Edição 110 – Março de 2015
Reportagem: TTA/PTTA
Por Bruno Moreira
Comitê de Estudos do Cobei prepara a tradução das novas normas da família IEC 61439 para painéis elétricos que deve sair em 2016. Documento tornará mais claros os métodos de verificação das características construtivas e de desempenho destes equipamentos, eliminando os conceitos de total e parcialmente testados.
Na atualidade, o consumidor brasileiro que tiver interesse em especificar e/ou comprar conjuntos de manobra e controle de baixa tensão (CMCs), os chamados painéis elétricos, terá duas opções de acordo com a norma vigente ABNT NBR IEC 60439-1: os painéis totalmente testados (TTA) e os painéis parcialmente testados (PTTA). Estas denominações referem-se aos ensaios de tipo realizados nestes equipamentos para garantir a qualidade e o desempenho dos produtos. O TTA diz respeito aos conjuntos que possuem as características idênticas ou sem desvios que possam influenciar seu desempenho, quando comparado a um protótipo aprovado em todos os ensaios. Já o PTTA se aplica aos conjuntos que apresentam tanto configurações ensaiadas, como não ensaiadas, mas cujos “desvios” foram derivados, por exemplo, por cálculo, a partir de protótipos ensaiados e aprovados conforme a norma.
No entanto, estes conceitos, tão importantes até agora para o mercado brasileiro de painéis elétricos de baixa tensão, deixarão de existir em breve. Isto porque a versão brasileira da nova norma internacional IEC 61439 está sendo produzida. Segundo o coordenador da Comissão de Estudo (CE) 17.02, responsável pela elaboração do novo documento, Luiz Rosendo, esta mudança ocorrerá porque foi deturpada – não apenas no país, mas mundialmente – a ideia de painéis parcialmente testados. Rosendo explica que alguns montadores e fabricantes não entendem o conceito de PTTA, acreditando que na construção deste tipo de painel só se faz necessária a realização de parte dos ensaios. “Mas não era isso. Este painel tem que ser baseado em um painel TTA, com todos os ensaios feitos”, declara.
O gerente de marketing em painéis de baixa tensão para América Latina da Eaton, Flavio Baseggio, explica que a maneira como os conceitos foram redigidos na norma atual permitia interpretações distintas, que foram sendo desenvolvidas de acordo com a necessidade e/ou falta de conhecimento técnico do mercado. “Fabricantes, consultores e consumidores finais, cada um interpretou conforme a sua necessidade. E isso resultou em percepções diferentes dos painéis PTTA no mercado”, afirma.
Colega de Baseggio na Eaton, o gerente de marketing e produtos para linhas de painéis de baixa tensão no Brasil, Sergio Baldin, afirma que alguns fornecedores acabam não respeitando as regras estipuladas pelo atual documento normativo. A ABNT NBR IEC 60431-1 permite a extrapolação por cálculo de apenas dois ensaios: de temperatura e de nível de curto-circuito. No entanto, muitos fabricantes extrapolam outros ensaios.
Um painel testado em 2.500 A no nível de 50 kA, por exemplo, segundo Baldin, não pode ser extrapolado pelo conceito PTTA para corrente em nível de curtos acima dele, mas isso acontece. “O fornecedor mal intencionado, muitas vezes, não testa o painel, porque os testes são custosos para a empresa que os aplica na sua integridade”, declara o gerente de marketing, destacando que, no balanço final, o fabricante acaba oferecendo um produto que realmente não foi testado.
A preferência do cliente, conforme Baldin, é pelo conjunto PTTA, pois o consumidor entende que o equipamento é mais barato. “Na verdade é o contrário”, diz. O gerente recorda que o painel parcialmente testado deve derivar, de fato, de um painel totalmente testado. Assim, para sua confecção, acrescentam-se horas de engenharia. “Então, o PTTA acaba sendo mais custoso para o cliente final do que o próprio painel TTA, porque os testes que já foram feitos pelo fabricante original devem ser repetidos”.
Nova metodologia
O engenheiro de aplicação de painéis de média e baixa tensão da Eaton, Rafael Benoliel, esclarece que na ABNT NBR IEC 61439-1/-2 os conceitos de conjunto parcialmente testado e conjunto totalmente testado serão substituídos por uma nova metodologia, chamada verificação de projeto, que, por sua vez, é composta por três métodos alternativos e equivalentes. São eles: ensaios/testes, cálculos/medições e atendimento a regras do projeto. Para Benoliel, com a extinção dos conceitos TTA e PTTA, o que é pedido pela norma ficará mais claro, melhorando a interpretação do cliente final, fabricante e montadores.
O gerente de automação e controle da VR Painéis Elétricos, Jonas Cirilo, explica que os ensaios de tipo ainda continuarão vigentes e validarão o modelo do fabricante (similar ao TTA). De acordo com ele, a nova metodologia funcionará mais para os modelos derivantes. À luz da nova norma, segundo Benoliel, não será necessário realizar um projeto de conjuntos de manobra e controle derivado que contemple todos os ensaios apresentados. Está presente, conforme o engenheiro, no anexo D da norma, em quais situações devem ser aplicados os diferentes métodos de verificação. Por exemplo, a verificação de índices relativos a curto-circuito pode ser feita por meio de ensaios ou das regras de projeto. Já a verificação da operação mecânica do painel, que é a inserção e extração da gaveta, só pode ser realizada por meio de ensaios.
Benoliel destaca que, sob as regras do novo texto normativo, pode-se aplicar os ensaios somente nos pontos em que não é permitida a verificação por cálculo ou regras de projeto. O engenheiro afirma que o cliente poderá solicitar o tipo de verificações. “Se houver opções de mais de um tipo, ele pode tentar solicitá-las. E caberá aos fabricantes e montadores dizer se a solicitação é cabível”, destaca.
Contudo, de acordo com o engenheiro, neste ponto, deve-se ressaltar uma prática muito comum no mercado: a exigência por equipamentos testados”. É difícil o cliente aceitar um painel que não seja ensaiado”, explica. Dessa maneira, os fabricantes deverão, segundo Benoliel, orientar os clientes para, quando solicitar o produto, colocar a verificaçã
o do projeto por ensaio de tipo, que transmite uma maior segurança ao cliente.
O novo documento normativo explica melhor também a relação entre fabricante original e montador. Conforme a norma, o fabricante original é a organização responsável pela criação do projeto original do CMC e o montador é a organização responsável pela montagem do conjunto completo. O texto da IEC 61431 diz que, em situações onde o fabricante original e o montador não são a mesma organização, os testes, os cálculos e as comparações só podem ser efetuadas pela empresa que fez o projeto. “Há também situações em que o fabricante original e o montador são a mesma empresa”, explica Rosendo.
Maior variabilidade
Cirilo destaca como as principais mudanças trazidas pela nova norma: a definição dos critérios para variantes dos painéis ensaiados; a possibilidade de realizar uma qualidade menor de ensaios de tipo; e obter uma quantidade maior de painéis variantes dentro dos critérios de norma, proporcionando ao usuário uma maior confiabilidade e segurança no produto que está adquirindo.
A questão da maior variabilidade dos painéis produzidos também é salientada pelo engenheiro sênior da Eaton, especialista em conjuntos de manobra e controle de média e baixa tensão, Luiz Felipe Costa. Ele acredita que, com a nova norma se sairá de um período no qual se pensa os conjuntos de manobra e controle como produtos seriados, o que de fato nunca foram. Segundo o engenheiro, em cada fornecimento deste tipo de equipamento existem variações. “Para ser sincero, em 30 anos de mercado, não me lembro nunca, em nenhum projeto, de ter fornecido o mesmo Centro de Controle de Motores (CCMs) ou Centro de Distribuição de Cargas (CDCs). Sempre há mudanças”, explica. Para Costa, o mercado ficará mais flexível, mas uma flexibilidade com base em conceitos sólidos de engenharia.
A importância da ABNT NBR IEC 60439-1
A atual norma de painéis elétricos de baixa tensão não está sendo modificada por não garantir a qualidade dos equipamentos, mas sim com o intuito de tornar mais claras as decisões que devem ser tomadas para o cliente adquirir um painel testado, diz o coordenador da CE 17.02, Luiz Rosendo. Muito pelo contrário, a ABNT NBR IEC 60439-1 foi o primeiro documento normativo do país a trazer avanços importantes no sentido de se estabelecer alguns critérios de fabricação e montagem dos conjuntos de manobra e controle. “Antes não se testava nada”, diz.
De maneira geral, de acordo com Baseggio, o segmento de painéis de baixa tensão se caracteriza por ter uma quantidade muita vasta de participantes, que vão desde grandes fabricantes multinacionais até montadores de médio e pequeno porte. Isso faz o mercado contar com uma ampla variedade de preços e de qualidade e com que o consumidor final tenha possibilidades muito distintas de preço e nível de qualidade. A atual norma modificou um pouco o desnível, que ainda existe.
Conforme Baldin, por exemplo, muitos fabricantes de menor porte afirmam produzir painéis conhecidos no mercado como convencionais. “Só que o painel convencional nada mais é do que um painel que não foi submetido a um teste. Ou seja, não está nem em conformidade com a ABNT NBR IEC 60439-1”, argumenta. Baseggio complementa que tal equipamento é artigo comum no mercado. Segundo dados do mercado do final de 2013, 70% dos painéis produzidos no país eram os chamados convencionais. A percepção geral, de acordo com Baseggio, é de que este número caiu em 2014, mas ainda assim é bem maior do que 50%.
Quem adquire painéis testados em conformidade com a norma, segundo Baseggio, são as grandes indústrias, e cada vez mais o setor de infraestrutura e construção civil. “O mercado profissional tem essa preocupação de seguir a Norma Regulamentadora (NR10) em caso de algum problema”, explica Baseggio, que cita como exemplo os estádios construídos para a Copa do Mundo de 2014. “Por seguirem um padrão internacional, adquiriram painéis de acordo com a norma IEC”.
Com a futura entrada em vigor da ABNT NBR IEC 61439-1/-2 e o posterior aumento de sua relevância, a situação dos painéis elétricos, no que diz respeito à observância das normas, deve melhorar ainda mais. Segundo Benoliel, usuários, fabricantes e montadores terão, no bom sentido, mais cumplicidade entre si, afinal, o consumidor terá de solicitar por quais verificações irá querer que seu produto passe e contará com a orientação do fornecedor. Isso, conforme o engenheiro de aplicação, vai demandar uma comunicação maior no mercado e aumentar o conhecimento dos consumidores a respeito dos requisitos construtivos de um painel elétrico, que hoje se encontra relegado a grandes empresas como Petrobras, Vale e Furnas.
Não obstante, Cirilo, da VR Painéis, crê que algumas empresas continuarão comercializando produtos fora de norma. “Não confio que isso mude”, afirma. “Acredito que a revisão da norma traga sim esclarecimentos quanto ao bom uso das práticas de engenharia”.
Para inibir legalmente o desenvolvimento e a fabricação de painéis em não conformidade, o Brasil conta apenas com a NR10, regulamento publicado pelo Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), que visa a segurança em instalações e serviços em eletricidade. Baldin explica que se um determinado painel causar um acidente e, se for comprovado que o produto não cumpre os requisitos da norma, o responsável pela planta ou pelo local instalado pode ser responsabilizado tanto civil como criminalmente por qualquer dano que venha causar a patrimônios ou terceiros. “Infelizmente o Brasil não apresenta uma fiscalização tão grande como deveria”, lamenta.
Em partes
A nova norma relativa a painéis elétricos de baixa tensão será publicada, em um primeiro momento, em duas partes: a ABNT NBR IEC 61439-1, que trará regras gerais a todos os equipamentos relacionados a esta área de quadros de distribuição para baixa tensão e a ABNT NBR 61439-2, especifica para conjuntos de manobra e controle de potência em baixa tensão e que substituirá a atual norma vigente, a ABNT NBR IEC 60439-1. Esta apresenta hoje uma dupla função: serve como documento geral, apresentando alguns pontos básicos comuns a todos os painéis, e também é específica para os chamados painéis de manobra e controle de baixa tensão, como o Centro de Controle de Motores (CCMs) e Centro de Distribuição de Cargas (CDCs).
O texto normativo atualmente utilizado no país data de 2003 e baseia-se na 4ª edição da IEC 60439-1, de 1999. Tal versão, no entanto, já foi substituída por uma revisão t&e
acute;cnica em janeiro de 2009, que deu nova forma e numeração à norma voltada para painéis elétricos de baixa tensão. Forma e numeração que serão seguidas agora pela norma brasileira. Como explica o engenheiro sênior da Eaton, Luiz Felipe Costa, a IEC resolveu seguir a linha empregada em outras abordagens normativas, como da IEC 62271, de equipamentos elétricos para alta tensão, ou seja, elaborar e publicar um documento com regras gerais para toda a família associada a área em questão e depois documentos específicos para cada equipamento.
De acordo com Rosendo, que também atua como consultor técnico sênior da Schneider Electric, a parte 1 do documento começou a ser traduzida do texto original há cerca de três anos. O texto já foi revisado pelo comitê de estudos e agora está com o Comitê Brasileiro de Eletricidade (CB-03) da Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), que formatará o documento. Já a segunda parte começou a ser elaborada no início de março e, como é bem menor que a primeira – requisitos gerais – deve ficar pronta, conforme Rosendo, no final do terceiro semestre deste ano, em setembro, aproximadamente. Ambas serão publicadas juntas. Mas, antes disso ocorrer, haverá um período de consulta pública, que pode durar de seis meses a um ano.
A expectativa é de que até meados de 2016, as normas entrem em vigor. Não obstante, o planejamento do comitê de estudos é de que a antiga e a nova versão convivam durante cinco anos, até que a ABNT NBR IEC 60439-1 ceda totalmente o lugar para a ABNT NBR IEC 61439-1/-2. Segundo Baseggio, no entanto, a tendência do mercado é trabalhar de acordo com a ABNT NBR IEC 61439 partes 1 e 2, a partir do momento que ela for publicada e funcione em paralelo com o texto antigo.
Costa enfatiza que o Brasil, por conta do volume de trabalho necessário a uma revisão normativa, está um pouco atrasado na tradução desta família de normas. Por exemplo, segundo ele, no continente europeu, os documentos IEC 61439-1 e -2 foram publicados no final de 2009, já sofreram, inclusive, revisão (a segunda edição dos documentos saiu em 2011) e findou o seu período de transição, que acabou em 2014. “E hoje na Europa já se trabalha somente conforme a IEC 61439”, afirma, ressaltando que, da mesma maneira se procede na América Latina, em países como Colômbia e Chile.
Tal defasagem pode, segundo o especialista, aliás, fazer a ABNT decidir cancelar o antigo texto e substituí-lo pela nova versão assim que esta seja publicada. O engenheiro se lembra da ABNT NBR 6808, antiga norma de conjuntos de manobra e controle de baixa tensão montados em fábrica. Esta versão, de 1993, foi substituída em 2003 pela atual 60439-1, e, na ocasião, não houve um período de transição. A decisão, conforme Costa, no entanto, ainda será debatida.