Edição 109 – Fevereiro de 2015
Por Michel Epelbaum
Está difícil não escrever novamente sobre água e energia depois:
– do ano mais quente já registrado na história do planeta;
– da maior nevasca da história de Nova York;
– da maior crise hídrica da história do Brasil;
– da enxurrada de aumentos da energia elétrica e da bandeira tarifária, gasolina, água, transportes;
– de chegarmos à beira de um racionamento de energia.
É curioso observar que um dos maiores jornais do país usualmente endereça matérias sobre água em seções ligadas ao cotidiano ou cidades, enquanto as questões energéticas são tratadas na seção de economia. A Conferência Internacional de Água e Meio Ambiente em Dublin reconheceu a água como bem econômico em 1992, mas no Brasil ela era encarada como um bem público, abundante, que todos poderiam usar e gastar sem limites. Mas parece que isso mudou nos últimos meses. As consequências da falta de água são altas, relatadas diariamente na mídia, como:
– O PIB pode cair 2% se houver racionamento de água e energia. Indústrias pararam a produção pela falta de água. A Resolução Conjunta ANA/DAEE 50/15 determinou a redução em 30% do consumo diário outorgado de água das indústrias que captam das bacias dos rios Jaguari, Camanducaia e Atibaia quando o volume útil do Sistema Cantareira cair abaixo de 5%, sob pena de multa (o que ocorreu em 2015). No Rio de Janeiro, haverá redução gradual da vazão na bacia do Rio Paraíba do Sul. Mesmo que as indústrias do setor elétrico não sejam intensivas em água, serão afetadas também.
– O número de casos de dengue no país cresceu 57% em janeiro/15, diante de janeiro/14, segundo o Ministério da Saúde (metade dos casos na região Sudeste), o que pode ser consequência também da crise hídrica.
As manchetes na mídia definem mais adequadamente a situação: crise da água. O Fórum Econômico Mundial de 2015 considera a crise da água como um dos maiores riscos globais há anos, sendo o de maior impacto em 2015 (fonte: Global Risks 2015 – World Economic Forum, http://www3.weforum.org/docs/WEF_Global_Risks_2015_Report15.pdf).
Até pouco tempo atrás, os governos negavam a existência do problema e de racionamento informal. Agora, discutem futuras medidas emergenciais, sem transparência e participação dos afetados.
O legislativo está se movimentando lentamente. É o caso, por exemplo, da Câmara Municipal de São Paulo, que aprovou recentemente em primeira votação dez projetos de lei sobre água, tais como multa para quem lavar a calçada/carro com água da Sabesp; desconto no IPTU para imóveis que fizerem captação de água de chuva e reuso de água; instalações sanitárias econômicas e arquitetura sustentável em novas construções.
O racionamento (presente ou futuro) em algumas regiões já assustou a população e as indústrias e parece que “caiu a ficha”: aquisição de caixas d’água, adoção de mecanismos e práticas para economizar, etc.
Sabemos que a gestão de energia está intrinsecamente ligada ao uso da água, fortemente no Brasil, o que foi reafirmado no relatório do Fórum Econômico Mundial 2015 supracitado: o nexo causal entre alimentos, água, energia e mudança climática foi identificado pelo Conselho de Inteligência americano como uma das quatro mega tendências que moldarão o mundo em 2030; a Agência Internacional de Energia projeta um aumento do consumo de água de 85% até 2035 para atender às necessidades de geração e produção de energia.
Nota-se uma grande similaridade na gestão de energia no país, comparada à água: a negação do problema, a falta de transparência, a falta de medidas de eficiência/preventivas, o “apagão” em vários estados no último dia 19/01. O Ministro das Minas e Energia afirmou que medidas de racionamento/racionalização seriam necessárias caso os níveis das hidrelétricas caíssem abaixo de 10% de sua capacidade (o que já aconteceu na Região Sudeste). No início de fevereiro, o Comitê de Monitoramento do Setor Elétrico aumentou para 7,3% o risco de falta de energia elétrica na Região Sudeste/Centro Oeste, acima do limite de 5% considerado aceitável. Lá vem mais um plano emergencial?
Será que meus netos se lembrarão do ano e dos governos atuais somente pelo costumeiro humor carnavalesco (a marchinha do bloco paulistano “Nóis Trupica Mais não Cai” para 2015 é “Sereia do Cantareira”, assim como a “Lata D’Água na Cabeça” de 1952 foi resgatada em 2015)? Ou como marco da mudança da forma de gestão e das atitudes para resolver a crise e evitar que se repita?