Edição 106 – Novembro de 2014
Aula prática – Motores
Por Ricardo Teixeira, Filipe Lopes, João Paulo Lima, Lucas Brandão, Mônica Teixeira e Nilo Ribeiro*
Estudo realizado por meio de verificações, registros de ocorrências e testes realizados em Produtores Independentes de Energia (PIE) e em gerações emergenciais – Análise de casos reais.
Atualmente, o Sistema Interligado Nacional (SIN) possui diversos tipos de fontes geradoras de energia elétrica, nas quais se destacam as usinas hidrelétricas, eólicas e termelétricas. Dentre os geradores termelétricos existem, por exemplo, turbinas e motores, que podem usar como combustível o óleo diesel ou gás natural.
Os agentes pertencentes ao SIN devem atender aos padrões preconizados nos Procedimentos de Rede, descritos pelo Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS) e aprovados pela Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel). Nos Procedimentos de Rede estão descritas as características das diversas usinas geradoras e, em alguns casos, são definidos especificamente alguns parâmetros. Conforme o procedimento 3.6, por exemplo, o sistema de geração deve ter, além de outras características, controle automático da tensão terminal e sistema de regulação primária de frequência. Da mesma forma, o ONS define o sistema de proteção associado às unidades geradoras, de forma que as mesmas não sofram desligamento durante uma perturbação e ajudem na recomposição do sistema, isso sem causar qualquer tipo de dano às unidades geradoras.
Em sistemas elétricos isolados, como é caso do sistema Manaus e do estado do Amapá, existe a necessidade de contratação de geração emergencial de energia ou de Produtores Independentes de Energia (PIE). Pela praticidade de instalação, as gerações emergenciais e os PIEs utilizam geradores de pequeno e médio porte, com conjuntos motores geradores fornecendo potência na faixa de 1 MW a 20 MW. No sistema elétrico de Manaus vários desses motores já estão sendo convertidos para receberem como combustível o gás natural.
Por se tratarem de agentes independentes, que produzem e vendem energia elétrica, alguns requisitos de suporte à rede, normalmente atendidos quando da instalação das unidades geradoras da Eletrobras Eletronorte, tiveram que ser negociados visando a se contornar problemas decorrentes das características de operação, proteção e controle adotadas pelos PIE e atender às necessidades sistêmicas (1). Sua concepção é baseada apenas em fornecer energia elétrica e, em muitos casos, não se preocupam em regular corretamente a tensão, a frequência ou com a qualidade da energia fornecida.
Com a interligação desses sistemas isolados ao sistema interligado nacional, vários desses PIE serão integrados ao SIN e o comportamento dinâmico dos conjuntos motores geradores desses vão interferir no comportamento dinâmico do sistema, sendo, esta interferência, mais acentuada durante ocorrências que levem ao ilhamento destes sistemas elétricos.
O objetivo deste informe técnico é mostrar o comportamento dinâmico e em regime dos conjuntos motores geradores de algumas gerações emergenciais e PIE, através de verificações, registros de ocorrências e testes realizados nesses produtores independentes.
Serão abordados casos práticos observados ou registrados nos sistemas elétricos que estiveram e estão sob a responsabilidade da Eletrobras Eletronorte.
Registros em campo
Resposta de uma geração emergencial com controle conjunto a uma perturbação no sistema Amapá
Em testes realizados em 2012, em um grupo de geração emergencial do sistema elétrico do Amapá, com o controle conjunto (ou load share) habilitado, verificamos que os reguladores de tensão e de velocidade dos geradores foram “bypassados” por um controle externo e estes geradores não mais participavam da regulação primária do sistema elétrico. Verificamos, também, que os conjuntos motores geradores dessa geração emergencial, no primeiro instante, além de não participarem da regulação primária, após a rejeição de uma unidade Wartsila com 13,5 MW, correspondendo a 9,1% da geração total do sistema elétrico, diminuíram drasticamente a posição dos seus atuadores e, consequentemente, diminuindo também de forma drástica suas potências mecânicas, degradando ainda mais o equilíbrio carga-geração do sistema, como apresentado na Figura 1
A recuperação das posições dos atuadores dessas máquinas só começa após alguns segundos depois do início da perturbação, como pode ser observado na Figura 2.
Vale ressaltar que, no sistema elétrico de Manaus, existem algumas plantas de gerações emergenciais semelhantes a esta do sistema elétrico do Amapá e, provavelmente, com o mesmo comportamento dinâmico.
Desligamento intempestivo durante o levantamento da curva de capabilidade
Nos testes pré-operacionais, durante o levantamento das curvas de capabilidade dos geradores de vários PIE e gerações emergenciais dos sistemas elétricos de Manaus e do Amapá, ocorreram vários desligamentos intempestivos (trips). Esses desligamentos foram devidos aos ajustes “fechados” das proteções de perda de excitação (relé 40) ou das proteções de sobrecarga destes geradores. A Figura 3 mostra a curva de capabilidade e os registros do desligamento intempestivo de um gerador de 9,321 MVA de um PIE de Manaus. Isto ocorreu devido ao ajuste “fechado” da proteção de perda de excitação. O relé 40 atuou em -0,23 pu quando deveria atuar em -0,56 pu.
Resposta de um conjunto motor gerador à rejeição de uma parcela da geração total do sistema Amapá
Em testes realizados, em 2005, em um grupo de geração emergencial do sistema elétrico do Amapá, verificou-se, após a rejeição de uma unidade Wartsila com
10 MW, correspondendo a 13% da geração total do sistema, que a potência ativa fornecida pelos conjuntos motores geradores desta geração emergencial estava limitada em
1,55 MW, por máquina, como mostrado na Figura 4, ao invés dos 2,0 MW como especificado na documentação técnica entregue à Eletrobras Eletronorte.
Medição em regime permanente da qualidade da energia fornecida
Devido à topologia de construção desses motores, com ligações em “V”, na maioria V12, eles inserem “ruídos” na potência fornecida com frequências subssíncronas iguais à metade de suas rotações nominais, com pode ser observado na Tabela 1. Em medições em regime permanente, foram observados e registrados “ruídos”, relativos a estas frequências subssíncronas, na ordem de até 15,4% da potência elétrica fornecida, como mostrado nas Figuras 5 e 6.
Na Figura 5, 1 pu equivale a 20 MW e o “ruído” na potência ativa corresponde a 15,4%, pico a pico, do valor médio desta potência e, neste caso, a frequência do “ruído” é 4,28 Hz. Na Figura 6, 1 pu equivale a 1,25 MW e o “ruído” na potência ativa corresponde a 2,2%, pico a pico, do valor médio desta potência e, neste caso, a frequência do “ruído” é 15,0 Hz.
Verificações em campo
Ajustes fechados dos parâmetros e modos de controle dos geradores
Na maior parte dos testes pré-operacionais que coordenamos, ou participamos, para acompanhar a entrada em operação de PIE e gerações emergenciais nos sistemas elétricos de Manaus e do Amapá, inicialmente, os modos de controle dos reguladores de tensão estavam “setados” em fator de potência (cosφ = 1) e os modos de controle de velocidade em potência constante, diferente do que preconizava os editais de licitação e o submódulo 3.6 dos procedimentos de rede do ONS. Após muita negociação, conseguimos alterar estes modos de controle para controle automático de tensão e controle automático de frequência.
Depois da entrada em operação de alguns destes PIE e gerações emergenciais, pudemos constatar, após análise de ocorrências e verificações em campo, que estes agentes retornaram os modos de controle dos reguladores dos geradores para os modos “setados” inicialmente, isto é, o controle de tensão em fator de potência e o controle de velocidade em potência constante, não mais participando da regulação de tensão nem da regulação primária da frequência do sistema elétrico em questão.
Após a entrada em operação, verificamos, também, que em algumas plantas a potência elétrica fornecida pelos geradores foram limitadas em valores bem abaixo do especificado, próximo ao valor que estavam despachando. Devido a esta limitação, embora os reguladores de velocidade destas máquinas estivessem “setados” em controle automático de frequência, durante as ocorrências que levavam à perda de geração no sistema elétrico, elas não participavam da regulação primária da frequência do sistema.
Em algumas plantas encontramos a banda morta dos reguladores de velocidade ajustada na faixa de 56 Hz a 64 Hz, com comutação automática para mudar para controle de frequência, caso a frequência do sistema afundasse abaixo 59,5 Hz. Nestes casos, a efetivação do controle de frequência variava de 700 ms a 4 s, dependendo da planta. Em boa parte das plantas, as bandas mortas dos reguladores de velocidade estavam ajustadas entre 59,5 Hz e 60,5 Hz e, com muita negociação, elas foram reajustadas na faixa de 59,95 Hz a 60,05 Hz.
Ajustes fechados das proteções dos geradores e controles conjuntos
Nas plantas com o controle conjunto habilitado existe um outro nível de proteção, além das proteções dos geradores. Ao analisarmos algumas ocorrências que levaram à saída intempestiva de uma geração emergencial no sistema elétrico do Amapá, verificamos que os ajustes da maioria das funções de proteção do controle conjunto estavam mais fechados que os ajustes das proteções dos geradores, pelo menos no que diz resp
eito às temporizações, que são bem menores, como pode ser observado na Tabela 2.
Conclusão
Desligamentos intempestivos devidos a parâmetros dos reguladores e proteções dos geradores com ajustes “fechados”, a não participação da regulação primária da frequência do sistema e o afundamento da potência mecânica dos conjuntos motores geradores durante uma perturbação no sistema elétrico podem levar a um desempenho insatisfatório do Esquema Regional de Alívio de Carga (ERAC), por meio da atuação de maior número de estágios deste ERAC (1), (2), ou ao blecaute do sistema quando a perturbação levar ao ilhamento deste sistema elétrico, ou ao afundamento drástico das tensões e o consequente colapso da tensão do sistema (3).
Os “ruídos” inseridos na potência elétrica fornecida pelos conjuntos motores geradores, relacionados às suas rotações nominais, não podem ser eliminados, pois são inerentes à topologia destes motores, mas podem ser drasticamente mitigados pela inserção de filtros corta-faixa (notch) de segunda ordem, ou ordem superior, nos reguladores de velocidade destes equipamentos.
No intuito de evitar o mau desempenho destes equipamentos, principalmente frente a perturbações no SIN que levem ao ilhamento dos sistemas elétricos de Manaus e do Amapá, faz-se necessária, antes da interligação destes sistemas isolados ao SIN, uma verificação completa nos ajustes de proteção, limitadores, modos de controle e parâmetros dos reguladores de tensão e de velocidade e dos controles conjuntos dos motores geradores que serão despachados pelos PIEs e gerações emergenciais nestes sistemas elétricos.
Referências bibliográficas
(1) BRITO, N. H. M. N. et al. “Experiência da Eletronorte na Operação de Sistemas Elétricos com a Presença de Produtores Independentes de Energia”, anais do VIII SEPOPE, 2002.
(2) TEIXEIRA, R. M.; CAMARGO, I. M. T. “Análise e Aperfeiçoamento do Esquema de Controle de Emergência do Tipo Esquema Regional de Alívio de Carga”, anais do XI ERIAC, 2005.
(3) TEIXEIRA, R. M. et al. “Análise de Colapso de Tensão Decorrente de Perturbação em Sistema Real – Análise Comparativa Medição Versus Simulação”, Anais do XXI SNPTEE, 2011.
(4) REIVAX. Registros de Ensaios em Geradores nos Sistemas da Eletrobras Eletronorte, 2004 a 2012.
* Ricardo Marcelo Teixeira é engenheiro eletricista e mestre em engenharia elétrica. Atua na área de estudos elétricos da operação de sistema da Eletrobras Eletronorte.
Filipe Rodrigues Lopes é engenheiro eletricista e trabalha, desde 2007, na Eletrobras Eletronorte como engenheiro de operação.
João Paulo Fernandes Lima é engenheiro eletricista e mestre em engenharia elétrica. Atua na área de estudos elétricos da operação do sistema da Eletrobras Eletronorte.
Lucas Guimarães Lins Brandão é engenheiro eletricista, mestre em engenharia elétrica. Atua na área de engenharia de supervisão, regulação e proteção de geradores da Eletrobras Eletronorte.
Mônica Braga Teixeira é engenheira eletricista e atua na na área de estudos elétricos da operação de sistema da Eletrobras Eletronorte.
Nilo Sérgio Soares Ribeiro é engenheiro eletricista e mestre em engenharia elétrica. Atualmente, é engenheiro da Eletrobras Eletronorte, atuando na área de estudos elétricos com ênfase em transitórios eletromagnéticos e qualidade da energia.
Marcos Fonseca Mendes é engenheiro eletricista, mestre em Engenharia Elétrica e doutor em Ciências (Sistemas de Potência) pela Universidade de São Paulo (USP). É engenheiro da Itaipu Binacional desde o ano 2000, atuando na engenharia de projetos. Associado ao Cigré e à Abenge, é ainda membro da IEC (TC57 / WG18), do IEEE / PES e da ABNT.