Edição 122 – Março de 2016
Espaço Cigré
Por Saulo José Nascimento Cisneiros*
Na abordagem deste tema existem inicialmente duas questões fundamentais. A primeira é: qual o risco de déficit admissível para o atendimento energético ao Sistema Interligado Nacional (SIN) – 5%, 3%, 1% ou menor – o que significa admitir, probabilisticamente, um racionamento a cada 20, 33, 100 ou mais anos, respectivamente, sabendo-se que quanto menor for o risco, maiores serão os investimentos a serem feitos e, conseqüentemente, maiores os custos a serem bancados pelos consumidores. A segunda é: qual a composição ótima das diversas fontes de energia para atendimento ao risco desejado ou qual o sistema energético ideal considerando as fontes de geração hidráulica, térmica e renovável não convencional, tendo em conta que a hidráulica é uma fonte renovável convencional.
Nesse contexto, algumas constatações importantes precisam ser realçadas:
- A sociedade não quer nem aceita um racionamento de energia;
- Entretanto, a expansão do sistema é feita com um risco intrínseco de déficit, até porque ficaria extremamente oneroso planejar a expansão do parque de geração para um risco de déficit nulo;
- Desta forma, na fase de operação, tem-se a responsabilidade de evitar este déficit através de ações mitigadoras;
- Essas ações têm custos que dependem de vários fatores;
- Quanto menor for o risco intrínseco de déficit da expansão, maiores serão os custos de expansão e menores os custos de operação, e vice-versa;
- Qual é o risco de déficit ótimo da expansão que produz os menores custos totais de atendimento ao mercado?
A oferta futura apresenta as seguintes características:
- Novas e grandes hidroelétricas localizadas distantes dos grandes centros de carga, exigindo extensos sistemas de transmissão para o transporte de grandes blocos de energia no período chuvoso e pequenos montantes nos períodos secos;
- Essas novas hidroelétricas com grande capacidade de produção no período chuvoso, sem reservatório de acumulação, e baixa produção no período seco, propiciam uma acentuada sazonalidade da oferta;
- Aumento considerável das fontes renováveis não convencionais de caráter intermitente, em especial, a energia eólica.
As novas hidroelétricas sem reservatório de acumulação, devido a restrições ambientais, têm levado à queda de regularização do SIN, causando as seguintes consequências:
- Maior dependência do período úmido das bacias do SIN;
- Necessidade de enchimento e esvaziamento dos principais reservatórios com periodicidade anual;
- Uso mais intenso de geração térmica para a garantia do suprimento energético e para o atendimento à ponta, com o consequente aumento dos custos de operação;
- Redução da capacidade do SIN de armazenar a geração das fontes intermitentes;
- Elevação intrínseca dos custos de expansão.
Postas essas constatações, voltamos à questão da composição ótima da matriz energética. Como ponto de partida, é importante fazer considerações sobre as características das diversas fontes:
- A geração hidráulica é um recurso variável, sua disponibilidade depende da ocorrência de chuvas nas bacias onde estão os reservatórios de acumulação;
- As novas usinas hidráulicas estão distantes dos centros de carga, o que requer a implantação de extensos sistemas de transmissão;
- A geração térmica é um recurso fixo, ou seja, sua disponibilidade depende apenas da existência do combustível;
- A implantação de térmicas próximas aos centros de carga pode aumentar a segurança, a confiabilidade e a qualidade do atendimento a esses centros;
- As fontes renováveis não convencionais, como eólica e solar, são fontes intermitentes e não despacháveis, seu volume depende da magnitude de vento e sol.
Adicionalmente, devem ser feitas as seguintes considerações:
- As usinas hidráulicas com reservatório são o melhor meio para armazenar a geração das fontes intermitentes, eliminando a necessidade de instalação massiva de outros meios de armazenamento, tal como grandes baterias;
- As hidráulicas com reservatório mais geração intermitente maximizam os benefícios técnicos e econômicos que podem ser obtidos, considerando as características de todas as fontes disponíveis;
- Com as restrições à implantação de reservatórios, surgem as usinas térmicas a gás de última geração, de partida e variação rápida de geração, tais como as grandes térmicas de 1.500 MW que estão sendo implantadas em Suape (PE), Triunfo (RS) e Jardim (SE);
- As fontes intermitentes como eólica e solar são muito importantes para suprir a demanda de energia elétrica, porém, essas fontes devem ser consideradas como complementares e não como básicas porque elas podem variar de forma abrupta e significativa em certos momentos e por períodos de tempo;
- Consequentemente, a demanda de energia elétrica não pode ser suprida apenas por fontes intermitentes.
A questão-chave é: qual é o mix adequado de fontes para suprir a demanda de energia elétrica considerando aspectos de segurança, eficiência e ambientais? A definição deste mix deve incluir todas as fontes disponíveis que contribuam na direção dos três aspectos acima mencionados, quais sejam: hidráulicas com e sem reservatório; térmicas (gás + carvão + nuclear); e renováveis (eólica + solar + biomassa).
(continua…)
*Saulo Cisneiros é diretor técnico do Cigré-Brasil.