Sabemos que é intrínseco ao sistema elétrico o risco de interrupção, seja nas cidades de São Paulo ou de Nova York ou ainda dentro de uma grande indústria ou em um pequeno comércio da periferia. E aqui cabe uma pergunta: por que não se constroem sistemas de suprimentos de energia totalmente imunes a falha? A resposta para essa pergunta é bem simples: a instalação de um sistema livre de falhas exigiria altos investimentos para ter um sistema com redundâncias de equipamentos e circuitos, resultando em uma alta tarifa de energia.
A criticidade da interrupção da energia é muito maior quando ocorre em um sistema que atende a uma grande carga elétrica, que pode atingir de forma simultânea hospitais, bancos, edifícios, sistemas semafóricos e outros.
Considerando o alto investimento para deixar um sistema imune a falha e, em contrapartida, todos os danos que podem causar uma interrupção no sistema elétrico nacional, tanto no Brasil como em vários outros países, os sistemas elétricos são planejados pelo critério de confiabilidade N-1. Por esse critério, eles devem ser capazes de suportar a perda de qualquer elemento do sistema elétrico, sem interrupção do fornecimento. Isso significa que, mesmo que ocorra uma contingência simples, o sistema deve ser capaz de permanecer operando sem interrupção do fornecimento de energia.
De forma geral, no Sistema Interligado Nacional (SIN), adota-se o critério de confiabilidade N-1, destacando que, dependendo ainda da criticidade, podem ser estabelecidos critérios mais rígidos como N-2 e até N-3.
Uma outra maneira de aumentar a confiabilidade e a disponibilidade do sistema é utilizar redes mais confiáveis. Uma das principais causas de interrupções de energia está relacionada a intempéries climáticas. Por esse motivo, os sistemas subterrâneos de energia são mais confiáveis. A boa engenharia aponta que, para escolher o grau de confiabilidade necessário para uma determinada carga, é necessário avaliar a criticidade e os custos.
A escolha de um sistema subterrâneo no lugar de um sistema aéreo, normalmente, tem impacto direto nos indicadores de continuidade e de qualidade, tendo em vista a robustez deste sistema em comparação com a rede aérea. Um indicador utilizado pelas concessionárias de energia que refletem bem essa situação é a Frequência Equivalente de Interrupção por Consumidor (FEC), ou seja, a frequência de interrupção que pode ser dezenas de vezes menor que a rede aérea. Contudo, apesar de a rede aérea apresentar uma frequência muito maior de interrupção é normal que a Duração Equivalente de Interrupção por Consumidor (DEC) seja menor em comparação com as redes subterrâneas.
E isso é facilmente compreensível quando analisamos a maneira em que a instalação e a manutenção foram realizadas nos dois tipos de instalação.
Como as redes aéreas estão expostas, qualquer tipo de problema pode afetá-las levando a interrupção do circuito. Esses problemas podem ser de origem atmosférica, como por exemplo, chuvas e ventos fortes, ou acidentes com veículos e com pessoas e ainda falha de material, tais como isoladores, cabos e outros. Uma alta incidência desses eventos eleva o indicador FEC, ao mesmo tempo que a duração (DEC) desses eventos tende a ser baixa, pela facilidade em encontrar a falha.
Já para as redes de distribuição subterrânea que não estão expostas aos eventos que atingem a rede aérea, o FEC tende a ser baixo. Apesar disso, quando uma falha ocorre, a principal causa está relacionada a falha nas emendas, terminações e cabos. Localizar e reparar a falha pode ser bastante complexo, o que pode aumentar a duração da interrupção (DEC).
Contudo, as técnicas de localização de falha em cabos isolados subterrâneos existem há mais de 100 anos (Ponte de Murray) e continuam a evoluir de forma consistente. Em 2019, o Cigré publicou uma brochura técnica¹ contendo as melhores práticas nas técnicas de localização de falha, onde eu tive a honra de ser o correspondente do Brasil na formatação deste documento.
Outro documento que o Cigré está preparando é uma brochura técnica² para diagnosticar problemas nos cabos, emendas e terminações antes de ocorrer a falha e com isso agir de forma preventiva.
Talvez cheguemos em um tempo que teremos garantia de ter um sistema elétrico 100% confiável e sem interrupção. Para nós que vivemos nessa época isso ainda não é possível dentro de um padrão razoável de custo versus benefícios. No entanto, é possível ter redes mais confiáveis e seguras e a rede subterrânea ainda é a melhor solução.
¹ Technical Brochure Cigre TB. 773 – Fault location on land and submarine links (AC & DC)
² Condition Assessment and Diagnostic Methods to support Asset Management of MV Cable Networks – WG B1 58