Aparelhos de ar-condicionado não são assassinos em série – Parte 02/02

Prof. Dr. Paulo Henrique Oliveira Rezende

Prof. Dr. Isaque Nogueira Gondim

Prof. Dr. José Rubens Macedo Jr.

2.  Causas externas x causas internas – continuação

Não obstante a importância e a relevância desses dispositivos para a preservação da integridade dielétrica dos diversos aparelhos e equipamentos elétricos quando da ocorrência de sobretensões transitórias nas redes de energia elétrica, seja em decorrência de descargas atmosféricas ou manobras em equipamentos de rede, como bancos de capacitores, os mesmos não teriam efeito prático quando da ocorrência de curtos-circuitos em função de deficiências nas instalações dos próprios consumidores.

 

No que tange ao seu funcionamento, os dispositivos de proteção contra surtos elétricos (DPS) são componentes não lineares que entram em condução quando há um pico de tensão acima do seu nível de tensão de proteção. Na sua composição existe um varistor de óxido de zinco que se encontra associado a um dispositivo de segurança. Este varistor permite a passagem de corrente quando a tensão em seus terminais ultrapassa a tensão limite. Esta passagem de corrente é proporcional à tensão que o atinge, garantindo, desta forma, uma tensão de saída de valor inferior ao nível de tensão de proteção do dispositivo. A figura 1 ilustra o princípio operativo de um DPS típico.

Figura 1 – Tensão no equipamento, (a) sem DPS e (b) com DPS

Como pode ser observado no exemplo da figura 1, para um transitório impulsivo de 4 kV de pico, o dispositivo (DPS) entra em operação limitando a tensão em 800 volts na entrada de alimentação do equipamento protegido, evitando-se danos dielétricos ao mesmo, uma vez que para o tempo de duração da sobretensão transitória (normalmente da ordem de ms), os aparelhos de ar-condicionado podem suportar tensões de até várias vezes a amplitude de sua tensão nominal de operação, como será mostrado no próximo tópico.

 

3.  Curvas de suportabilidade térmica e dielétrica para aparelhos de ar- condicionado

A fim de avaliar a consistência dos danos em equipamentos eletroeletrônicos, quando da ocorrência de fenômenos elétricos nas redes de distribuição, utiliza-se comumente o princípio da correlação entre causa e efeito, isto é, a comparação da intensidade dos distúrbios originados nas redes elétricas com os respectivos padrões dielétricos e térmicos dos equipamentos [3-7].

 

Neste contexto, os níveis de suportabilidade dielétrica e térmica, assim como a duração dos fenômenos incidentes sobre os mais distintos equipamentos empregados nas instalações residenciais, comerciais e industriais, se apoiam em relações matemáticas que resultam em curvas similares às indicadas nas figuras 2 e 3. Nessas figuras, o eixo vertical denota a grandeza de interesse (tensão ou corrente), enquanto que o eixo horizontal está intimamente vinculado com os tempos de duração dos correspondentes valores de tensão ou corrente. Estes desempenhos físicos, representados na forma de gráficos, traduzem os níveis de tensão e corrente considerados como admissíveis pelo equipamento. Um determinado distúrbio que conduza a valores acima dos delimitados irá, probabilisticamente, ser responsável por danos físicos e/ou operacionais sobre o equipamento.

 

No que tange ao levantamento das curvas de suportabilidade dos aparelhos condicionadores de ar, particularmente, são necessários testes de natureza destrutiva em vários modelos e marcas existentes no mercado. Estes testes são definidos conforme situações possíveis de ocorrência nas redes de distribuição, desde transitórios impulsivos (descargas atmosféricas), transitórios oscilatórios (chaveamento de banco de capacitores) a fenômenos na frequência industrial (como curtos-circuitos e variações de tensão de curta duração).

 

Para a obtenção da curva de suportabilidade térmica dos condicionadores de ar foram aplicados impulsos de corrente, no padrão 8 x 20 μs, em dois modelos distintos de equipamentos, sendo um deles um ar-condicionado convencional e o outro com a tecnologia inverter. Os resultados obtidos nesses testes estão apresentados na figura 2.

Figura 2 – Curvas de suportabilidade térmica

Ao mesmo tempo, as curvas de suportabilidade dielétrica dos aparelhos de ar-condicionado foram obtidas através da aplicação de tensões considerando-se várias situações, desde transitórios até elevações de tensão na frequência industrial. Para exemplificação gráfica dos resultados advindos dos ensaios experimentais, a figura 3 apresenta a relação tensão x tempo para os aparelhos de ar-condicionado testados.

Figura 3 – Curvas de suportabilidade dielétrica

Conforme observado nas figuras 2 e 3, os aparelhos de ar-condicionado mostraram-se bastante robustos em termos de suportabilidade dielétrica (comumente comprometida por eventos de origem externa às instalações), suportando amplitudes de até várias vezes a sua tensão nominal por alguns microssegundos, ou até duas vezes a sua tensão nominal por até alguns segundos. Já em relação à suportabilidade térmica (comumente comprometida por eventos de origem interna às instalações dos próprios consumidores), esses mesmos equipamentos se mostraram relativamente mais sensíveis, resultando, inclusive, na atuação de sua proteção térmica ou mesmo danos em seus componentes eletrônicos. Ressalta-se que essas possíveis causas internas, como já mencionado, estão associadas a falhas e inadequações dos circuitos elétricos das edificações, e não propriamente dos aparelhos de ar-condicionado. Nesse sentido, outros elementos do circuito, a exemplo da própria fiação elétrica da instalação, podem ter sua suportabilidade térmica comprometida antes mesmo do comprometimento da suportabilidade térmica do próprio aparelho de ar-condicionado, no caso de mal dimensionamento ou precariedade dessas instalações.

 

4.  Conclusões

O presente artigo mostra, pelo menos sob o ponto de vista elétrico, que os aparelhos de ar- condicionado continuam sendo uma das maiores invenções da humanidade visando um maior conforto para a vida das pessoas. A grande maioria (senão a totalidade) dos incidentes com vítimas fatais, associados a operação destes equipamentos, está relacionada com problemas ou deficiências nas instalações elétricas das próprias edificações, e não à suportabilidade térmica ou dielétrica desses equipamentos.

 

5.  Referências bibliográficas

  • IEA, International Energy Agency. The Future of Cooling – Opportunities for energy- efficient air conditioning. OECD/IEA,
  • ANEEL, Agência Nacional de Energia Elétrica. Procedimentos de Distribuição – Módulo 8 – Qualidade da Energia Elétrica. Revisão 8, 2018.
  • H. O. Rezende. Contribuições para os estudos computacionais de ressarcimento por danos elétricos: limites de suportabilidade e induções eletromagnéticas. Tese de doutorado, Universidade Federal de Uberlândia, Uberlândia, 2016.
  • N. Gondim. Contribuições para o Aplicativo APR: Novos Limites de Suportabilidade, Perturbações via Medições e Sistematização no Processo da Configuração da Rede Elétrica. Tese de doutorado, Universidade Federal de Uberlândia, Uberlândia, 2012.
  • N. Gondim, J. A. Barbosa, J. C. Oliveira, C. E. Tavares, and A. C. Delaiba. Uma Estratégia para Obtenção dos Limites de Suportabilidade Dielétrica e Térmica de Equipamentos com Foco aos Pedidos de Indenização por Danos. Revista Eletrônica Potência – SOBRAEP, vol. 17, pp. 651–659, 2012.
  • Technical Committee 3 (TC3) of the Information and T. I. Council. ITIC (CBEMA) curve Application
  • D. Teixeira et al. Acceptable power quality limits to avoid damages in appliances.  WSEAS Trans. Circuits Syst., vol. 4, pp. 479–485, 2005.

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