Avaliação em campo de buchas em transformadores de potência – o fator de dissipação a 60 Hz é suficiente?

Edição 62 – Março / 2011

Por Marcelo Eduardo de Carvalho Paulino*

Técnicas e procedimentos de testes para diagnóstico em campo de buchas de transformadores com métodos de testes automáticos que permitem uma avaliação da capacitância e isolamento das buchas


A avaliação de equipamentos de subestação tem evoluído com a utilização de procedimentos e sistemas de testes dotados de técnicas e ferramentas que promovem uma avaliação eficaz e rápida desses equipamentos. Essa avaliação deve ser aprimorada de forma a garantir o funcionamento contínuo das instalações responsáveis pelo suprimento de energia elétrica. A estimativa dos custos envolvidos em qualquer tipo de interrupção de energia resulta na necessidade de implantação de programas de manutenção preventiva. Neste caso, o objetivo principal é permitir a avaliação da instalação e seus equipamentos utilizando novas técnicas e ferramentas capazes de detectar o quanto antes uma possível falha.

Devido à crescente pressão para reduzir custos, a indústria elétrica é forçada a manter as antigas instalações em operação por tanto tempo for possível. Estatísticas recentes têm mostrado que cerca de um terço dos transformadores têm mais de 30 anos. Diversos estudos mostram que fontes mais frequentes de falha estão nos comutadores de tape, buchas, enrolamento, isolamento e acessórios do transformador. As buchas de alta tensão são componentes críticos dos transformadores de potência e particularmente buchas capacitivas de alta tensão necessitam de maior atenção e testes regulares para se evitar falhas inesperadas.

Como os equipamentos elétricos instalados em subestações podem ser solicitados a operar sob condições adversas, como altas temperaturas, chuvas, poluição, sobrecargas, etc., mesmo tendo uma operação e manutenção de qualidade, não se pode descartar a possibilidade de ocorrerem falhas que deixem indisponíveis as funções de transmissão e distribuição de energia elétrica aos quais pertencem.

Assim, as atividades de comissionamento e manutenção periódica para verificação regular das condições de operação desses equipamentos tornam-se cada vez mais importantes. E torna-se imperativa a busca de procedimentos e ferramentas que possibilitem a obtenção de dados das instalações de forma rápida e precisa. Este trabalho mostra técnicas de avaliação do isolamento de buchas de transformadores de potência utilizando varredura de frequências e observação do fenômeno do efeito pelicular e do fenômeno da polarização do meio dielétrico.

Efeito pelicular

Efeito pelicular (Skin effect em inglês) é um efeito caracterizado pela repulsão entre linhas de corrente eletromagnética, criando a tendência de esta corrente fluir na superfície do condutor elétrico. Este efeito é proporcional à intensidade de corrente, frequência e das características magnéticas do condutor. Frequentemente encontrado em sistemas de corrente alternada, o efeito pelicular é responsável pelo aumento da resistência aparente de um condutor elétrico, devido à diminuição da área efetiva do condutor.

Média de capacitância, fator de potência e fator de dissipação com variação de frequência

Medida da Capacitância (C) e Fator de Dissipação (FD) são estabelecidos como um importante método de diagnóstico de isolamento, publicado primeiro por Schering em 1919 e utilizado para esse propósito em 1924. O fator dissipação é definido como:

Neste trabalho utilizou-se um sistema de teste, chamado CPC100+CPTD1, da Omicron eletronics, que utiliza um método similar àquele da ponte Schering. A principal diferença entre este sistema e os equipamentos similares no mercado é que não necessita de ajustes para medição da capacitância e do fator de dissipação. A Figura 2 mostra a representação do circuito do sistema do teste utilizado.

A capacitância de referência da ponte Cn é proveniente de um capacitor de referência isolado a gás com perdas abaixo de 10E-5. Para uso em laboratório, tais capacitores são regularmente utilizados para obter medições precisas, já que as condições climáticas são bem constantes. Não é o caso para medições em campo, em que as temperaturas podem variar significativamente, causando dilatação e contração do eletrodo no capacitor de referência.

O sistema de teste leva todos esses fatores em consideração e os compensa eletronicamente. Assim, é possível alterar facilmente no campo “testes” para fator de dissipação igual a 5 x 10E-5.

Avaliação do isolamento com variação de frequência

Até os dias de hoje, o fator de dissipação ou o fator de potência só foram medidos na frequência da linha. Com a fonte de potência do equipamento utilizado neste trabalho, é possível agora fazer essas medições de isolamento em uma larga faixa de frequência. Além da possibilidade de aplicar uma larga faixa de frequência, as medições podem ser feitas em frequências diferentes da frequência da linha e seus harmônicos. Com este princípio, as medições podem ser realizadas também na presença de alta interferência eletromagnética em subestações de alta tensão.

A faixa utilizada varia de 15 Hz a 400 Hz. Os testes podem ser realizados sem problemas, pois, nesta faixa de frequência, as capacitâncias e indutâncias do sistema elétrico testado são praticamente constantes.

Para avaliarmos o isolamento, devemos considerar que o dielétrico perde sua capacidade de isolar devido:

  • Ao movimento de íons e elétrons (corrente de fuga);
  • Às perdas por causa do efeito da polarização.

Perdas por corrente de fuga superficial

A perda por movimento de elétrons, ou seja, por corrente de fuga no isolamento, é dependente da frequência da tensão aplicada no isolamento. Este fenômeno ocorre devido ao efeito pelicular, o qual, como exposto anteriormente, é o fenômeno responsável pelo aumento da resistência aparente de um condutor elétrico em função do aumento da frequência da corrente elétrica que o percorre.

Quando se aplica uma tensão contínua nas extremidades de um condutor elétrico, a corrente elétrica se distribui de forma uniforme ao longo de toda a seção reta deste condutor. No caso da aplicação de tensão alternada, o efeito da passagem da corrente alternada é diferente.

À medida que a frequência d

a corrente que percorre o condutor aumenta, o campo magnético junto ao centro do condutor também aumenta, conduzindo à elevação da reatância local.

Este aumento de reatância leva a corrente a tender a, preferencialmente, deslocar-se pela periferia do condutor. Isso implica uma diminuição da área efetiva do condutor e, logo, um aumento da sua resistência aparente. Podemos assim concluir que a resistência medida em corrente alternada de um determinado condutor aumenta à medida conforme o valor da frequência da corrente que percorre esse condutor aumenta.

O aumento da frequência implica o aumento da corrente na superfície do elemento dielétrico e, consequentemente, a possibilidade do estabelecimento de correntes de fuga neste isolamento.

As Figuras 3 a 5 ilustram a distribuição da corrente elétrica em uma seção de condutor circular de cobre para as frequências de 60 Hz, 550 Hz e 100 kHz.

Perdas por efeitos da polarização

O comportamento de um material isolante quanto à polarização tem uma característica semelhante à utilizada na compreensão da análise de um capacitor.

A capacitância está relacionada às características geométricas do capacitor e, se o espaço entre as placas for preenchido com um material isolante, o fenômeno da polarização vai influenciar a capacitância, aumentando-a. Entretanto, a criação de dipolos no isolante absorve energia dos terminais do capacitor, devolvendo-a quando este é descarregado, configurando as perdas por polarização.

As perdas por polarização são geradas devido aos efeitos de suspensão e rotação. No entanto, a polarização elétrica dos materiais não tem origem em uma única fonte e a polarização total de um material dielétrico será a soma de todos os tipos presentes neste material.

A suspensão de elétrons é completamente reversível. O mecanismo é demonstrado na Figura 6. Este tipo de polarização também é chamado de “Polarização do átomo”.

A Figura 7 demonstra a suspensão de íons e sua polarização no campo elétrico.

A polarização de bipolos é demonstrada na Figura 8. O bipolo típico é uma molécula de água. Na Figura 9, uma molécula também é demonstrada quando envolta por um campo elétrico. Quando o campo elétrico altera a polaridade, a orientação da molécula de água é alterada para 180°. Esta rotação, relacionada à frequência aplicada, causa as perdas descritas.

 

A superfície e os limites de elementos internos e intermediários (incluindo a superfície da precipitação) podem ser carregados, isto é, eles contêm bipolos que são orientados para alguns graus devido a um campo externo e, deste modo, contribuírem para a polarização do material, gerando perdas adicionais que são conhecidas por polarização interfacial.

 

Este efeito ocorre, por exemplo, na interface entre o óleo do transformador e o isolamento sólido, como papel ou placa de transformador.

Influência de diferentes parâmetros como água, temperatura e o tempo no fator de dissipação

A Figura 11 mostra a tensão de falha e o Fator de Dissipação (FD) do óleo dependentes da concentração de água. Com a concentração baixa de água, a tensão de ruptura é muito sensível. Com uma concentração maior de água, o FD é um bom indicador do estado do isolamento.

A Figura 12 mostra o FD do óleo novo e usado, dependente da temperatura. Com temperaturas maiores, a viscosidade do óleo diminui. Assim, as partículas, os íons e os elétrons podem se mover de uma maneira mais rápida e fácil, o que faz o FD diminuir com a temperatura.

A Figura 13 mostra a influência da umidade relativa no dielétrico em função da sua capacidade de resistir a tensões de ruptura, apontando diferentes valores de tangente delta para as diferentes situações.

Nota-se que, quanto maior a quantidade de água, o dielétrico suporta uma tensão menor. Pode-se notar ainda que, para diferentes condições do isolamento mostrados pelos valores de tangente delta, o fenômeno se repete.

Testes de manutenção em buchas

Os testes mais comuns realizados em buchas de alta tensão são:

  • Medida de fator potência e capacitância do isolamento;
  • RIV (radio-influence-voltage);
  • Resistência de isolamento DC;
  • Teste do óleo ou da umidade no isolamento.

Neste trabalho foi analisada a aplicação dos ensaios de fator de potência e capacitância. Para buchas, o teste de fator de dissipação e capacitância é o procedimento de teste de campo mais eficaz para detecção antecipada de sua contaminação e deterioração. Ele também mede a corrente de teste alternada (CA), que é diretamente proporcional à capacitância da bucha.

Novamente, a variação de frequência mostra-se muito eficaz na determinação do grau de degradação do isolamento. O uso de medidas com variação de frequência do isolamento da bucha é útil para um diagnóstico melhor. As Tabelas 1 e 2 mostram as tolerâncias para avaliação de buchas.

Tabela 1 – Avaliação da capacitância

?C = Cmedida – Cref*

Avaliação

?C < 5%

Aceitável

5% < ?C < 10%

Deve ser investigada

?C > 10%

Crítica

*sendo Cref o valor de placa ou de bucha nova

Tabela 2 – Avaliação do fator de dissipação

Avaliação

FPmed < 2 x FPref

Aceitável

FPmed < 3 x FPref

Deve ser investigada

FPmed > 3 x FPref

Crítica

*sendo FPref o valor de placa ou de bucha nova

A Figura 14 mostra uma varredura de frequência de uma bucha RIP (papel impregnado de resina) nova. A Figura 15 exibe a verificação de uma bucha envelhecida.

Essas informações devem ser usadas como referência da bucha para comparação futura. A primeira avaliação é realizada com os valores de fator de potência a 60 Hz. Tem-se que os valores aproximados de FP são 0,285 para a bucha nova e 0,465 para a bucha envelhecida.

Dentro dos critérios apontados na Tabela 1, a condição da bucha envelhecida é aceitável. Entretanto, o exame da curva estabelecida pela variação de frequência mostra que a bucha se encontra em bom estado. As duas avaliações, do valor a 60 Hz e da curva de variação de frequência, complementam a análise.

Comparações de medidas de capacitância e fator de dissipação em três fases

É realizada a comparação das medidas de fator de potência entre as buchas das três fases de um banco de reatores ASEA/BROWN BOVERI, tipo RM46, 2002, com potência de 40,33 MVAr, tensão HV de 500 kV e corrente HV de 127 A.

As buchas testadas foram fabricadas em 2002 e são do tipo GOE 1675/1175/2500A (OIP) com isolação de 550/318(kV) e valores nominais da capacitância C1 de 5516 pF e do fator de potência de C1 com 0,46%. Os resultados de FP variando a frequência são mostrados na Figura 16.

Nota-se que o fator de potência tende a aumentar com o aumento da frequência, comprovando o descrito anteriormente. Entretanto, registraram-se picos negativos e positivos exatamente sobre a frequência de 60 Hz. Isso ocorreu devido à forte interferência eletromagnética na medida, pois os reatores avaliados estão instalados ao lado de bay de 500 kV energizado. Vale ressaltar que se as medidas fossem feitas apenas com 60 Hz, os resultados anotados certamente estariam errados, pois não levariam em consideração as condições reais do isolamento sob teste.

A Figura 17 mostra as medidas de capacitância das buchas com variação de frequência. Novamente
pode-se observar o efeito da interferência eletromagnética em 60 Hz. Observa-se também que os valores de capacitância praticamente não se alteram, apresentando uma variação de 0,7% em toda a escala de frequências. A comparação entre as fases mostra uma diferença máxima d

e menos de 1% entre os valores de capacitância.

Ensaios em bucha armazenada de forma incorreta

Foi realizada a comparação das medidas de fator de potência em uma bucha reserva do autotransformador, fabricante ASEA/BROWN BOVERI, tipo TT-44, com potência de 100 MVA e tensão de 230 kV/138 kV/13.8 kV.

A bucha testada é do tipo GOB 650 138 kV, com valores nominais da capacitância C1 de 289 pF e fator de potência de C1 com 0,345% a 10 kV a 60 Hz.

Esta bucha reserva estava armazenada de forma inadequada e seu condutor ficou exposto ao tempo. Isso levou a bucha a absorver umidade, o que foi constatado em três ensaios elétricos realizados em intervalos de tempo diferentes:

  • O primeiro ensaio foi realizado às 8h30, com 28,6 °C de temperatura ambiente, com a bucha ainda muito úmida.
  • O segundo ensaio foi realizado às 10h00, com 29,2 °C de temperatura ambiente, com a umidade começando a ser eliminada pelo aumento da temperatura ambiente.
  • O terceiro ensaio foi realizado às 13h30, com 33 °C de temperatura ambiente, com grande parte da umidade eliminada pela exposição de meio dia de sol intenso.

Os resultados de FP, variando a frequência, são mostrados na Figura 18.

Pode-se observar que à medida que a bucha é submetida a um ambiente com aumento de temperatura, ela perde umidade e melhora a condição do isolamento. Considerando os dados da Tabela 2, o fator de dissipação aceitável é o dobro do valor nominal, ou seja, admite-se um valor de até 0,69% a 60 Hz.

Entretanto, o valor de fator de dissipação obtido no Ensaio 1 é igual a 0,6055% a 60 Hz. Este valor aprovaria o estado do isolamento da bucha. Mas pode-se comprovar, com a variação de frequência, que o estado do isolamento da bucha é ruim. Após a secagem da bucha, o Ensaio 3 mediu o fator de dissipação igual a 0,3614% a 60 Hz e mostrou uma nova assinatura com a qualidade do isolamento.

A Figura 19 mostra a evolução da capacitância com a variação de frequência.

Considerações finais

Este trabalho apresentou um procedimento de avaliação do isolamento de buchas por meio de aplicações envolvendo novas tecnologias e novos equipamentos capazes de realizar ensaios com mais rapidez e eficácia. A nova tecnologia de teste abordada permite a realização do teste de fator de dissipação e capacitância em várias frequências, e a comparação das curvas resultantes com os dados e características do elemento sob teste.

O trabalho mostrou que os testes realizados apenas a 60 Hz podem levar a diagnósticos errados ou incompletos. Com a variação de frequência, é possível detectar a degradação no isolamento em um estágio inicial, com uma análise mais detalhada.

Referências

R. Robert, “Efeito Pelicular”, Revista Brasileira de Ensino de Física, v. 22, n. 2, junho 2000.

M. E. C. Paulino, “Medidas de Resposta em Frequência, Capacitância e Fator de Potência com Variação de Frequência para Diagnóstico de Transformadores”. In Anais do SBSE 2008 – Simpósio Brasileiro de Sistemas Elétricos, Belo Horizonte, MG, Brasil, 2008.

C. R. Rodrigues, “Materiais Elétricos e Eletrônicos”, Notas de Aula ESP1002. In http://www.ufsm.br/materiais/aula7.pdf.

IEEE-Std 62-1995 “Guide for Diagnostic Field Testing of Electric Power Apparatus – Part 1: Oil Filled Power Transformers, Regulators, and Reactors,” IEEE, Inc., New York, NY, 1999.

M. E. C. Paulino, A. T. L. de Almeida, “Avaliação de Transformadores Submetidos a Testes Automatizados Utilizado a Variação de Frequência – Medidas de Resposta em Frequência, Capacitância e Fator de Potência” – 2006, 21º. CBM – Congresso Brasileiro de Manutenção, Aracajú, SE.

M. E. C. Paulino, M. Krüger, “Diagnóstico de Transformadores – A Experiência Prática com Medida da Resistência de Enrolamento, Testes do Comutador sob Carga, de Relação, da Reatância de Dispersão, da Capacitância e da Medida do Fator de Dissipação”, 2004 – XVI Seminário Nacional de Distribuição de Energia Elétrica – Brasília – DF.

Manual de Referência CPTD1 – CPC100TD1.PR.1 – OMICRON electronics GmbH.

Este trabalho foi originalmente apresentado durante o Cidel Argentina 2010 – International Electricity Distribution Congress, entre os dias 27 e 29 de setembro de 2010.

Marcelo Paulino é engenheiro eletricista pela Escola Federal de Engenharia de Itajubá (EFEI). Possui larga experiência em engenharia de sistemas de potência, particularmente na área de Testes e Ensaios em Equipamentos Elétricos. Atualmente, é gerente do Departamento Técnico da Adimarco Representações e Serviços Ltda. É também instrutor certificado pela Omicron Eletronics e membro do CE B5 do Cigré-Brasil.

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