Por Bruno Moreira
Serviços de manutenção prestados pelas concessionárias em redes de distribuição, via de regra, são satisfatórios. Falhas costumam acontecer por conta de sobrecargas nos circuitos elétricos.
De uma maneira geral, as pessoas ficam intrigadas quando a energia elétrica falta em suas casas. Quando não é porque a conta de luz não foi paga, obviamente, ficam pensando o que ocorreu. Em dias de vento forte ou chuva torrencial, aventam a possibilidade (têm a quase certeza) de que uma árvore despencou em um cabo de energia ou de que houve um curto-circuito em um transformador. Se a interrupção de energia elétrica é recorrente, e mesmo se não é, isto pode gerar a desconfiança de que os equipamentos que compõem a rede elétrica de distribuição não estão lá em suas melhores condições e de que, consequentemente, a distribuidora de energia tem falhado na manutenção e modernização de seus ativos.
Contudo, segundo o engenheiro eletricista, diretor da Abracopel-RJ, Estellito Rangel Júnior, este não é o verdadeiro problema das redes de distribuição de energia elétrica do país. Rangel explica que não é possível saber a idade média dos equipamentos que compõem as redes, porque estes dados não são disponibilizados pelas concessionárias, porém, “podemos dizer com certeza que não se trata de uma ‘rede velha’, tendo em vista que, frequentemente, há troca de equipamentos, como demonstrado nos balanços anuais das companhias”. A respeito dos serviços de manutenção prestados pelas concessionárias, o engenheiro eletricista enfatiza que eles são satisfatórios. Conforme Rangel, as distribuidoras contam com pessoal técnico que recebe treinamento específico antes de atuarem na área. “O que o público associa indevidamente é ‘manutenção bem-feita’ com ‘falta de luz’. A ‘falta de luz’ é um evento que sempre denota um problema grave, mas raramente é provocado por manutenção malfeita”, explica.
O mais usual, segundo o engenheiro eletricista, é uma sobrecarga nos circuitos provocar as falhas nos equipamentos. “O problema não é uma rede malconservada, mas uma rede frequentemente sobrecarregada. As sobrecargas provocam estresse no isolamento e posterior falha por curtos-circuitos, liberando enorme energia durante o defeito. Nas redes subterrâneas temos fumaça, incêndios e explosões como consequências diretas de uma rede projetada sob o conceito de ‘mais barata’ e operada sem respeitar os limites de carregamento”, explica Rangel.
O engenheiro destaca que não há equipe de manutenção que consiga resolver um problema crônico de carga imposta aos componentes de rede quando o consumidor bem entender. Este aumento de carga, que não consegue ser suportado pelos cabos das redes, geralmente baseado em fatores de demanda tabelados há décadas, inicia um processo de decomposição no isolamento dos equipamentos elétricos da rede de distribuição que resulta em falhas futuras. De acordo com Rangel, o investimento pode empurrar o problema mais para a frente, pois novos e maiores equipamentos aliviarão os existentes, mas, com o crescimento das cidades, ele acabará por aparecer novamente.
Neste sentido, a solução, de acordo com engenheiro, seria adotar a rede de dispositivos de proteção, que, no entanto, acarretaria o desligamento dos equipamentos para a preservação da rede. Posto isto, questiona Rangel: se a avaliação das concessionárias é feita pela Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), com base em continuidade de fornecimento com índice DEC – Duração equivalente de interrupção por unidade consumidora – e FEC – Frequência equivalente de interrupção por unidade consumidora –, quem vai então propor este desligamento? “Todos ficam pressionados em produzir sem parar e, como consequência, os riscos para a população aumentam”, diz. Para resolver o problema, o ideal, segundo Rangel, seria dotar o contrato de concessão de obrigações à concessionária com itens de proteção que tornem a rede mais segura para a população. “Hoje o foco está na continuidade operacional e não há impedimento à concessionária empregar a configuração mais barata e insegura para a população”, diz.
Outros especialistas são ainda mais críticos em relação ao trabalho realizado pelas distribuidoras de energia elétrica do país junto à população. Alguns deles afirmam que a postura das concessionárias diante de sua rede pode ser resumida à poda de árvores e a medir e cobrar bem a energia elétrica consumida. Isto pode ser exemplificado com os investimentos destinados à implementação de redes inteligentes, que, muitas vezes, se restringem à instalação de medidores inteligentes. Assim, grosso modo, não haveria por parte das concessionárias uma preocupação com a qualidade de energia, mas sim com o simples fornecimento.
No que concerne aos processos de manutenção propriamente ditos, eles são, segundo especialistas, avaliados, de modo geral, de acordo com dois critérios: o primeiro é o custo dos ativos. Por este ângulo, a manutenção corretiva, que é realizada após o dano, é direcionada aos equipamentos com baixo custo. O segundo critério é a relevância do ativo, ou seja, se ocorresse a falha neste equipamento, qual seria sua importância e repercussão.
O engenheiro eletricista e especialista em manutenção de sistemas elétricos, diretor da Techmarc Engenharia, Marcelo Paulino, destaca, por sua vez, que o regime de manutenção (periodicidade, tipo e qualidade do teste) por parte das distribuidoras está atrelado também à tecnologia agregada à instalação. Ou seja, dependendo da tecnologia utilizada na rede de distribuição, o técnico empregado para realizar o serviço terá uma melhor postura, melhor formação e um conhecimento mais aprofundando da rede. Neste sentido, Paulino chama atenção também para as diferenças de realidades envolvendo as distribuidoras do país, às vezes em uma mesma região. Por exemplo, no Nordeste, segundo ele, há concessionárias com alto grau de tecnologia instalada e outras empresas que não têm agregação de tecnologia.
Passando ao largo da discussão levantada por Rangel, o engenheiro eletricista, especialista em redes subterrâneas e diretor-executivo da RDS Brasil, Daniel Bento, afirma a importância do DEC (duração) e do FEC (frequência) para fundamentar a precariedade da rede e da manutenção que ela vem recebendo. “Esses dois indicadores revelam muita coisa”, diz. Assim, se uma concessionária apresentar um FEC alto e um DEC baixo, isto significa que há vários pequenos problemas afetando sua rede constantemente, como uma cruzeta podre, um isolador solto ou uma árvore encostando em um fio. “Não é nada grande”. Caso seja um DEC alto e um FEC baixo, isto significa que um grande problema afetou sua rede, mas que ele não costuma ocorrer com frequência. Pode ser que um grande transformador de uma subestação, componente de grande criticidade, tenha sido danificado. Neste caso, a equipe de manutenção demorará mais para realizar o reparo e, consequentemente, a distribuição de energia elétrica para os consumidores ficará prejudicada naquele período.
O problema maior, no entanto, segundo o diretor da RDS Brasil, é quando o FEC e o DEC são altos, pois, significa que vêm ocorrendo vários problemas de grandes proporções. Nesse cenário, de acordo com Bento, pode-se dizer que a rede é precária. A explicação para que uma rede tenha se tornado tão problemática passa por diversos motivos, entre os quais: a falta de investimentos em substituição de equipamentos, a falta de aparelhar melhor a equipe de manutenção; e a falta de pontos de manobra nessa rede – chaves estratégicas posicionadas -, pois com estes pontos, na ocorrência de um evento, a distribuidora consegue desligar a rede. Aqui, explica Bento, o melhor é que esse desligamento ocorra de maneira automatizada.
Citando dados da Associação Brasileira de Distribuidores de Energia Elétrica (Abradee), o engenheiro eletricista mostra que o DEC médio das distribuidoras brasileiras, que chegou ao patamar de aproximadamente 27 horas por ano em 1997, gira, na atualidade, em torno de 18 horas por ano, representando uma queda de 30%. Queda mais vertiginosa ocorreu com o FEC, que saiu de quase 22 interrupções por ano para cerca de 10 interrupções no mesmo período. Não obstante a diminuição dos índices, Bento acredita que estes números ainda são muito altos e faz questão de destacar que não se trata de negligência por parte das distribuidoras que todos os anos investem em modernização e manutenção da rede, até porque os índices influenciam na remuneração via tarifa das distribuidoras. Isto se deve, segundo ele, porque basicamente a rede de distribuição brasileira é aérea e este tipo apresenta um limite técnico.
“Se quisermos sair desses indicadores (baixá-los ainda mais), será preciso investirmos em redes subterrâneas”, argumenta o diretor da RDS, destacando que na Avenida Paulista ou na Praça da Sé, em São Paulo (SP), locais alimentados por redes subterrâneas de energia elétrica, o DEC e o FEC medidos são comparáveis a países da Europa. A Holanda, por exemplo, que possui 100% de sua rede distribuição enterrada, apresenta um DEC de 33 minutos e um FEC de 0,3. “É preciso ter redes com mais confiabilidade e isso só com redes subterrâneas”, sentencia o engenheiro eletricista, sublinhando que todos os elementos das redes enterradas são mais robustos, sendo os cabos isolados que a compõem mais preparados para qualquer intempérie.
O grande obstáculo para a maior difusão desse tipo de rede no país é o alto preço de sua instalação e manutenção em comparação com a redes aéreas. Bento concorda com isso, mas argumenta que as redes áreas brasileiras são muito ruins mesmo comparadas com outras redes áreas do mundo e que a interrupção de energia causada por elas também é cara, pois interfere na produção do país. Nesse sentido, precisaria haver subsídios por parte do Governo para que a tecnologia se espalhasse, ou pelo menos, segundo o diretor-executivo, a adoção de critérios técnicos, como, por exemplo, a instalação de redes subterrâneas em locais com alta concentração de carga.
Distribuidoras de energia elétrica
O diretor de obras e manutenção da AES Eletropaulo, William Fernandes, faz questão de salientar, primeiramente, que não há obrigatoriedade estipulada em contrato para a troca de equipamentos da rede, seja ela distribuição aérea, subtransmissão ou redes subterrâneas. Não obstante, a rede da AES Eletropaulo não é antiga, segundo Fernandes, pois a distribuidora realiza planos anuais de manutenção baseados em taxas de falha e na confiabilidade do equipamento, seguindo normas e critérios técnicos estabelecidos pelas entidades responsáveis e por fabricantes.
Fernandes relata que a empresa realiza os três tipos de manutenção previstas: a corretiva, de caráter emergencial; a preditiva, basicamente constituída por inspeções instrumentais, não invasivas; e a preventiva, que atua antes de a falha ocorrer. Segundo o diretor, não existe prioridade, mas sim critério. Um transformador instalado em um poste tem uma complexidade distinta de um transformador de uma subestação, por isso, de acordo com normas técnicas nacionais e internacionais, apresentam um tipo de manutenção diferente. Em relação à periodicidade da manutenção, Fernandes diz que ele dependerá da criticidade do equipamento. Logicamente, segundo ele, um transformador de uma subtransmissora, que atende a dez mil unidades consumidoras, é mais crítico do que um transformador de uma rede de distribuição que leva energia a 150 unidades consumidora.
Um dos maiores ofensores das redes área da concessionária é, conforme o diretor de obras e manutenção da distribuidora, a árvore. “A questão arbórea é responsável por cerca de 55% de nossas ocorrências”, diz. Por isso, a concessionária investiu nos anos de 2015 e 2016, R$ 500 mil anuais em podas de árvores. Fernandes enfatiza que AES Eletropaulo não apresenta problemas relacionados a equipamentos obsoletos e sobrecargas, haja visto que realiza muitos investimentos em inovação na rede, como novas tecnologias, procedimentos, equipamentos e ferramentas. Segundo o diretor, a empresa investe cerca de R$ 200 milhões por ano para ter uma rede adequada. Além disso, mais de R$ 70 milhões anuais em novas tecnologias e melhorias, tais como digitalização e automatização do sistema. A equipe de manutenção da AES Eletropaulo (própria e terceirizada) é composto por quatro mil profissionais, entre técnicos e eletricistas.
Do mesmo modo que Fernandes, o superintendente de Operação e Manutenção de Distribuição da Cemig, Danilo Gusmão, afirma que não há obrigatoriedade de troca dos equipamentos, sendo esta feita pela distribuidora em função do desempenho. “O regulamento diz que cabe à distribuidora manter os equipamentos aptos para sua função”, explica. A frequência e o custo da manutenção também são motivadores. Conforme Gusmão, se estiverem ficando fora dos padrões aceitáveis pela concessionária, eles devem ser trocados.
Os tipos de manutenção, de acordo com o superintendente da Cemig, variam de acordo com o ativo. “Dependendo do ativo só ocorre a manutenção corretiva”, diz. Em um isolador, por exemplo, segundo Gusmão, é muito difícil verificar de forma preventiva se haverá uma falha. O mesmo acontece com um transformador de rede. Devido à capilaridade da rede da Cemig – são 500 mil quilômetros – e, consequentemente, à quantidade transformadores desse tipo instalados, torna-se muito difícil trabalhar preventivamente, conforme o superintendente. Já, no que se refere a transformadores de subestações, por georreferenciamento, a Cemig consegue atuar de maneira preventiva, fazendo coleta e análise de óleo isolante, assim como análises termográficas para verificar se os equipamentos estão sobreaquecendo.
A respeito de problemas relacionados à sobrecarga, Gusmão enfatiza que, nas redes subterrâneas da Cemig, eles não ocorrem, já que é feito um monitoramento constante. Já nas redes áreas, segundo ele, em algumas situações pode ocorrer sobrecarga no circuito secundário do transformador, devido, na maioria das vezes, a ligações novas. “O próprio cliente aumenta a carga, com o uso do ar condicionado, por exemplo. E ele não é obrigado a notificar a distribuidora que irá fazer isso”, diz. Nesse sentido, são cargas que são adicionadas ao sistema da distribuidora sem ela mesmo ter ciência. Gusmão explica que este aumento se dá mais no verão, em residência, ou em áreas rurais, por conta da mecanização da lavoura ou da industrialização da produção por parte de um cliente. A previsão de aumento de carga só acontece junto a consumidores industrias, que precisam refazer seu contrato de demanda e notificam a distribuidora, que recalcula e faz os investimentos necessários para a nova carga.
Para o processo de manutenção de ativos da rede de distribuição, a Cemig conta com dois mil empregados, entre terceirizados e próprios, e mais 450 funcionários para a realização de serviços em subestações e linhas. A concessionária investe, segundo Gusmão, cerca de R$ 300 mil por ano, em manutenção corretiva, preditiva e preventiva.
Respostas de 3
O eng. Estellito Rangel mostra de forma clara que a atual concepção de redes de distribuição em média tensão com cabos nús é uma solução imposta pelo menor preço à concessionária, mas que em contrapartida sujeita o sistema a diversos problemas, e até tem causado a morte de centenas de pessoas. Vi no LinkedIn um artigo dele e concordo que esta rede sem proteção contra contatos acidentais é inaceitável no século 21.
Muito boa a matéria, só que não é bem assim, trabalho com instalação elétrica a mais de 35 anos em São Paulo, e o que mais se vê nas redes em especial da Eletropaulo, são transformadores antigos e sem manutenção, com vazamento nas buchas, analise do oléo nem pensar, muito problema de sobre tenção, onde a mesma não assume o erro, a três meses um transformador apresentou problema causando a queima de inúmeros equipamentos nas casas, comércios, e escola da região, a tensão chegou a 300V quase colocou fogo em uma residencia que foi necessário chamar o corpo de bombeiro.
Planilha de manutenção aceita tudo, mas as redes não!!!!
O aumento de instalação de energia solar em residências, pode causar essa sobrecarga de energia?