Edição 120 – Janeiro de 2016
Espaço Cigré
Por Saulo José Nascimento Cisneiros*
Os desafios técnicos do Cigré-Brasil estão diretamente vinculados aos desafios do sistema elétrico brasileiro, bem como às inovações tecnológicas em escala mundial. Esses desafios são balizadores para o escopo de atividades dos seus comitês de estudo.
O Sistema Interligado Nacional (SIN) brasileiro tem dimensões continentais e é predominantemente hidroelétrico com grandes usinas distantes dos centros de carga, que são interligados por longas linhas de transmissão. Atualmente, o SIN tem uma capacidade instalada de geração da ordem de 135.000 MW e mais de 120.000 km de linhas de transmissão em tensão igual ou superior a 230 kV. A capacidade instalada de geração tem 73% de hidráulicas e 83% de renováveis (hidro + biomassa + eólica + solar). Além disso, o Brasil é um dos países emergentes do Grupo BRICS, cuja economia e demanda por energia elétrica têm crescido significativamente, a taxas anuais em torno de 5%. Essas características tornam o SIN um sistema quase ímpar no mundo, de tal forma que o seu planejamento, projeto e operação se revestem de grande complexidade, ressaltando-se os seguintes grandes desafios:
1. Impactos das características das novas usinas hidráulica.
Para atender a este crescimento frenético pela demanda por eletricidade, há a necessidade de implantar novas e mais usinas, linhas de transmissão e subestações. Uma das opções prioritárias é a exploração do potencial energético dos rios da região amazônica. Entretanto, as novas demandas da sociedade organizada pela preservação do meio ambiente têm provocado grandes restrições à construção e à operação de usinas hidroelétricas e, sobretudo, aos seus reservatórios, o que tem levado à implantação de grandes usinas sem reservatórios. Diante disso, a capacidade de armazenamento dos reservatórios das usinas hidráulicas não tem aumentado, enquanto que o consumo anual de energia elétrica tem crescido. Dessa forma, a relação entre esta capacidade de armazenamento e o consumo total de eletricidade (capacidade de regulação dos reservatórios) tem sido reduzida ano a ano, provocando a redução da capacidade do SIN na regularização dos regimes hidrológicos dos rios e bacias onde estão localizadas as usinas hidráulicas.
2. Inserção da geração intermitente.
O impacto na operação do SIN decorrente da geração dispersa e intermitente de geradores eólicos é outro desafio relevante. A inserção desta geração, de forma segura e confiável, requer a implantação da rede de conexão e a ampliação da rede básica do SIN, de modo que o sistema de transmissão possa escoar esta energia em nível regional e para outras regiões. Além disso, para suportar a queda brusca desta geração será necessário dimensionar e manter uma quantidade adequada de reserva de potência nos demais geradores em operação, particularmente nos geradores hidroelétricos. E, no presente momento, começa a despontar a geração solar e temos que nos preparar para a geração eólica off shore.
3. Sistema de transmissão das grandes usinas amazônicas.
A integração de grandes usinas hidráulicas e de novas cargas da região amazônica ao SIN, com a transferência de grandes blocos de geração dessas usinas através de longas linhas de transmissão, provocará um grande impacto na operação do SIN. O sistema de transmissão das usinas do Madeira e da usina de Belo Monte é em alta tensão de corrente contínua (HVDC), o que implicará em vários terminais conversores de CA/CC operando próximos, o que se traduz em um desafio a mais no ajuste adequado dos seus controladores.
4. Dificuldade de acomodação da geração das novas fontes.
A inserção no SIN dos grandes blocos de geração das usinas amazônicas a fio d’água mais a geração eólica da região Nordeste, quando todas as bacias das regiões Norte, Nordeste e Sudeste/Centro-Oeste estão em período úmido e com volumes de espera para controle de cheias a serem respeitados nos reservatórios, é mais um desafio em termos da alocação desta geração na curva de carga diária do SIN. Em 2017, 10.000 MW de geração eólica e 18.000 MW de grandes usinas a fio d’água estarão em operação, 7.000 MW no Rio Madeira (Jirau + Santo Antonio) e 11.000 MW no Rio Xingu (Belo Monte). O pico de geração durante o período úmido atingirá a capacidade total instalada (18.000 MW) e no período seco decrescerá a menos de 2.000 MW.
5. Aplicação da tecnologia PMU.
O uso de tecnologias avançadas de monitoramento, como o “Phasor Measurement Unit” (PMU) para aumento da segurança e eficiência da operação do SIN, é um grande desafio em nível mundial. Estão sendo implantados PMU para compor a rede de monitoramento do SIN – “Wide Area Monitoring System” (WAMS). Este desafio torna-se ainda maior em usar as medições oriundas desta rede no controle – “Wide Area Control System” (WACS) – e nas proteções sistêmicas do SIN – “Wide Area Protection System” (WAPS), de tal forma que os “Sistemas Especiais de Proteção” (SEP) e os “Esquemas Regionais de Alívio de Carga” (ERAC) irão atuar com base em medições instantâneas provenientes de PMU.
6. Implantação de linhas e subestações em áreas densamente povoadas e aumento da capacidade de curto-circuito.
A implantação de linhas e subestações compactas e abrigadas e o uso de linhas subterrâneas podem ser uma solução. O aumento da capacidade de curto-circuito do sistema requer soluções complexas, como, por exemplo, a conexão de novas fontes de geração através de conversores CA/CC e a separação de barramentos de subestações
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7. Implantação da geração distribuída, micro geração e das redes inteligentes.
A implantação da geração distribuída e da microgeração nas redes de distribuição em larga escala irá requerer e acelerar a implantação da tecnologia das redes inteligentes (smart grids). Esta realidade forçará a reinvenção das concessionárias de distribuição de energia elétrica, que passarão a ser também operadoras do sistema envolvendo a sua rede de distribuição e de toda a geração a ela conectada. Trata-se do modelo Distribution Sistem Operator (DSO) já usado em larga escala na Europa, o que exigirá a definição de novas funções das distribuidoras e do fluxo de relacionamento com o Operador da Transmissão, o ONS.
8. Constituição de um mercado integrado de energia na América do Sul.
A constituição de um mercado integrado de energia englobando os países da América do Sul tem o objetivo de promover o intercâmbio de energia, sob qualquer forma, entre os países deste continente, visando aproveitar as potencialidades e as disponibilidades existentes e garantir a integração e a sinergia energética entre esses países. Este mercado abrangeria as diversas formas de energéticos, tais como petróleo e seus derivados, gás, energia elétrica e outros. As disponibilidades de cada país e as oportunidades de transações entre os países seriam identificadas através de estudos globais, que seriam consubstanciados em planos e programas, os quais contemplariam a definição de prioridades para implantação das ações delineadas.
9. Impacto das alterações climáticas e ambientais.
A avaliação do impacto das alterações climáticas e ambientais na segurança da operação eletroenergética do SIN é um novo desafio. Em termos energéticos significa avaliar as alterações nos regimes hidrológicos dos rios e bacias onde estão localizados os aproveitamentos hidroelétricos. Em termos elétricos, significa conhecer e monitorar os fenômenos de clima e de chuva e avaliar suas influências sobre as instalações e os equipamentos do SIN, visando definir medidas para mitigar ou eliminar suas consequências.
10. Captar e desenvolver os recursos humanos para superar esses desafios.
Por fim, citamos o maior de todos os desafios, que é captar, capacitar e desenvolver os profissionais envolvidos com essas atividades em nível cada vez maior de complexidade técnica e ambiental.
Colocados os desafios do sistema elétrico brasileiro, vamos agora vincular esses desafios aos Direcionamentos Estratégicos do CIGRÉ-Brasil para os Comitês de Estudo, que foram estabelecidos no seu Plano Estratégico de Desenvolvimento (PED).
Foco no meio ambiente e na sustentabilidade: materiais ambientalmente corretos, eficiência do sistema elétrico, prevenção e recuperação dos impactos de condições climáticas severas e regulação ambiental.
Melhor uso do sistema elétrico existente: ampliação e otimização da capacidade instalada, maior necessidade de controle e monitoramento da manutenção e da operação, reavaliação dos processos de substituição e manutenção dos equipamentos, utilização de modernas metodologias de manutenção dos equipamentos, reavaliação dos critérios de confiabilidade e segurança do sistema.
Maior aumento da confiabilidade do fornecimento de energia elétrica: desenvolvimento de novos métodos de manutenção e de operação, inspirados em setores que estão melhor postados (aeronáutica, por exemplo).
Integração regional: consideração e análise das complexidades de natureza política, ambiental e comercial para integração elétrica com países vizinhos.
Introdução de novas tecnologias: maior aproveitamento das energias renováveis, linhas de transmissão em Ultra Alta Tensão (UAT), smart grid, GPS, crescimento de fontes distribuídas, entre outros.
Em consonância com as diretrizes delineadas pelo nosso Presidente Josias Araújo, explicitamos as seguintes ações, dentre outras, que serão reforçadas pela Diretoria Técnica:
- Melhorar o Sistema de Avaliação do Desempenho dos Comitês de Estudo;
- Promover reuniões do comitê técnico nas empresas do setor elétrico;
- Focar em temas relevantes e de interesse do setor elétrico;
- Contribuir para o aperfeiçoamento das regras e regulamentos do setor elétrico;
- Promover parcerias com instituições de ensino e entidades do setor elétrico;
- Incentivar a divulgação de informações relevantes dos Comitês de Estudo no site do Cigré-Brasil, na EletroEvolução e na newsletter mensal;
- Incentivar a participação dos representantes brasileiros na elaboração de brochuras e artigos técnicos dos Working Groups e Task Forces do Cigré;
- Incentivar a associação ao Cigré dos membros dos Comitês de Estudo e Grupos de Trabalho nacionais;
- Dar especial atenção ao planejamento e organização dos eventos técnicos do CIGRÉ-Brasil.
Como pode ser visto, os desafios técnicos do CIGRÉ-Brasil são muito grandes e precisamos contar com a participação de todos aqueles que queiram se juntar aos “Cigreanos”, visando contribuir para superação desses desafios, que são também de todos os profissionais envolvidos com a engenharia de sistemas elétricos de potência.
*Saulo José Nascimento Cisneiros é diretor técnico do Cigré-Brasil.