Na edição de julho/2020, abordamos algumas questões sobre o consumo de energia reativa e a geração distribuída (GD). O conteúdo pode ser recuperado no link:
Voltamos ao tema, pois em função da evolução das plantas de geração distribuída, especialmente as solares fotovoltaicas, surgiram diversos casos práticos que merecem atenção quanto ao entendimento da questão da compensação reativa em consumidores/produtores de energia. A temática pode ser estendida em outros cenários semelhantes a esses sistemas como os de armazenamento que poderão também “gerar” energia no sentido da carga para a fonte e mesmo em sistemas de geração eólica, biomassa ou combustíveis fósseis quando a fonte injeta energia com fator de potência próximo a 100%.
O comportamento relativo dos vetores que representam as potências ativa (P), reativa (Q) e aparente (S) nos quatro quadrantes define com clareza as situações associadas ao perfil de carga consumida e da GD conectada. Essas situações irão impactar no fator de potência horário do consumidor registrado pela distribuidora, na cobrança de excedentes de energia reativa e no modelo de sistema de compensação a ser implantado. As avaliações a seguir serão feitas apenas em 60Hz, conforme definição do FP no Módulo 8 do Prodist-Aneel (potência ativa e potência reativa em quadratura).
Os quatro quadrantes
A Figura 1 indica os quatro quadrantes (QI a QIV) que referenciam as posições dos vetores das potências. No caso ilustrado, as potências ativas e reativas estão no quadrante I, a potência gerada pela GD no quadrante Q II e a potência reativa injetada ou compensada por capacitores no quadrante Q IV. As resultantes variam de quadrante em função de suas composições.
P1 – Potência ativa da carga;
PG – Potência ativa injetada pela GD;
P2 – Potência ativa resultante;
Q1 – Potência reativa da carga;
Qinj – Potência reativa compensada por capacitores;
Q2 – Potência reativa resultante;
S1 – Potência aparente da carga na situação original (P1/Q1);
S2 – Potência aparente com injeção da GD;
S3 – Potência aparente com injeção de GD e compensação reativa;
Φ1 – Ângulo de fase da carga;
Φ2 – Ângulo de fase da composição carga e GD.
Como consequência das compensações variáveis das energias ativa (pela GD) e reativa (por capacitores), o ângulo de fase -ϕ em 60 Hz e o fator de potência assumirão valores conforme a dinâmica da carga, da energia injetada e do sistema de compensação reativa, se existente. Como as cargas e a energia injetada pela GD são normalmente variáveis, o sistema de compensação reativa também o deve ser e as resultantes vetoriais nos quatro quadrantes assumem valores em função dessa composição instantânea e são integradas a cada hora, conforme a Resolução 414, da Aneel, que prevê a tarifação do excedente de energia reativa abaixo reproduzidas de forma editada:
- Fator de potência: razão entre a energia elétrica ativa e a raiz quadrada da soma dos quadrados das energias elétricas ativa e reativa, consumidas em um mesmo período especificado;
- A integração das energias ativa e reativa são efetuadas em períodos de uma hora, portanto, de 720 a 730 intervalos por mês;
- O fator de potência de referência “fR”, indutivo ou capacitivo, tem como limite mínimo permitido para as unidades consumidoras do grupo A o valor de 0,92. (Recomendação dada pela REN Aneel 569 de 23.07.2013);
- Aos montantes de energia elétrica e demanda de potência reativa que excederem o limite permitido, aplicam-se as cobranças estabelecidas nos arts. 96 e 97, a serem adicionadas ao faturamento regular de unidades consumidoras do grupo A, incluídas aquelas que optarem por faturamento com aplicação da tarifa do grupo B nos termos do art. 100. (Redação dada pela REN Aneel 569 de 23.07.2013);
- Os valores correspondentes à energia elétrica e demanda de potências reativas excedentes são apurados conforme as seguintes equações:
Sendo as variáveis resumidamente definidas (ver texto completo na resolução 414 da Aneel, artigo 96):
- ERE = valor correspondente à energia reativa excedente;
- EEAMT = energia ativa medida em cada intervalo “T” de 1 (uma) hora, durante o período de faturamento;
- fR = 0,92;
- fT = fator de potência calculado em cada intervalo “T” de 1 (uma) hora;
- VRERE = tarifa aplicável para excedente de energia reativa;
- DRE(p) = valor da demanda de potência reativa excedente à quantidade permitida pelo fator de potência de referência “fR” no período de faturamento, em Reais (R$);”
- PAMT = demanda de potência ativa medida no intervalo de integralização de 1 (uma) hora “T”, durante o período de faturamento, em quilowatt (kW);
- “PAF(p) = demanda de potência ativa faturável, em cada posto tarifário “p” no período de faturamento, em quilowatt (kW);
- VRDRE = valor de referência, em Reais por quilowatt (R$/kW),
- T = indica intervalo de 1 (uma) hora, no período de faturamento;
- “p = indica posto tarifário ponta ou fora de ponta;
- n1 = número de intervalos de integralização “T” do período de faturamento para os postos tarifários ponta e fora de ponta; e
- n2 = número de intervalos de integralização “T”, por posto tarifário “p”, no período de faturamento.
Observando-se a Figura 1, as potências ativas P1, PG e P2 – esta resultante da diferença de P1 e PG – podem ser entendidas como potências instantâneas ou se definidas conforme ANEEL 414, demandas médias no período de uma hora, ou o saldo da energia ativa (diferença da gerada e consumida) neste período de uma hora, numericamente igual à demanda média. Note que, caso a energia injetada pela GD seja superior àquela consumida pela carga e apesar da situação configurar um vetor no Q II, não se pode considerá-lo exatamente dessa forma pela definição da resolução 414, já que o fator de potência é calculado em função da energia resultante (sempre positiva). Contudo, a questão é interpretativa e a falta de regulação adequada a esse tema dificulta o entendimento, não físico, mas relacionado ao próprio modelo de faturamento.
As potências aparentes do conjunto variam em função do comportamento instantâneo (ou horária no caso de tarifação pela 414) e os valores variam de S1 para S2 em função da GD. O ângulo de fase ϕ1 muda para o ângulo de fase ϕ2 reduzindo o fator de potência do sistema conforme a conhecida relação trigonométrica do cosseno do ângulo.
Para essa compensação, pode ser necessário injetar potência reativa (Qinj) para se compensar o consumo de potência reativa excedente objetivando a readequação do ângulo de fase. Note que, se previamente o sistema não possuísse compensação reativa (capacitores) por não ser necessário ou caso o consumidor preferisse pagar o excedente, após a inserção da GD, o cenário muda sendo os novos valores a serem injetados superiores aos anteriores, portanto, caso já exista o sistema de compensação, deverá ser alterado e caso não existisse, certamente deverá ser instalado, conforme adiante desenvolvido.
Exemplo: a Figura 2 apresenta uma curva de carga típica industrial com demanda máxima de aproximadamente 300 kW e fator de potência que varia de 92% a 96%. Sob o ponto de vista de não pagamento de excedente de energia reativa, não há razões para que se implemente sistema de compensação de energia reativa (banco de capacitores).
A indicação FP1 indica o Fator de Potência natural da carga.
Assumindo-se a potência ativa injetada no Q II, a curva de carga pode ser representada conforme a Figura 3, com modelamento da potência injetada como negativa. A indicação FP2 indica o fator de potência modificado em função da injeção de potência ativa pela GD.
A Figura 4 apresenta o detalhamento da Figura 3 em período crítico.
Observa-se que o fator de potência registrado ao meio-dia ou às 15 horas chega a ser menor que 0,2 e a indicação de FP<0 aponta que a energia injetada é maior do que a consumida, uma interpretação matemática que prescinde de regulação. A situação é aleatória e depende da quantidade de potência ativa injetada pela GD ou uso de outra fonte, como exposto. A Figura 5 representa os vetores das potências ao meio-dia, e a Figura 6 às 15 horas.
O que se observa é que, tanto no QI como no QII, o fator de potência em situações de potência gerada próxima ao consumido pela carga atinge valores de fator de potência muito baixos e, caso a injeção da GD não seja efetuada com FP da ordem de 90%, deve-se prever um sistema de compensação reativa adequada.
Agradecimentos aos colegas por colaborarem com a produção deste artigo:
Javier Aprea, da Aprea Engenharia;
Claudio Puga e Ricardo Silva, da Landis Gyr;
José Teodoro, da CPFL;
José Rubens Macedo Jr., professor na Universidade Federal de Uberlândia.
Autor:
Por José Starosta, diretor da Ação Engenharia e Instalações e membro da diretoria do Deinfra Fiesp e da SBQEE. [email protected]