Edição 52, Maio de 2010
Desde 2003, está em vigor a norma NBR IEC 60439-1, que define parâmetros para conjuntos de manobra e controle de baixa tensão, e determina alguns procedimentos para conjuntos com ensaios de tipo totalmente testados (TTA) e conjuntos com ensaio de tipo parcialmente testados (PTTA).
Estes ensaios compreendem os seguintes testes: elevação de temperatura; propriedades dielétricas; corrente suportável de curto-circuito; grau de proteção; eficácia do circuito de proteção; distâncias de escoamento e de isolação; e funcionamento mecânico.
Com adesão voluntária, diversas empresas do setor se mobilizaram e lançaram equipamentos em conformidade com esta norma no Brasil, mas muitas ainda não adequaram seus produtos à norma por razões como o alto custo dos testes e baixa demanda do mercado.
Em março deste ano, a revista O Setor Elétrico realizou uma pesquisa com fabricantes e distribuidores de quadros e painéis e constatou que 70% do faturamento dessas empresas provêm de outros tipos de painéis. Os TTAs detêm apenas 13% de participação no faturamento dessas empresas e os PTTAs, 17%.
Resolvemos trazer o assunto para o debate deste mês. Nesse sentido, convidamos então especialistas para discutir a temática e sua efetiva aplicação no Brasil. Para isso, elaboramos algumas perguntas que são respondidas, a seguir, por cinco representantes do setor. São eles: o diretor técnico do Grupo CEI e presidente do Grupo de Fabricantes de Painéis de Minas Gerais (Gfape), o engenheiro eletricista Alexandre Magno d’Assunção Freitas; o supervisor de vendas da Afap, o engenheiro Flávio de Paula; o consultor de normalização e certificação da Schneider Electric, o engenheiro Luiz Rosendo Tost Gomez; o projetista Miguel Angel Dutra Lacroix; e o gerente de engenharia da VR Painéis, o engenheiro eletricista Odair de Souza Andreaça. Acompanhe a entrevista.
O conteúdo da norma NBR IEC 604391-1 já foi suficientemente assimilado e compreendido pelos diferentes atores do mercado (projetistas, instaladores, fabricantes, usuários, etc.)?
Alexandre Magno Freitas (Gfape e Grupo CEI) – Seguramente que não. Já presenciei inúmeros e longos debates sobre o tema e a maioria deles sem desfechos conclusivos à luz da boa técnica, da norma e principalmente do bom senso. Especificamente no conceito do PTTA, a norma, infelizmente, oferece possibilidades e cada parte a interpreta conforme sua conveniência. Não é incomum a seguinte cena: O cliente especifica um painel e determina que o produto deva ser fabricado conforme a norma e deva ser TTA. O instalador pesquisa no mercado e descobre que não há um TTA equivalente ao que foi projetado. O que fazer então? “Aceita-se um PTTA, não é o ideal, mas atende-se à norma…”. E aí começa a confusão. O cliente não consegue equalizar tecnicamente nem comercialmente as propostas. Cada instalador e/ou fabricante propõe uma solução técnica diferente com preços mais diferentes ainda. Finalmente, em boa parte dos casos, o cliente não recebe nada parecido com o que deveria ser o tecnicamente correto à luz da norma e na maioria das vezes paga mais caro por isso.
Flávio de Paula (Afap) – Não foi assimilado ainda. Esta norma traduz de forma não muito clara as características para painéis de distribuição de força e acionamento de cargas com painéis tipo CCM. Para painéis de automação, por exemplo, os ensaios citados na norma são incompatíveis com a característica do equipamento. Outro ponto é a similaridade para utilização da validação dos ensaios de tipo para os painéis TTA. Até que ponto um painel pode ser considerado “similar” a outro? Como esta condição é uma função empírica do projetista, fica muito vago até que ponto podemos afirmar que um painel TTA é igual a outro. Por exemplo, como podemos garantir que um CCM de 30 gavetas extraíveis com alimentadores de 160 A é “similar” a outro com 20 gavetas extraíveis com alimentadores de 250 A?
Luiz Rosendo (Schneider) – Para o mercado mais profissional, em obras em que a engenharia exerce um trabalho para a indústria de grande e médio portes, o conteúdo da norma foi assimilado de forma geral. Já para projetos menores, infelizmente, vemos que os projetos não definem a que normas os painéis elétricos devem atender. Porém, a cada dia, vemos a norma ser aplicada com mais frequência.
Miguel Dutra Lacroix (projetista) – A norma deveria ser mais desenvolvida em nível nacional, adequada às exigências do mercado e em conformidade com as exigências da NR 10.
Odair Andreaça (VR Painéis) – Ainda não. Vemos com muita frequência projetistas, instaladores, fabricantes e usuários que não fazem a exigência de que os painéis atendam à norma. Na maioria dos casos, não fazem nem menção a ela ou não questionam os fornecedores, até mesmo por desconhecer os critérios da norma e sua importância técnica. Observamos com maior freqüência apenas as grandes empresas serem mais firmes no pleno atendimento à NBR IEC 60439, como por exemplo, empresas do porte da Petrobras, da Vale, entre outras.
Todos os fabricantes de painéis, independentemente de seu tamanho, estão preparados para lidar no dia a dia com os requisitos da NBR IEC 60439-1 ou é preciso um tempo mais longo para que isso aconteça?
Alexandre Magno – Lidar com estes requisitos significa possuir produtos testados na sua concepção ou concepção de terceiros para ofertar ao mercado e ponto final. No primeiro caso, um levantamento de custos feito pelo Grupo de Fabricantes de Painéis de Minas Gerais (Gfape) para projetar, fabricar e testar sete protótipos diferentes de painéis conforme exigência da norma foi superior a R$ 900.000,00 e atenderiam como TTA cerca de 65% dos tipos de painéis normalmente comercializados. É difícil, senão impossível, para um fabricante de pequeno ou médio porte ter lastro para investir este valor para atender somente dois terços do seu mercado com soluções próprias de TTA e ainda aguardar de seis a oito anos para obter retorno total do seu investimento. No segundo caso, bem mais fácil, rápido e de baixo custo, a empresa se qualifica e se credencia junto a um grande fabricante e passa a ofertar exclusivamente as soluções dele e não as suas próprias e se transforma em um montador. A questão principal não está condicionada em dar mais tempo para os fabricantes se prepararem e sim em cobrar deles a difícil escolha entre um dos dois únicos caminhos que se apresentam.
Flávio de Paula – Acredito que a maturação do conhecimento dos fabricantes de painéis para aplicação da norma ainda necessita de tempo, pois os conceitos de similaridade, a aplicação da norma para este ou aquele tipo de painel e a execução de ensaios, ainda demandam discussão considerando que uma norma que deveria ser seguida por todos os painéis abaixo de 1.000 V deve ser válida para todos os painéis e não apenas para alguns tipos.
Luiz Rosendo – Inicialmente, somente os grandes fabricantes estavam preparados para atender aos requisitos e ensaios definidos na norma. Hoje existe uma grande quantidade de médios montadores de painéis preparados. Os grandes fabricantes elegeram como parceiros alguns médios montadores, possibilitando a eles montar uma linha de painéis TTA em suas fábricas, sob suas supervisões.
Miguel Dutra Lacroix – Sim, é preciso um tempo mais longo, além de uma melhor divulgação pelos órgãos competentes.
Odair Andreaça – Todos não, normalmente, só os grandes fabricantes atendem à norma, já que os custos para o desenvolvimento de um protótipo TTA ainda são bem expressivos. Desenvolver, por exemplo, um Quadro Geral de Baixa Tensão (QGBT) tipo TTA, somando-se custos de projeto, consultores, transportes, laboratórios e o próprio custo do invólucro e seus componentes, custa em média R$ 200.000,00, isso se não houver problemas com ensaios, reprovas, etc. Vale lembrar ainda que este é um único protótipo de uma única capacidade de curto e uma empresa de painéis trabalha com vários outros tipos de painéis (QGBTs, CCMs, QLs, Remotas e outros). Outro detalhe importante é que para se ter este tipo de produto, a própria cultura da empresa precisa ser diferente, implicando principalmente um corpo técnico bem qualificado, pois os critérios da norma têm que ser atendidos no dia a dia, em todos os painéis fabricados e não apenas nos painéis ensaiados.
O maciço uso de painéis que não são TTA nem PTTA, conforme revelou recentemente uma pesquisa da revista O Setor Elétrico, coloca as instalações elétricas em algum tipo de risco?
Alexandre Magno – Sempre defendi a ideia de que simplesmente montar e fornecer um painel TTA ou PTTA não garante, em hipótese alguma, a segurança da instalação. Não são somente os laudos de ensaios de tipo feitos em um protótipo que vão garantir a funcionalidade do produto que está sendo ofertado, mas também a qualidade da empresa que o monta e dos ensaios de rotina que são realizados em fábrica. Se esta empresa não for qualificada, especializada, não possuir um corpo técnico treinado e capacitado, não possuir um sistema de qualidade gerencial, de produto e de fabricação, nada poderá assegurar a isenção de riscos. Com certeza, painel elétrico fabricado por empresas desqualificadas colocam as instalações em risco. Quanto ao resultado da pesquisa, somente reafirma a total incapacidade (e não passividade) das empresas fabricantes em aplicar a norma, seja por razões financeiras, técnicas ou de mercado e este assunto deveria ser amplamente debatido pelas instituições competentes juntamente com as empresas do setor.
Flávio de Paula – O fato de os painéis não serem TTA ou PTTA segundo a norma só colocaria em risco uma instalação se o fabricante não tiver os critérios técnicos corretos para sua construção. A segurança da instalação em função do painel reside no fato de o fabricante utilizar produtos de boa qualidade, mão-de-obra especializada, projetos com critérios técnicos compatíveis com a instalação e execução dos ensaios de rotina, que podem ser efetuados em qualquer painel e podem seguir a norma NBR 60439.
Luiz Rosendo – Pode haver risco se o painel for exigido. Isso porque, sem testes, não se sabe qual será o comportamento do painel em situação de esforços eletrodinâmicos de curto-circuito, por exemplo. Nesse caso, pode haver até a destruição total dos suportes e separadores de barramento, além dos equipamentos instalados no dispositivo.
Miguel Dutra Lacroix – Acho necessário também aplicar a norma IEC 16641, de segurança, para arcos elétricos em painéis de baixa tensão.
Odair Andreaça – Pode haver riscos sim, por exemplo, se ocorrer um curto-circuito nos barramentos, dependendo da corrente, pode haver sérios danos aos materiais se os barramentos não suportarem os esforços térmicos e dinâmicos. Há a possibilidade ainda de ocorrer explosão do quadro elétrico, causando lesões sérias e até mesmo a morte das pessoas nas proximidades dos painéis. Fora isso, há outras desvantagens também a serem consideradas. Pode ocorrer excesso de aquecimento dos quadros, levando a problemas de funcionamento e a diminuição da vida útil dos equipamentos instalados no seu interior. Um painel não ensaiado não tem garantia nenhuma que irá atender os limites de elevação de temperatura previstos na norma, corrente suportável de curto-circuito, grau de proteção IP, propriedades dielétricas, etc.
Você entende que deveria ser instituída em curto prazo pelas autoridades alguma certificação obrigatória de painéis elétricos?
Alexandre Magno – Em conjunto com o SEBRAE, com o apoio do SENAI e da FIEMG, o Gfape discutiu e implantou ao longo de três anos um programa de qualidade específico para o setor de painéis elétricos. Com base na ISO 9001 e somando-se a ela requisitos específicos de produto retirados de diversas normas técnicas internacionais do segmento de painéis elétricos, este programa é auditado semestralmente pelo BVC em todas as dez empresas mineiras que possuem esta certificação. Depois de implantado e consolidado, o resultado alcançado foi e continua sendo visível em todas as empresas participantes e agrega evolução técnica e gerencial, aumento da qualidade do produto final, responsabilidade técnica, social e com o meio ambiente. Entendemos que a qualificação das empresas é fundamental para se alcançar a qualidade do produto e garantir ao cliente um produto montado em observância aos melhores conceitos técnicos, por meio de processos controlados e por empresas capacitadas.
Flávio de Paula – Acredito que o que deva ser certificado e fiscalizado pelo Crea é a estrutura de fabricação e projetos das empresas para garantir que estas sigam os preceitos técnicos de construção de painéis visando à garantia de qualidade e confiabilidade do produto. O que vemos no mercado é a utilização indiscriminada de painéis sem qualquer tipo de segurança e sem critérios de adequação para sua fabricação.
Luiz Rosendo – Conseguir a certificação compulsória de painéis elétricos é difícil porque o Inmetro regulamenta produtos que podem ser adquiridos por consumidores leigos e não os adquiridos por pessoas advertidas ou qualificadas.
Miguel Dutra Lacroix – Todas as instalações elétricas deveriam ser certificadas por profissional responsável devidamente registrado no Crea. Também deveria ser implementada no setor a norma IEC 62208 ou EN 50298: Requisitos Gerais para Invólucros Vazios.
Odair Andreaça – Na verdade não há mais prazo. A NBR IEC 60439 é a norma técnica brasileira que torna obrigatória a confecção dos painéis de acordo com os critérios por ela estabelecidos, além de outras leis e portarias que também remetem às normas técnicas brasileiras, como a NR 10, no item 10.1.2, e o Código de Defesa do Consumidor por exemplo. No caso de processos judiciais por danos morais, materiais, fatalidades etc., esta é a norma utilizada pelos meios competentes para avaliação técnica do produto, avaliação essa que irá balizar as decisões do judiciário no que se refere a conjuntos de manobra e controle de baixa tensão. Se um produto não atende às normas técnicas vigentes, há penalidades para os responsáveis, co-responsáveis, e envolvidos diretamente na aquisição e fabricação do respectivo painel, de acordo com a legislação brasileira em vigor.