Análise da geração de energia da usina solar fotovoltaica do Mineirão

Caderno Renováveis – Agosto de 2016
Por Márcio Melquíades, Márcio Eli Souza, Bruno Lopes, Manuel Losada y Gonzalez, Wallace Boaventura e Eduardo Cardoso*

Os sistemas fotovoltaicos têm experimentado um enorme crescimento ao redor do mundo nos últimos anos. Segundo dados do relatório REN/21-2014, no final de 2013, a capacidade instalada de geração fotovoltaica era de 139 GW no mundo. Em 2004, era de apenas 2,6 GW. Contudo, não houve o mesmo avanço no Brasil. Este tipo de geração passou a ter uma maior divulgação a partir da publicação da Resolução Normativa 482 da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) em abril de 2012, que estabeleceu os procedimentos gerais para conexão à rede de mini e microgeradores. Desde então, houve um crescimento desse tipo de usina conectado à rede. Este crescimento deverá ser ainda maior com o aprimoramento desta resolução, ocorrida em novembro de 2015. Esta nova resolução permite a conexão de mini usinas fotovoltaicas de até 5 MW conectadas à rede de distribuição, enquadradas na categoria de minigeração distribuída. Houve também mudanças nas regras que facilitam o processo, como padronização de solicitações de acesso, redução no prazo para a conexão, além da possibilidade de geração compartilhada através de consórcios ou cooperativas.

Neste contexto, registra-se também crescimento da geração solar fotovoltaica, impulsionada pela diminuição dos custos de produção aliada ao avanço tecnológico do setor. Espera, portanto, um aumento significativo na participação deste tipo de geração nos próximos anos. Diversos estudos têm sido realizados através de medições e simulações com o objetivo de avaliar o desempenho energético e o impacto desta tecnologia na qualidade de energia.  Alguns estudos realizados indicam um comprometimento da qualidade da energia devido à inserção de usinas solares. Entretanto, ainda há pouca experiência deste tipo de fonte de energia no Brasil. Neste artigo é apresentado um estudo realizado a partir de dados obtidos durante medições contínuas durante um ano na Usina Solar Fotovoltaica (USF) do Mineirão em Belo Horizonte.

O Estádio do Mineirão e sua USF

O Estádio do Mineirão está localizado na região da Pampulha, em Belo Horizonte, possuindo uma capacidade de público atual de 58.170 pessoas. O Estádio integra-se ao conjunto arquitetônico da Pampulha e, por isso, sua fachada é tombada pelo Conselho do Patrimônio Histórico de Belo Horizonte. O Estádio foi escolhido para ser uma das sedes da copa do Mundo FIFA 2014. Para isto, passou por uma ampla reforma, quando foi construída pela Cemig, em sua cobertura, a USF.

O estádio tem um formato oval, com uma cobertura em concreto. Esta cobertura é dividida em 88 áreas distintas, denominadas de segmentos, separadas por vigas invertidas. Uma vista área com estes espaços é mostrada na Figura 1.

ed-128_renovaveis-solar_fig-1Figura 1 – Vista aérea da USF Mineirão. Fonte [5].

Nestes segmentos foram instalados painéis fotovoltaicos formando vários strings. Devido às restrições de interferência na fachada do estádio, os painéis não puderam ser elevados, o que os tornariam visíveis a um observador externo. Na posição instalada, os painéis ficaram sujeitos a sombreamentos durante algumas horas do dia. Assim, optou-se por utilizar inversores do tipo string inverters, ou seja, inversores de pequena potência, normalmente utilizados em instalações comerciais de menor porte. Estes inversores possuem três MPPTs independentes, sendo um para cada arranjo (fase). Desta maneira, o inversor consegue injetar potências diferentes em cada uma das fases, permitindo trabalhar com a máxima potência disponível em cada arranjo. Além das diferenças de potência gerada devido a eventuais sombreamentos, há também duas combinações possíveis de arranjos de painéis nos diversos inversores devido à diferença de área entre as diversas seções da cobertura do estádio. Por conta da não elevação dos painéis, há grande diferença de sombreamento dos painéis nos diversos horários e também nas diversas estações do ano.

Contudo, apesar de haver uma associação relativamente elevada de inversores em desequilíbrio, buscou-se um balanceamento de fases, de modo que a USF opere razoavelmente equilibrada.

Existem oito salas de inversores com onze inversores em cada sala. Estas são denominadas de salas técnicas (ST). As STs são conectadas a duas subestações (SE) elevadoras de tensões de 380 V para 13,8 kV. Cada SE tem um transformador de 750 kVA e está conectada a quatro STs.

Uma SE é denominada de SE Norte e a outra de SE Sul em função da posição geográfica onde estão instalados os painéis solares e as SEs.

Conexão à concessionária

O Estádio do Mineirão é alimentado por duas linhas de distribuição subterrâneas (LDS) exclusivas (ramais expressos) em 13,8 kV a partir das SEs Maracanã e Pampulha. A primeira LDS é a responsável pela alimentação do Estádio Mineirão como alimentador principal, enquanto a segunda LDS fica como reserva para o caso de falha da primeira. Há um barramento de comutação dessas duas LDS na SE de conexão do estádio com a rede da concessionária. Esta SE tem duas saídas de energia, sendo uma para o próprio estádio e uma para a USF. Desde a inauguração da usina não houve necessidade de mudança no ramal que atende ao estádio, sendo este ligado sempre na SE Maracanã.

Medições no estádio

As medições foram iniciadas no período de testes na usina, ocorridos no início de 2014. Entretanto, neste período, houve diversos problemas que impediram medição contínua desde o início, tais como a queima de equipamentos de medição e proteção, as dificuldades de acesso durante o período da copa do Mundo e o desligamento da usina. Somente a partir de setembro de 2014 foi possível realizar medições de forma contínua no ponto de conexão com a rede da concessionária e nas duas SE da usina. Desde então, foram feitas medições pontuais e temporárias em outros pontos da usina, como na saída de alguns inversores, na conexão das salas técnicas e na SE da concessionária (SE Maracanã). Neste artigo são apresentados os resultados das medições realizadas no ponto de conexão da usina com a rede da concessionária juntos aos medidores de fronteira, considerando o período de 1º de outubro de 2014 a 30 de setembro de 2015. Sendo assim, a energia medida corresponde à energia gerada no período menos as perdas internas da usina, como perdas nos cabos, perdas nos transformadores e consumo dos equipamentos próprios da usina. Para facilitar a visualização dos gráficos, os dados foram ordenados de janeiro a dezembro.

As medições foram realizadas utilizando analisadores digitais de qualidade de energia. O medidor possui classe de exatidão de 0,1% de tensão e de 0,5% para a corrente. Sua taxa amostral é de 500 amostras por ciclo e conversor analógico digital de 16 bits. Nele foram registradas diversas grandezas, como: potência ativa, reativa e aparente, tensão, corrente, fator de potência, Distorção Harmônica Total de tensão (DHT-V), Distorção Harmônica Total de Corrente (DHT-I), módulos e ângulos de harmônicos de tensão e corrente (ímpares até 49º ordem e pares até a 14º ordem). Foi utilizado intervalo de integração de cinco minutos.

Dados meteorológicos

Foram utilizados dados históricos da estação Pampulha do Instituto Nacional de Meteorologia. Esta estação fica situada a aproximadamente de 2,5 km de distância do estádio.

Resultados de medições

Na Figura 2 são mostrados valores de potência total medida durante o período analisado. Percebe-se que a menor potência média mensal gerada ocorreu no mês de junho. Nota-se também uma interrupção na geração ocorrida durante três dias no mês de novembro devido a um desligamento da usina.

ed-128_renovaveis-solar_fig-2Figura 2 – Potência total gerada

ed-128_renovaveis-solar_fig-3Figura 3 – Potência gerada x radiação

Na Figura 3 são mostradas a curva da potência máxima diária e a curva da radiação solar máxima diária. Percebe-se que a menor radiação ocorre exatamente no período de menor geração. Contudo, não se percebe uma relação direta durante todo este período. Foi feita uma análise utilizando o coeficiente de correção. O módulo do coeficiente de correlação varia entre 0 (baixa correlação) e 1 (forte correlação entre as grandezas). Fazendo a correlação entre a potência gerada e a radiação solar máxima, obtém-se os seguintes valores:

Tabela 1 – Correlação entre radiação e potência
ed-128_renovaveis-solar_tab-1

Pela Tabela 1 percebe-se que há uma maior correlação entre a radiação máxima e a potência máxima no primeiro semestre. Na Figura 4 é mostrado o gráfico da energia (kWh) produzida por mês no período analisado. Os meses com maior geração foram os meses de janeiro, outubro e novembro, respectivamente.

ed-128_renovaveis-solar_fig-4Figura 4 – Energia gerada em um ano

Tabela 2 – Energia total gerada
ed-128_renovaveis-solar_tab-2

Na Tabela 2 é mostrada a energia total gerada, descontados as perdas e o consumo interno da usina no período noturno. Percebe-se que no segundo semestre a geração foi ligeiramente superior mesmo considerando o número de dias.

Esta maior geração pode ser explicada em parte observando a Figura 5, em que são mostradas a insolação e a precipitação pluviométrica no local. Percebe-se um maior volume de chuva no primeiro semestre.

ed-128_renovaveis-solar_fig-5Figura 5 – Insolação e precipitação

A Figura 6 exibe a energia gerada diária e a curva da radiação solar medida no mesmo período.

ed-128_renovaveis-solar_fig-6Figura 6 – Energia diária e radiação solar

Percebe-se uma menor variação da energia total diária gerada nos diversos meses do ano. Pela Tabela 3 nota-se uma grande correlação entre a energia gerada e a radiação solar, sendo esta mais acentuada no primeiro semestre.

Tabela 3 – Correlação entre radiação e energia
ed-128_renovaveis-solar_tab-3

Na Figura 7 é mostrada a curva da energia gerada em função das temperaturas mínimas e máximas diárias. A Figura 8 apresenta a geração de energia em função da insolação diária (horas de sol por dia). Como esperado, percebe-se que há uma forte correlação entre a geração e a insolação.

ed-128_renovaveis-solar_fig-7Figura 7 – Energia gerada e a temperatura

ed-128_renovaveis-solar_fig-8Figura 8 – Energia gerada e insolação diária

Na Tabela 4 é mostrado o coeficiente de correlação da insolação diária com a energia gerada. Neste caso, a correlação foi ligeiramente superior no segundo semestre.

Tabela 4 – Correlação entre insolação e energia
ed-128_renovaveis-solar_tab-4

O estudo das correlações e a análise dos gráficos permitem avaliar se a disposição dos painéis na cobertura, acompanhado a geometria oval do estádio, pode afetar a efetiva geração da usina. Nas próximas etapas desta análise será feita uma comparação entre a geração das duas seções da usina e avaliados também outros indicadores obtidos nas medições.

Conclusões

Neste artigo foram mostrados os resultados parciais de medições de energia gerada na USF Mineirão. Foram realizadas medições no ponto de conexão da usina com a rede durante o período de um ano. Foram observados os coeficientes de correlação entre a energia gerada os dados meteorológicos. A análise destes fatores permite avaliar se a disposição pouco convencional dos painéis influencia na geração de energia ao logo de um ano. Em alguns casos, esperava-se uma maior correlação entre energia gerada e fatores metrológicos.

Referências

[1] REN21 – 2014. Renewables 2014 Global Status Report. Paris. Disponível online em <http://www.ren21.net/ status-of-renewables/global-status-report>. Acesso em 05/01/2016.
[2] BRASIL. ANEEL – Agência Nacional de Energia Elétrica. “Resolução Normativa Nº 482, de 17 de Abril de 2012”.
[3] BRASIL. ANEEL – Agência Nacional de Energia Elétrica. “Resolução Normativa Nº 682, de 24 de novembro de 2015”.
[4] MARTIFER SOLAR, “Usina Solar Fotovoltaica USF-Mineirão”. Belo Horizonte – MG, 2013.
[5] A. Monteiro Júnior, Modelagem da usina fotovoltaica do Estádio do Mineirão para estudos de propagação harmônica, Dissertação de Mestrado do Programa de Pós-Graduação em Engenharia Elétrica da Universidade Federal de Minas Gerais – UFMG.
[6] CEMIG D, “Informação de Acesso para conexão da usina solar fotovoltaica Mineirão ao sistema elétrico de média tensão da CEMIG D”. Belo Horizonte – MG, 2011.
[7] CEMIG, “ND-5.31 – Requisitos para a conexão de Acessantes Produtores de Energia Elétrica ao Sistema de Distribuição Cemig – Conexão em Média Tensão”, Belo Horizonte, 2011.
[8] Instituto Nacional de Meteorologia. Série Histórica. Disponível online em < http://www.inmet.gov.br/> Acesso em 05/01/2016.


*Márcio Melquíades Silva é engenheiro eletricista, mestre em tecnologia pelo CEFET-MG e Doutor em Engenharia Elétrica pela UFMG. Participou de projetos de Pesquisa na UFMG. Desde 2006 é professor no CEFET-MG.
Marcio Eli Moreira de Souza é engenheiro eletricista, especialista em Sistemas Elétricos de Potência e mestre em Geração Distribuída pela UFMG (2014). É engenheiro sênior de tecnologia e normalização da Efficientia/Cemig. Coordenou o Grupo de Geração Distribuída da ABRADEE para elaboração das normas de conexão das distribuidoras. Coordenou a elaboração da norma de acesso CEMIG e gerenciou projetos de P&D Cemig/Aneel.
Bruno Marciano Lopes é graduado, mestre e doutorando em Engenharia Elétrica pela Universidade Federal de Minas Gerais. Trabalha desde 2006 na Gerência de Estudos Tecnológicos e Alternativas Energéticas da Cemig.
Manuel Losada y Gonzalez é graduado, mestre e doutor em Engenharia Elétrica pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Desde 1998 é docente do Departamento de Engenharia Elétrica da UFMG, tendo atuado na graduação e pós-graduação. Foi Membro do IEEE e atualmente é membro da Associação Brasileira de Eletrônica de Potência (ISOBRAEP) e membro do conselho de administração da Sociedade Brasileira de Qualidade de Energia Elétrica-SBQEE.
Wallace do Couto Boaventura possui graduação (1988) e mestrado (1990) em Engenharia Elétrica pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e obteve o título de Doutor em Engenharia Elétrica pela Universidade de Campinas (UNICAMP) em 2002. É professor do Departamento de Engenharia Elétrica da UFMG desde 1992.
Eduardo Nohme Cardoso é engenheiro eletricista, mestre pela PUC-RJ e doutor pela UFSC. Desde 1980 é docente do Departamento de Engenharia Elétrica da UFMG, tendo atuado na graduação e pós-graduação. Coordenou diversos cursos e projetos de P&D.

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