A hora e a vez do autoprodutor

O cenário energético global passa por importantes transformações, com destaque para as formas renováveis de geração, mais eficientes e distribuídas, que visam abastecer um mercado consumidor de energia elétrica novo, intenso e célere, alinhado com todas as inovações tecnológicas, que vão desde a digitalização das unidades de consumo, até a utilização de veículos elétricos. 

No Brasil, não tem sido diferente, com destaque para a micro e minigeração distribuída (a “MMGD”), por fonte solar fotovoltaica, que atingiu 29GW de potência instalada, o que equivale, apenas a título de comparação, ao dobro da potência instalada da Usina Hidrelétrica de Itaipú. 

A principal disrupção causada pela MMGD reside no fato de que os consumidores têm hoje a possibilidade de gerar sua própria energia, seja junto à carga ou remotamente, por meio de equipamentos próprios ou alugados, trazendo economias significativas, em razão da não aplicação de tributos, reajustes tarifários e aplicação das bandeiras tarifárias. 

Sabidamente, até pouco tempo, não existia outra opção para o seu abastecimento de energia elétrica, pois dependia inteiramente do mercado cativo, que consiste no fornecimento de energia elétrica e pagamento apenas às distribuidoras, de acordo com suas áreas de concessão. Em virtude de todas essas vantagens, existem hoje mais de 2 milhões e meio de consumidores com sistemas de geração distribuída conectados às redes de concessionárias, no âmbito do Sistema de Compensação de Energia Elétrica (o “SCEE”), anteriormente previsto pela REN 482/2012, e agora, revisado para a Lei 14.300/2022, conforme dados fornecidos pela ANEEL.  

Como já falamos em colunas passadas, este crescimento exponencial da MMGD, inclusive, deu origem a recentes e acaloradas discussões acerca das novas regras a serem aplicadas ao SCEE (com o recente advento da Lei 14.300) e os eventuais encargos a serem cobrados em função do uso da rede, o que gera, não só insegurança regulatória para novos empreendimentos, como desgastam a relação entre consumidores e distribuidoras, freando investimentos e este crescimento exponencial do setor de geração distribuída ocorrido nos últimos anos. 

De forma prática e irreversível, esta é, portanto, a tendência atual mais clara nos consumidores de energia – a geração própria de energia. Entretanto, gerar a própria energia não é benefício (ou intenção) de consumidores residenciais ou atendidos por concessionárias de distribuição.

Neste contexto, o mercado livre de energia vive um atual momento bastante propício para a penetração da energia solar, tal qual ocorreu com o mercado cativo e a geração distribuída. Uma vez que os custos de energia sofreram reiterados e severos reajustes, nos últimos anos (decorrência da crise hídrica), cada vez mais consumidores livres de energia optam pela geração própria de energia – a chamada autoprodução de energia (“APE”).


¹ https://app.powerbi.com/view?r=eyJrIjoiZjM4NjM0OWYtN2IwZS00YjViLTllMjItN2E5MzBkN2ZlMzVkIiwidCI6IjQwZDZmOWI4LWVjYTctNDZhMi05MmQ0LWVhNGU5YzAxNzBlMSIsImMiOjR9


Conceitualmente, autoprodutor é a pessoa física ou jurídica ou empresas reunidas em consórcio que recebam concessão ou autorização para produzir energia elétrica destinada ao seu uso exclusivo, podendo, mediante autorização da ANEEL, comercializar seus excedentes de energia.

A figura do autoprodutor de energia no Ambiente de Contratação Livre (o “ACL”), o chamado mercado livre de energia, igualmente, vive seus momentos de mudanças e de aprimoramentos (nada de novo até aqui), todavia, é um mercado mais maduro e acostumado a estritos regulamentos e complexidades técnicas, em especial no âmbito do Projeto de Lei 414, que trata da abertura e modernização do setor elétrico como um todo.

Pois bem, conforme o artigo 2º do Decreto nº 2.003/96, considera-se como autoprodutor de energia elétrica, a pessoa física ou jurídica ou empresas reunidas em consórcio que recebe, concessão ou autorização, para produção de energia destinada ao seu uso exclusivo. 

Como observa-se, os autoprodutores possuem como finalidade a geração de energia elétrica voltada para o consumo próprio, enquadrando-se para fins de qualificação na Câmara de Comercialização de Energia Elétrica (CCEE), como agentes da categoria de geração. 

Como se trata de geração própria de energia, seguindo a tendência dita acima, cada uma dessas centrais necessita de dados de leitura e regularizações específicas, a fim de padronizar e controlar adequadamente suas gerações e consumos. Outro fato importante a ser destacado, é que o APE pode vender seus excedentes de energia gerados no mercado livre de energia (ACL), segundo o parágrafo único do art. 6 “[..] Os outorgados sob o regime de autoprodução de energia elétrica estão autorizados a comercializar os seus excedentes de energia na forma do inciso IV do art. 26 da Lei nº 9.427, de 26 de dezembro de 1996.”, e isso, por si só, já admite a formação de novos e mais sofisticados modelos de negócios. 

Percebe-se, portanto, que a injeção de energia na rede da concessionária é contabilizada não como créditos de energia, mas sim como um produto (TE) a ser comercializado no ambiente de contratação livre (ACL) a valores de mercado (preço horário).  

Na resolução normativa N° 921, de 23 de fevereiro de 2021, é inserido e devidamente explicado como se configura e se declara um autoprodutor de energia, incluindo seus direitos e deveres. Como dito, podem ser incluídas pessoas físicas ou jurídicas, por meio de consórcios que possuem o objetivo comum de uma implantação ou exploração de centrais geradoras elétricas próprias. Essas centrais podem ser de energia eólica, os EOL (Central Geradora Eólica), energia hidráulica, os PCH (Pequenas Centrais Hidrelétricas) ou de energia solar, os UFV (Central Geradora Fotovoltaica). 

Assim, um conceito de autoprodução que surgiu no início dos anos 90 (destinado e restrito a empreendimentos centralizados construídos e geridos por corporações eletrointensivas, em especial siderúrgicas e montadoras com gerações hidráulicas remotas), com o advento da tecnologia solar e custos compatíveis, vivencia um atual momento curioso: a tecnologia solar no mercado livre alcança seu grande concorrente e inibidor de expansão – o preço da energia no mercado livre. 

Caso se considere que, no cenário atual, a geração solar tem custo igual ou inferior que a aquisição de energia por meio de contratos CCEALs (Contrato de Compra de Energia no Ambiente Livre), especialmente em aplicações na carga, onde a simultaneidade entre curva de carga e curva de geração favorece a autoprodução de energia, não por acaso, a geração solar, igualmente tem momento favorável no mercado livre de energia.

Os benefícios são econômicos e viabilizados graças a uma convergência de fatores rara em um país de custos crescentes: tecnologia com custos decrescentes, descontos e exonerações tarifárias/setoriais (PROINFA, CDE e CCC) e repercussões tributárias que trazem para o concorrido mercado livre de energia as vantagens da geração solar descentralizada (ou “distribuída”).

É importante lembrar também que há obrigações, como a cobertura de custos e implementações, por parte do outorgado, como também a obrigatoriedade de participação dos sistemas de transmissão e distribuição nacionais, do pagamento das cotas mensais da Conta de Consumo de Combustíveis Fósseis – CCC, da Taxa de Fiscalização de Serviços de Energia Elétrica e dos impostos das já citadas redes de transmissão e distribuição, as TUST e TUSD. 

Aqui entram os conceitos de Energia Evitada Vs. Energia Comprada. Para os consumidores que possuem autoprodução de energia junto à carga e a aferição do consumo é líquida, o que logo de início limita o autoprodutor ao pagamento de encargos setoriais e tributos que usualmente são cobrados sobre o consumo de energia elétrica adquirida de terceiros, seja no âmbito do mercado cativo ou livre. 

Diferentes estruturações e gestão energética tem ainda o condão de otimizar os benefícios trazidos ao autoprodutor, tais como a compra no mercado livre do déficit não produzido ou da venda da energia excedente. Não obstante, a notória a liquidez do mercado financeiro e a disponibilidade de crédito em condições facilitadas para empreendimentos de energia, o que atrai cada vez mais consumidores de energia interessados em tornarem-se autoprodutores, seja por meio de ativos próprios, ou de ativos de terceiros, são as tendências de aumentos nos custos de energia e a facilidade na aplicação da tecnologia solar. 

Com essas ideias estabilizadas, passamos para os conceitos e implicações da energia evitada e comprada. Para uma boa percepção, os conceitos de energia comprada como LCOE (Levelized Cost of Electricity ou Custo Nivelado de Energia, em tradução livre) e de energia evitada como LACE (Levelized Avoided of Electricity ou Custo Evitado Nivelado de Energia). O primeiro é calculado como o custo necessário para construir e operar um sistema de geração, até obter uma receita positiva para gerar, no mínimo, 1MWh de eletricidade, dependendo da fonte alternativa a ser utilizada. 

Já o LACE calcula diretamente o custo evitado da energia gerada, ou, em outras palavras, precifica a escolha de não utilizar a reserva padrão para atender a demanda, injetando os MW’s produzidos pela fonte alternativa na rede de distribuição, “poupando” os MW’s das fontes tradicionais e os deixando de reserva na rede, caso ocorra uma explosão de demanda. 

Desta forma, o LACE abarca, genericamente, a soma de todos os custos evitados de uso das reservas tradicionais, conforme o tempo de atividade de planta de geração alternativa é dividida pela média de geração anual dessa planta. Esse resultado, em R$/MWh, é o informativo de qual o valor dessa nova planta e qual a vantagem de inseri-la no sistema de potência geral.

Com isso em mente, entendemos que a autoprodução deve ser a nova onda do mercado de energia (distribuída) descentralizada, principalmente para aqueles consumidores que tenham possibilidade de geração junto à carga, mas que exige maior conhecimento técnico do que a geração distribuída, diante de sua complexidade regulatória, jurídica, contábil e fiscal.


https://www.in.gov.br/en/web/dou/-/resolucao-normativa-aneel-n-921-de-23-de-fevereiro-de-2021-305704311

http://www.abesco.com.br/pt/o-que-e-uma-empresa-esco/ 

Levelized Costs of New Generation Resources in the Annual Energy Outlook 2021, EIA 2021

https://epbr.com.br/competitividade-das-fontes-eolica-e-solar-no-brasil-em-diferentes-horizontes-temporais-e-implicacoes-praticas

https://pt.linkedin.com/pulse/lcoe-lace-e-icb-an%C3%A1lise-comparativa-dos-custos-de-om-c%C3%A2mara-medeiros

https://www.ourworldofenergy.com/vignettes.php?type=electrical-power-generation&id=16

https://www.iea.org/articles/levelised-cost-of-electricity-calculator

Joskow, Paul L. 2011. “Comparing the Costs of Intermittent and Dispatchable Electricity Generating Technologies.” American Economic Review, 101 (3): 238-41.


Sobre o autor:

Frederico Carbonera Boschin é Diretor Executivo da Noale Energia e Sócio da Ferrari Boschin Advogados. Conselheiro da ABGD; Conselheiro Fiscal do Sindienergia RS e Professor do Curso de MBA da PUC/RS, UCS/RS e PUC/MG.

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