Introdução
O projeto de um transformador de potência, sob a ótica termodinâmica, é concebido para que sua operação suprindo cargas com potência aparente inferior ou igual à sua potência nominal não ocasione sobrecargas térmicas, a tal ponto que levem as temperaturas do ponto mais quente dos enrolamentos ou do topo do óleo a superarem os limites de temperatura correspondentes à classe térmica do equipamento. Entretanto, no contexto operativo, frequentemente despontam necessidades de operação em sobrecarga, muitas vezes, em decorrência de limitações operativas da subestação ao qual se encontra integrado. Essas limitações podem ser, por exemplo, a falha de um outro transformador ou de uma linha de transmissão, exigindo que suas cargas tenham de ser transferidas temporariamente ao equipamento a ser sobrecarregado. Por mais que essa prática seja refutável, pode se fazer necessária por imposições operativas, cabendo, aos profissionais de manutenção e operação, o pleno conhecimento de suas consequências.
Ademais, em circunstâncias assim, a despeito das limitações operativas ocasionalmente a serem impostas, é indispensável, como boa prática de engenharia, cercear o tempo e a magnitude das correntes de carga, em observância às claras limitações impostas pela ABNT NBR 5356-7:2017, intitulada “Transformadores de potência Parte 7: Guia de carregamento para transformadores imersos em líquido isolante”. Em assim não sendo procedido, o equipamento sobrecarregado tornar-se-á vulnerável ao surgimento de anomalias e até mesmo a falhas. Ademais, toda e qualquer sobrecarga, por mais reduzida que seja, afetará o regime térmico de operação da parte ativa, incrementando as dissipações térmicas nela verificadas. Desse modo, torna-se inevitável, dentre outros fenômenos, uma degradação mais acelerada da isolação celulósica dos enrolamentos, que, portanto, impactará na perda de vida útil do ativo, além de poder ocasionar o surgimento de pontos de defeitos, em certas circunstâncias.
Face a isso, apresentam-se, neste artigo, breves considerações sobre os principais impactos da operação de transformadores de potência em regime de sobrecarga, bem como boas práticas operativas e de manutenção, quando esse tipo de prática for inevitável. O objetivo é direcionar os leitores para estudos mais aprofundados sobre o tema, sensibilizando-os para os pontos mais críticos concernentes ao assunto, contribuindo, assim, para a supressão de práticas indevidas, que reduzem a confiabilidade dos ativos, e, por conseguinte, do sistema elétrico ao qual se encontram integrados.
A sobrecarga de transformadores de potência
Um transformador de potência, ao operar suprindo correntes de carga que sobrepujam sua potência nominal, está vulnerável a uma pluralidade de consequências técnicas. As primeiras delas são elevações de temperatura mais agressivas, tanto do ponto mais quente de seus enrolamentos, como do topo do óleo, o que impacta proeminentemente na degradação acelerada da isolação celulósica dos enrolamentos. A própria ABNT NBR 5356-7:2017 destaca que uma redução da temperatura do ponto mais quente do enrolamento em apenas 6 °C resulta em uma perda de vida útil 50% menor da isolação celulósica dos enrolamentos. Obviamente, elevações de igual magnitude tendem a ter efeito oposto. Portanto, o primeiro impacto da sobrecarga é a degradação acelerada da isolação celulósica, proeminentemente por pirólise, e, portanto, redução da vida útil remanescente do transformador de potência. Assim, sobretudo se essas condições operativas tendem a se repetir com frequência, o atingimento do limiar de vida útil do grau de polimerização (GP) da isolação celulósica, que tem valor correspondente a 200, dar-se-á de maneira mais rápida. E, quando isso ocorrer, não há alternativa: a resistência mecânica do papel estará comprometida e o rebobinamento do transformador, por meio de processo de reforma, tornar-se-á indispensável.
Aqui, recomendamos que um GP inferior a 400 já seja objeto de atenção, de modo que se programe uma reforma ou substituição do ativo, sob pena de torná-lo mais vulnerável à falha em condições operativas que exijam uma isolação celulósica íntegra. Para monitorar o GP de maneira não invasiva, seu valor pode ser inferido a partir da análise do teor de compostos furânicos dissolvidos em óleo isolante, o que se deve fazer pelo menos todos os anos, sobretudo em equipamentos com histórico de sobrecarga.
Quando a sobrecarga é inevitável, não se pode, ainda, suprir todo e qualquer nível de corrente. A ABNT NBR 5356-7:2017 é categórica na imposição de limitações, que consideram, simultaneamente, a potência nominal do transformador, o nível máximo de corrente admissível em função dela, em por unidade (p. u.), e as temperaturas máximas toleráveis da parte ativa, considerando a classe térmica do transformador e modelos térmicos. Face a essas variáveis, são consideradas três situações de carregamento, também reguladas pela Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), o que também é detalhado na norma supracitada.
Tratam-se do carregamento em condição normal de operação, do carregamento em condição de emergência de longa duração e do carregamento em condição de emergência de curta duração. No primeiro caso, os limites de temperatura da classe térmica do transformador são respeitados, a despeito de se suprir uma potência aparente superior à nominal do transformador. No segundo caso, pode-se permitir que esses limites térmicos sejam ultrapassados, para que se consigam manter as cargas supridas em decorrência da perda de outros transformadores ou desligamento de algum outro elemento do sistema. Já no último caso, do carregamento em condição de emergência, considera-se um regime de operação mais agressivo. E, assim sendo, sua duração tem de ser limitada ao valor da constante térmica do transformador (calculada com base nos resultados dos ensaios de elevação de temperatura em fábrica) e não pode ser superior a 30 minutos. Portanto, cabe ciência plena de todas essas determinações, antes que se anuam sobrecargas de quaisquer magnitudes.
Uma vez que o transformador esteja submetido a regime de sobrecarga, deve-se ter ciência, ainda, das consequências outras, decorrentes das elevadas correntes de operação. Essas correntes produzirão um fluxo magnético de intensidade proporcionalmente maior, causando espraiamento mais expressivo e, com isso, ensejando a circulação de correntes parasitas mais intensas, em determinadas partes internas do transformador, além de eventual circulação desse tipo de corrente em partes não previstas para contemplá-las. Além disso, outros elementos da parte interna poderão atingir temperaturas superiores às quais foram concebidos para operarem, o que pode causar danos irreparáveis. Buchas, comutadores de derivações em carga e sem tensão e outros elementos correlatos aos enrolamentos também poderão operar em sobrecarga e sofrer suas consequências. Em transformadores mais antigos, cujas vedações já se encontram mais degradadas, poderão surgir vazamentos de óleo.
Outrossim, as sobrecargas térmicas, principalmente em decorrência dos consequentes fenômenos supracitados, poderão levar a alterações sensíveis nos perfis de gases combustíveis no óleo isolante. Assim sendo, recomenda-se, aqui, que as análises periódicas de gases dissolvidos (cromatografia) em óleo isolante sejam feitas com maior frequência que os seis meses usuais. De modo ideal, com periodicidade mensal. E devem ser refeitas logo após o equipamento ser submetido a novo regime de carregamento em condição de emergência de curta duração e semanalmente, durante carregamento em condição de emergência de longa duração que se prolongue por vários dias, e logo após seu término.
Com base nos critérios da ABNT NBR 7274:2012, intitulada “Interpretação da análise dos gases de transformadores em serviço”, com o surgimento – por meio dessas análises de óleo, de qualquer diagnóstico de falha incipiente – deve-se providenciar a imediata supressão da sobrecarga e planejamento do desligamento do ativo para manutenção corretiva – sob pena de sua perda.
Ademais, o transformador a ser sobrecarregado deve estar com resultados satisfatórios das análises físico-químicas de seu óleo isolante, considerando os critérios da ABNT NBR 10576: 2017, intitulada “Óleo mineral isolante de equipamentos elétricos ― Diretrizes para supervisão e manutenção”. Isso porque, sobretudo o óleo com um teor de água inadequado, ensejará a formação de bolhas, quando dos regimes térmicos mais agressivos decorrentes da sobrecarga do transformador. E essas, por sua vez, ensejarão a ocorrência de descargas internas, totais ou parciais.
Outra prática salutar é que se realizem, durante os períodos de sobrecarga, sobretudo quando previstos os picos de carregamento, inspeções termográficas. O ideal é que elas sejam feitas hora a hora, sobretudo no caso de carregamento em condição de emergência de longa duração e durante todo o carregamento de emergência de curta duração, para que se intervenham em anomalias térmicas críticas que surjam fortuitamente.
Um outro mecanismo de apoio estratégico são os sistemas de monitoramento online. Dois deles, aqui, são de grande importância, quando disponíveis: o monitoramento em tempo real das concentrações de gases dissolvidos no óleo e do aumento da capacitância e tangente delta das buchas condensivas. Com eles, muitas falhas incipientes ensejadas pela sobrecarga podem ser detectadas.
Conclusões
A operação de transformadores de potência em sobrecarga pode se fazer necessária em muitos contextos e, embora deva ser evitada tecnicamente, é uma condição prevista pela literatura normativa e regulatória. Assim, cabe aos profissionais responsáveis por anuí-la, conhecer os limites das variáveis por ela afetadas, com base na ABNT NBR 5356-7:2017, evitando danos permanentes a esse tipo de equipamento.
Além disso, é indispensável que se mantenha uma rotina sistêmica de análise preditiva de óleo isolante, com frequências maiores que as usuais, com vistas à detecção de problemas físico-químicos, falhas incipientes decorrentes das sobrecargas e também para a inferência do grau de polimerização do papel, por meio do teor de compostos furânicos.
Como abordado, outras práticas complementares recomendadas são as inspeções termográficas frequentes e o uso de sistemas de monitoramento online, que provenham informações em tempo real sobre a concentração de gases no óleo isolante e sobre o aumento da capacitância e tangente delta das buchas condensivas, propiciando um controle mais acurado das condições do ativo em sobrecarga.
Com o conhecimento pleno dos impactos aqui citados, por meio de estudos aprofundados sobre o tema, bem como das boas práticas de engenharia aqui recomendadas, a sobrecarga de transformadores, por mais refutável que seja, quando se fizer indispensável, pode ser limitada e controlada de modo que se evitem danos permanentes ao ativo e, até mesmo, sua falha.
*Yuri Andrade é engenheiro eletricista no grupo Equatorial Energia, onde atua na área de Engenharia de Manutenção de Subestações de Alta Tensão em Goiás. Graduou-se em Engenharia Elétrica pela Escola de Engenharia Elétrica, Mecânica e de Computação da Universidade Federal de Goiás (2016), onde obteve o título de mestre em Engenharia Elétrica (2019) e onde cursa, atualmente, o doutorado em Engenharia Elétrica. É também técnico em Eletrônica pelo Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de Goiás (2012).