curta duração do resistor (IR);
  • Corrente nominal de regime contínuo do resistor (IN);
  • Curva de dano da blindagem do cabo (I2t);
  • Da magnitude da corrente de charging do Sistema (3.Ico);
  • Tempo de eliminação da falta à terra (tempo da proteção + tempo interrupção).

 

Esses tópicos são os parâmetros de controle escolhidos para que se possa dimensionar o sistema de aterramento do neutro das fontes.

 

Corrente de curta duração do resistor

 

Caso a corrente de curta duração escolhida para o resistor seja muito alta, a corrente suportada pela blindagem do cabo pode ser excedida para o tempo de eliminação de falta do sistema. Caso seja reduzida demais a corrente de curta duração do resistor, o valor da corrente de charging (3.Ico) pode exceder o valor da corrente de curta-duração do resistor e o sistema poderá ter o comportamento de um sistema não aterrado.

Em um sistema aterrado por resistência, a corrente total de falta à terra é calculada como indicado na Figura 1.

protecao_terra_figura1
Figura 1 – Corrente de falta à terra total em um sistema aterrado por resistor.

 

 

 

 

 

 

 

 

Como pode ser observado na figura do slide anterior, para um sistema ser considerado aterrado, o ângulo phi deve ser igual ou menor que 45º.

Corrente de regime contínuo do resistor

 

O valor do pick-up da proteção de sobrecorrente de terra, por sua vez, não pode exceder a corrente nominal de regime contínuo (IN) do resistor. Assim, ao se especificar o resistor de aterramento deve-se solicitar uma corrente nominal de regime contínuo do resistor maior do pick-up da unidade de terra do IED.

Curva de dano da blindagem

 

O limite térmico de dano da blindagem pode ser calculado com base nas prescrições das normas ICEA-45.482 e IEC 60949 e se baseia na seguinte equação:

 

 

Em que:

ISC = Corrente de Curto-Circuito em [A];
S = Seção transversal da blindagem [mm2];
T = Tempo total de eliminação de falta [s];
K = Constante calculada pela equação anterior, para blindagens de cobre;
T1/T2 = Temperatura inicial e final em ºC. Veja tabela:

 

Isolação Condutor T1 [ºC] T2 [ºC] Fator K
EPR/XLPE 90º Copper 85 200 124.2
EPR/XLPE 105º Copper 100 200 115
PVC Copper 65 200 136.7

 

K é calculado pela equação para condutores de cobre:

 

 

 

 

 

O equilíbrio desses cinco parâmetros deve ser encontrado para se chegar no dimensionamento do resistor. Em certas condições específicas pode se chegar à necessidade de solicitar ao fabricante do cabo que aumente a seção transversal da blindagem do cabo. Seções transversais típicas de cabos de média tensão são da ordem de 6.16 mm2. Deve ser lembrado que a função principal da blindagem é promover a distribuição uniforme do campo elétrico dentro do cabo, porém, a blindagem deve suportar a corrente de falta até a interrupção da corrente de falta.

 

Corrente de charging do sistema

A corrente de charging do sistema deve ser calculada desde o nível da carga até o transformador que não deixa passar corrente de sequência zero. No Brasil, a maior parte dos transformadores é com conexão triângulo-estrela. Neste caso, deve-se calcular a corrente de charging em cada nível de tensão. No exemplo deste artigo, a corrente de charging está sendo calculada em 34,5 kV.

Para a determinação da corrente de charging do sistema, normalmente, os valores mais preponderantes correspondem às dos cabos e linhas. Os demais equipamentos apresentam valores menos significativos. As capacitâncias de cabos e linhas são determinadas a partir de catálogo dos fabricantes de cabo e da configuração das estruturas da linha. Para os demais equipamentos existem várias outras literaturas [01], [02], [03], [04] e [05].

 

Tempo total de eliminação da falta

O tempo total de eliminação da falta consiste do tempo da proteção adicionado ao tempo total de interrupção do dispositivo de manobra.

Integração das condições anteriores

Para um sistema aterrado por resistência bem protegido, três condições devem ser atendidas:

  1. O pick-up do relé de sobrecorrente de terra (Ipk-51G) deve ser menor do que a corrente nominal de regime contínuo do resistor. (Ipk-51G < IN);
  2. A soma das correntes dos resistores das fontes deve ser maior ou igual à somatória das correntes de charging do sistema:

 

 

3. O I2t da corrente de falta e do tempo de eliminação de falta deve ser menor ou igual ao I2t da blindagem do cabo.

 

 

 

 

 

 

 

Uma observação importante é que quando se tem mais de uma fonte aterrada por resistência, a corrente total de falta resistiva será aproximadamente a soma das correntes das resistências individuais dos resistores das fontes. A avaliação deve levar em conta o pior cenário (menor contribuição de corrente de curto-circuito) que irá ocorrer com a menor quantidade de fontes suprindo o sistema. Nesta situação, o valor de 3.Ico pode ser maior do que a somatória das correntes das fontes.

 

Exemplo de aplicação

No próximo exemplo ensina-se como resolver essa questão.

Exemplo usando auto transformador Zigue-Zague

Quando um sistema possui múltiplas fontes que podem operar em diferentes condições operacionais, todas essas condições operacionais devem atender aos requisitos apresentados anteriormente. Algumas vezes para que se possa ter as condições anteriores validadas, pode ser necessária a utilização de um auto transformador zigue-zague para limitar a corrente de falta, escolhendo-se um valor imediatamente superior ao valor da corrente de charging para esta limitação, em cada barra. A Figura seguinte ilustra a situação.

Figura 2 – Esquema unifilar de uma planta industrial.

 

Para o exemplo anterior, valem os valores seguintes:

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Ou seja, a falta fase-terra terá que ser eliminada, no máximo, em 617 ms.

 

Bibliografia

[01]     Proteção e Seletividade em Sistemas Elétricos Industriais, Claudio Mardegan, Atitude Editorial 2012 ISBN 978-85-65828-00-0;

[02]     IEEE Std C37.011-1979/1994, IEEE Application Guide for Transient Recovery Voltage for AC High-Voltage Circuit Breakers Rated on a Symmetrical Current Basis;

[03]     Charging Current Data for Guesswork-Free Design of High-Resistance Ground Systems, David S. Baker, IEEE Transactionson Industry Applications IA, Vol 15,  Mar/Apr 1979 , PG 136 A 140;

[04]     PRSC-4 “System Neutral Grounding and Ground Fault Protection” – Industrial and Commercial Power System Applications Series – Alacchi/Blackburn/Bonk/Courter/Furfari/Greenwood/Regotti/ McFadden Westinghouse;

[05]     High Resistance Grounded Power Systems – Why Not – Walter Bloomquist, Kenneth J Owen, Robert L Gooch – IEEE Transactions On Industry Applications-IA VOL IA-12 No.6 NOV/DEC 1976.

 

Por Cláudio Sérgio Mardegan, engenheiro eletricista com 41 anos de experiência em proteção e análise de sistema. É autor do livro A Proteção e a Seletividade em Sistemas Elétricos Industriais, palestrante no CINASE e membro sênior do IEEE (M´2012, S’2013). É chair de dois Capítulos do IEEE Std 3004 (antigo Buff Book ) e secretário do Capítulo 1 do IEEE Std 3003 (antigo Green Book). Autor de vários papers no IEEE, participa dos working groups do IEEE: Forensics, Data Center e Generator Grounding. Revisor de paper, Associated Editor e Technical Committee Paper Review Chair de Power System Engineering e CA (Committee Administrator de PSE – Power System Engineering) do IEEE. Instrutor de vários treinamentos de proteção. Atualmente, é ainda CEO da Engepower.

 

 

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