A Geração Distribuída (GD) tem se consolidado ano após ano como o modelo de geração e consumo de energia elétrica com maior crescimento e importância estratégica para o Brasil. Esse avanço vem sendo possibilitado por novas tecnologias e soluções inovadoras, visando agregar cada vez mais valor aos mais de 90 milhões de consumidores atendidos pelas concessionárias de energia.
Nos últimos 5 anos, o setor de geração distribuída registrou um crescimento de 843%, segundo a Aneel (Agência Nacional de Energia Elétrica), após passar por resoluções normativas que culminaram, em 2022,no marco regulatório com a Lei 14.300. Essa legislação garantiu a segurança jurídica necessária para consolidação de um novo modelo de consumo e geração de energia com grande potencial de trazer maior eficiência,resiliência e fortalecer o setor energético como um todo.
Crescimento da Energia Solar no Brasil
Impulsionado pela GD, a adoção da energia solar no Brasil apresentou um crescimento impressionante de 970% nos últimos 3 anos, representando um aumento de 2% para os atuais 20,5% de capacidade instalada da matriz elétrica A solar tornou-se a segunda maior fonte energética do país, gerando mais de 1.4 milhões de empregos e evitando a emissão de 60 milhões de toneladas de CO2, segundo levantamento da Associação Brasileira de Energia Solar Fotovoltaica. Desse total, mais de 70% é proveniente da geração distribuída, representando mais de 33 GW de capacidade instalada no Brasil. Em 2023, o país superou os EUA e ficou apenas atrás da China em relação à capacidade incremental de energia solar instalada no ano.
Devido ao seu crescimento, o Brasil virou referência mundial em geração distribuída. As melhores oportunidades desse modelo estão em território brasileiro, e, não por acaso, grandes investidores institucionais têm tomado posições consideráveis, por meio de investimentos via equity e outras estruturas de financiamento, como CRIs e debêntures incentivadas, para entrada neste mercado, que têm ganho bastante popularidade na Faria Lima. Grandes empresas como Blackrock, Brookfield, Itaú, Santander, Ambev, Energisa, Vivo, Cemig, Neoenergia, EDP, Enel, Equatorial, inúmeras empresas de energia, family offices e fundos de Venture Capital do Vale do Silício e NY, são apenas alguns exemplos destes players que reconheceram as vantagens deste modelo no Brasil.
A “tempestade perfeita” fez com que as estrelas se alinhassem para que a GD se tornasse uma das classes de ativos com maior valor agregado, atraindo mais de 220 bilhões em investimentos nos últimos anos graças à sua alta rentabilidade e previsibilidade. O fundamento técnico que sustenta esse valor é evidente: o Brasil possui uma das maiores irradiações solares e tarifas de energia do mundo, que, combinadas à vasta disponibilidade de terras baratas, ao significativo ganho de eficiência e ao aumento da vida útil dos painéis solares nos últimos anos, tornam este setor extremamente promissor. Além disso, o marco regulatório de 2022 converteu a GD em um ativo extremamente atrativo, com payback relativamente curto em relação ao perfil do investimento.
Atrativo por se tratar de um ativo real indexado ao preço da energia, que entre 2013 e 2022 aumentou 140% – 70% acima da inflação no mesmo período – serve também como uma proteção contra inflação, além de oferecer renda previsível, graças a baixa complexidade operacional e tecnologias avançadas que conseguem fazer uma previsão assertiva do recurso solar na região específica onde a usina solar será implementada.
Com o amadurecimento do setor, surgiram empresas especializadas na gestão dessas usinas de GD, focadas em gerar a rentabilidade prevista do ativo. Neste modelo de geração compartilhada, essas usinas – conhecidas como fazendas solares – oferecem energia limpa e mais barata ao mercado consumidor de mais de 90 milhões de estabelecimentos e residências em todo Brasil, terceirizando a gestão da energia e dos clientes para tais empresas especializadas no modelo de geração compartilhada.
Por exemplo, um comerciante com uma padaria no centro urbano, sem espaço no telhado, pode optar por receber energia de uma usina solar da sua região, sem a necessidade de instalar placas solares próprias. Com isso ele pode economizar até 20% na sua conta de luz, enquanto o proprietário da fazenda solar consegue rentabilizar seu ativo. Um verdadeiro ganha-ganha para todos.
O modelo de Geração Compartilhada: democratizando a Energia Solar
A geração compartilhada, conhecida internacionalmente como “community solar”, já carrega em seu nome a essência de seu maior objetivo: o empoderamento do consumidor de energia, dando-lhe a liberdade de escolha sobre a origem de seu consumo de energia. Além disso, a economia colaborativa desse modelo promove a verdadeira democratização da energia solar, sem favorecimentos ou exclusões. Pessoas jurídicas (comércio e indústria) e físicas (residências) têm o mesmo acesso e oportunidade de fazer parte das “comunidades solares”, independentemente de serem proprietários ou inquilinos, do segmento em que atuam, da renda per capita, do faturamento ou da taxa de mortalidade do negócio.
No Brasil, o mercado de energia é amplamente monopolizado, regulado e comoditizado: 99% dos consumidores de energia elétrica não têm a opção de escolher a origem ou o fornecedor de energia. A GD nasceu para ocupar esse espaço e dar uma alternativa. Atualmente, o cliente é um mero pagador de conta de luz, preso a ineficiência do monopólio natural das concessionárias, que agregam pouco valor além da entrega da energia. Por outro lado, as empresas de geração distribuída chegam para ocupar essa lacuna que as concessionárias não conseguem ocupar, colocando o consumidor de energia no centro das decisões, sendo a pergunta mais importante: o que é melhor para o cliente? A partir daí, essas empresas trabalham no desenvolvimento de tecnologias que entregam soluções mais eficientes, personalizadas e escaláveis.
Desafios para a expansão da geração solar compartilhada
Apesar do olhar do mercado para esse modelo de negócio, a falta de conhecimento do público final sobre esta possibilidade de consumo energético limita atualmente o potencial de expansão. Poucas pessoas sabem que existem modelos de negócios, amparados por lei, que oferecem um serviço de energia solar permitindo o acesso à fonte renovável sem a necessidade de investimentos iniciais ou instalações de placas solares próprias. Como ocorre com muitas inovações, esses serviços frequentemente enfrentam desconfiança no início, semelhante ao que aconteceu com a Uber no começo de sua operação ou de qualquer tecnologia disruptiva que quebra hábitos e paradigmas.
Além da falta de familiaridade, há também a resistência das concessionárias e o lobby contrário à GD, que não conseguem priorizar o seu cliente como centro das decisões e, por isso, continuam a se opor a inovações que incentivem a GD, em um esforço para proteger seus modelos de negócios estabelecidos e garantir a continuidade do seu status quo.
Benefícios e oportunidades da GD
Porém, a implementação em larga escala da GD também oferece inúmeros benefícios para o sistema elétrico tradicional. O fornecimento próximo ao local de consumo reduz as perdas de energia associada ao transporte e à distribuição em longas linhas de transmissão, gerando economias e eficiência significativas nos custos de infraestrutura e manutenção da rede elétrica. Fora isso, ao integrar usinas solares distribuídas, a matriz de fornecimento se torna mais descentralizada e menos vulnerável a falhas em pontos únicos. Assim, é possível reduzir a dependência de grandes fontes, como hidrelétricas e termelétricas, e aumentar ainda mais a resiliência da rede.
No entanto, a intermitência e variabilidade da geração solar são desafios que não podem ser ignorados. A geração solar depende da disponibilidade da luz do sol, que varia ao longo do dia e é afetada pelas condições climáticas. Para lidar com essas flutuações, soluções de armazenamento de energia, como baterias, são essenciais. Essas tecnologias armazenam o excesso de energia solar durante períodos de alta geração e a liberam durante períodos de baixa geração, garantindo um fornecimento de energia estável e confiável.
Resistência e modernização da infraestrutura
Por envolver questões políticas, econômicas e técnicas, a implementação e operação da GD pelas distribuidoras segue sendo um desafio complexo. Para superar essas barreiras, é essencial implementar políticas adequadas e realizar investimentos estratégicos em infraestrutura para a modernização da rede elétrica, visando acomodar instalações solares distribuídas, pois a infraestrutura atual das redes foi projetada principalmente para conectar fontes de geração centralizada, como hidroelétricas e termoelétricas.
Sendo assim, a difusão de conhecimento e a adaptação são componentes fundamentais para a transição para um futuro energético resiliente e sustentável. E cabe a todos os atores do setor — governo, empresas, consumidores e órgãos reguladores — trabalhar de forma colaborativa para alinhar interesses e acelerar essa integração, impulsionando o país rumo a uma matriz energética mais diversificada e eficiente
Sobre o autor:
Ivo O. Pitanguy é fundador e CEO da Nextron, com mais de 13 anos de experiência no setor de energias renováveis. Liderou investimentos e a gestão de mais de 2 GW de projetos renováveis na Europa, EUA, Índia e Brasil. Foi analista financeiro da gestora inglesa Foresight Group, e diretor de finanças estruturadas da gestora americana Ahana Renewables, vendida à Blackrock em 2018. No Brasil, foi sócio-diretor da Mori Energia, maior player de geração distribuída solar do Brasil, onde liderou o desenvolvimento da plataforma de geração compartilhada de energia Sou Vagalume, ambas empresas adquiridas pela Comerc Energia em 2021.