Edição 99 – Abril de 2014
Por Michel Epelbaum
2014 continua “por água abaixo” no que se refere ao fornecimento de água e energia.
O risco de racionamento de energia, que era de 18,5% em fevereiro, aumentou para 48% no início de abril, segundo relatório da consultoria PSR. O discurso oficial do governo federal já sinaliza a possibilidade de racionamento, negado anteriormente.
Nos reservatórios do Sudeste, o nível de água estava em 36,5%, próximo aos da crise de 2001 no início de abril. O sistema Cantareira vem caindo constantemente desde o final do ano passado, apresentando o nível histórico de 12% em meados de abril.
Conflitos e guerras pelo domínio da água já têm espelhos por aqui. Já vimos na coluna passada que a cidade de São Paulo importa água de outras regiões (por exemplo, de Campinas). Em função da gravidade da situação, agora foi proposto ao Governo Federal projeto de transposição/interligação de águas da Bacia do Rio Paraíba do Sul, que abastece cerca de 70% do Estado do Rio de Janeiro (inclusive a capital). Há ainda disputas de São Paulo também com o Paraná e Minas Gerais pela água.
Sempre é bom relembrar que a disponibilidade de água doce no planeta é de somente 2,7%, sendo que 77,2% destes estão nas calotas polares e geleiras, 22,4% no aquífero subterrâneo, restando apenas 0,01% do total nos rios, a maior fonte de água para o nosso uso.
O Brasil é apresentado em relatórios internacionais como tendo vastos recursos hídricos, capacidade de regeneração e sem problemas de disponibilidade de água, representando cerca de 12% de toda a água doce do planeta. Porém, a contradição está na grande concentração em algumas regiões. No Estado de São Paulo encontra-se 1,6% da água doce brasileira, porém a sua população representa quase 22% da brasileira (e PIB de cerca de 31% do país). E no caso da Região Metropolitana, a situação é ainda mais crítica.
No entanto, outro tipo de cálculo pode apresentar resultado muito distinto do apresentado acima: quando se fala de “pegada hídrica”, o Brasil apresenta consumo de 2027 m³/ ano/per capita, maior que a de países desenvolvidos europeus, Japão e BRICs, e 46% acima da média mundial (fonte: www.waterfootprint.org). Pegada hídrica é um indicador de consumo de água direta e indireta por um consumidor ou produtor ou região, incluindo a água utilizada nos países de origem para a fabricação de produtos importados.
A dificuldade de abastecimento da cidade de São Paulo é assunto conhecido há décadas e o desbalanço entre a captação do Sistema Cantareira e sua capacidade de renovação vem sendo tolerado há anos. O consumo de água pela população vem crescendo em níveis insustentáveis, sendo hoje de 30% a 60% maior do que o consumo diário per capita de 110 litros/pessoa/dia recomendado pela ONU, dependendo do método de cálculo. Entre 2004 e 2013, o consumo de água nos 33 municípios da região metropolitana de São Paulo aumentou 26%, enquanto sua produção só aumentou 9% (fonte: www.folha.uol.com.br).
A prevenção e a gestão rotineira vêm perdendo de goleada da realidade. A eleição fala mais alto do que as necessidades da população. E agora dependemos de gestão de crises e de “São Pedro” para normalizar a situação. O custo para contornar a crise de água em São Paulo já se aproxima de R$ 1 bilhão em um ano, contando a perda de receita e as obras/medidas para contornar o racionamento (fonte: www.folha.uol.com.br). Quanto à energia, “a conta” da gestão da crise será repassada à população por meio do aumento da conta de luz, após as eleições, sem pompa e circunstância.
Estamos na Década Internacional de Ação, “Água para a Vida” (2005 – 2015), mas não há muito a comemorar. E o risco de desabastecimento e confusão na Copa do Mundo aumenta.
Quando aprenderemos sobre os benefícios da prevenção e eficiência? Quando começaremos a adotar medidas mais eficientes para a gestão no uso de água e energia, como reuso, coleta de água de chuva, incentivo aos usuários mais eficientes, dispositivos de economia de água e energia? Quando serão adotadas políticas públicas de incentivo, alinhadas aos critérios de construção sustentável para que as novas edificações sejam mais eficientes quanto ao uso de água e energia?