As distribuidoras de energia elétrica são o elo final de toda uma cadeia produtiva que se inicia na geração, por meio de distintas fontes, como hidráulica, térmica e nuclear. Esta energia gerada é escoada a longas distâncias pelas linhas das transmissoras, que entregam a energia às concessionárias de distribuição, que garantem que o elétron gerado chegue aos usuários finais.
As tarifas de energia elétrica são compostas por custos necessários para financiar toda essa cadeia de fornecimento. Dados de 2021 evidenciam que a geração de energia representa 36% da conta de luz, enquanto as transmissoras e as distribuidoras são responsáveis por 7% e 20% dos custos do setor, respectivamente. Complementam o preço da energia os encargos e tributos, que perfazem 37%.
Embora não seja o tema central desse artigo, nota-se que a desoneração das tarifas de energia elétrica torna-se fundamental para a sustentabilidade do setor em médio e longo prazos. Não soa razoável que a maior parcela da fatura seja destinada a encargos e tributos presentes na tarifa. Há iniciativas no legislativo com essa finalidade, como o PLP 18/2022, mas que têm que avançar para uma agenda propositiva efetiva para os próximos anos.
Mas fato é que as distribuidoras cumprem papel que vai além de simplesmente entregar a energia no varejo. São esses agentes que sustentam o fluxo financeiro do setor, afinal, as concessionárias de distribuição fazem a interface com os usuários de energia elétrica, arrecadando, por meio das faturas, todo o montante necessário para financiar a operação do sistema.
Cumpre destacar que, segundo a dinâmica atual do setor elétrico, os grandes riscos são alocados nas distribuidoras de energia elétrica. Por exemplo, pode-se citar que a remuneração é garantida aos geradores de energia, mesmo que haja alterações conjunturais de inadimplência por parte dos usuários. Quem suporta esse déficit arrecadatório são as distribuidoras de energia. As transmissoras não percebem oscilações de receitas caso o mercado se altere, uma vez que seus contratos de concessão são do tipo revenue cap (ou receita teto), enquanto as distribuidoras ficam com o ônus/bônus de movimentações de mercado, dado que seus contratos são do tipo price cap (ou preço teto).
Os furtos de energia, ou perdas não técnicas, são outro exemplo de ônus que impactam as distribuidoras de energia elétrica, mas que não chegam aos demais agentes do setor. Ou seja, os custos relativos aos furtos de energia – em especial em áreas de concessão mais complexas – ficam exclusivamente com os acionistas das empresas de distribuição de energia.
Também é importante esclarecer que, em momentos de crise, são as distribuidoras de energia elétrica que garantem que o setor se mantenha equilibrado, cumprindo o papel de agente arrecadador para os segmentos de geração e transmissão, recolhendo encargos e tributos, mesmo sem os recebimentos dos recursos junto ao mercado consumidor. Exemplos recentes foram as medidas tomadas no enfrentamento à pandemia da Covid-19 e na crise hídrica de 2021.
Ainda é importante destacar que as distribuidoras de energia elétrica atuam sob forte regulação. A Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), por meio de diversos regulamentos, estimula os agentes à busca contínua pela eficiência, por meio de modelos que emulam concorrência entre as concessionárias. De tal sorte que as empresas têm que aportar investimentos considerados prudentes e custos operacionais eficientes para que a concessão se sustente em médio e longo prazos.
Não bastasse a complexidade na qual a distribuidora de energia está inserida, o cenário presente e futuro não poupa desafios. Inicialmente, é importante lembrarmos que vivemos em um ambiente de abertura de mercado, com cronograma já estabelecido até 2023 por meio da Portaria nº 465/19 do Ministério de Minas e Energia (MME).
O problema é que, quando clientes do mercado regulado de uma distribuidora migram para o mercado livre em larga escala, a concessionária tende a ficar sobrecontratada, o que pode fazer com que o custo da energia no mercado regulado fique ainda mais elevado. Assim, mecanismos de redistribuição desses custos entre o ACR e ACL, como previstos no PL 414, são muito importantes.
Soma-se à abertura de mercado o fato de o mundo estar observando uma nova onda de reestruturação no setor elétrico, condicionada pela chegada da chamada transição energética. Esta ampla transformação é caracterizada pela atuação de um conjunto de fatores interconectados que se retroalimentam.
É o caso da difusão dos Recursos Energéticos Distribuídos (REDs), que podem ser entendidos como quaisquer recursos capazes de prestar serviços de energia localizados no sistema de distribuição. Há vários exemplos de REDs.
O mais conhecido e difundido no Brasil é a Geração Distribuída (GD), na qual pequenas unidades geradoras são conectadas de forma pulverizada nos sistemas de distribuição. Segundo dados da Aneel, em junho de 2022, a GD já representa 11,2, GW de potência instalada, cerca de 6% de toda potência instalada no Brasil, contabilizando-se pouco mais de 1 milhão de unidades consumidoras. A imensa maioria da energia gerada é por meio da fonte solar, com painéis fotovoltaicos.
Outro RED que já é uma realidade no setor elétrico nacional são os veículos elétricos, movidos inteira ou parcialmente pela energia armazenada em baterias internas recarregáveis, cuja propulsão é realizada por meio de motores elétricos. Segundo a Associação Brasileira do Veículo Elétrico (ABVE), no acumulado de janeiro a maio de 2022 foram vendidos 16.354 veículos eletrificados, um crescimento de 54% em relação aos cinco primeiros meses de 2021.
Resposta da Demanda (RD) é outro RED muito relevante para a eficiência do consumo de energia. RD são mecanismos utilizados para gerenciar o consumo dos clientes em resposta às condições de oferta, como por exemplo, a redução ou deslocamento do consumo de energia em momentos críticos através de pagamentos ou em resposta a preços de mercado.
Há também RED pouco menos difundidos, mas com enorme potencial de afetar o sistema tal qual conhecemos hoje em dia. Por exemplo, pode-se citar o armazenamento distribuído, que são sistemas de armazenamento, tipicamente de pequena escala, conectados na rede de distribuição com propósito de utilizar a energia armazenada em momento posterior.
Por fim, podem ser citados REDs mais disruptivos, mas que estarão presentes no grid do sistema num horizonte de médio prazo. É o caso das microrredes, que é um sistema elétrico inteligente de pequeno porte com cargas e RED, com capacidade de operar ilhado ou conectado à rede de distribuição. Outro caso possível são as usinas virtuais, que podem ser caracterizadas como um conjunto de RED despachado remotamente por centros de controle, de forma a oferecer serviços de resposta da demanda ao operador da rede e maximizar a receita auferida.
Vislumbramos, portanto, um futuro com disseminação de oferta de energia descentralizada e ambientalmente sustentável baseada em fontes renováveis, com destaque para a geração solar, eólica e até mesmo energia nuclear de pequenas centrais.
E como não citar a questão da digitalização e da crescente conectividade de consumidores/equipamentos/empresas, proporcionada pela expansão de redes e medição inteligente (smart grids e smart meters) capazes de elevar enormemente a eficiência e a qualidade do serviço aos consumidores finais?
Podemos esperar, no horizonte à vista, um maior protagonismo do consumidor final, que busca a redução dos gastos com energia e ganhos com eficiência energética por meio do uso de utensílios/equipamentos inteligentes (domotics) interconectados através da internet, de sistemas de resposta da demanda e de ferramentas de inteligência de dados (data mining).
É importante observar que essas questões alterarão profundamente a forma de funcionamento do sistema de distribuição de energia elétrica, trazendo inversões e flutuações de fluxos de potência nunca verificados. São desafios técnicos que o segmento tem enfrentado e reagido de forma satisfatória.
Esse é o cenário que se apresenta ao segmento de distribuição, que tem sido resiliente na busca de inserção de tecnologias que permitam fazer melhor com menos custo, além de se inserir em todas as discussões travadas para minimizar os aumentos dos custos de energia elétrica para o mercado regulado.
Mas para que esse cenário seja sustentável, é preciso repensar muitos conceitos e formas de atuação, com uma visão de um novo ambiente de negócios focado em oferecer alternativas de serviços aos diversos agentes, sejam geradores, consumidores, comercializadores etc. Nosso compromisso é de oferecer soluções para permitir que todo o novo cenário tecnológico possa se implantar de forma eficiente e sustentável.
Clique aqui para fazer o download da pesquisa na íntegra.
Autores:
Por Marcos Madureira, presidente da Associação Brasileira de Energia Elétrica (ABRADEE);
Por Lindemberg Reis, gerente de Planejamento e Inteligência de Mercado da Associação Brasileira de Energia Elétrica (ABRADEE).