*por Guilherme Leal Xavier
Atualmente, a maioria das cargas presentes nos sistemas elétricos possui características não-lineares, as quais contribuem para o surgimento de um dos principais fenômenos associados com a qualidade da energia elétrica: a distorção harmônica. Em função do surgimento das distorções nas formas de onda da corrente e, consequentemente, da tensão, tem-se, dentre outros impactos, o incremento das perdas técnicas nos sistemas de distribuição da energia elétrica. Uma das formas de quantificar a parcela de perdas técnicas, associada à circulação das correntes harmônicas nas redes elétricas, é a realização de simulações computacionais de fluxo harmônico. Contudo, para realização deste tipo de simulação torna-se fundamental a caracterização das componentes harmônicas de tensão e de corrente em termos de amplitude e ângulo de fase. Tais características das componentes harmônicas podem ser obtidas por meio de modelos matemáticos previamente incorporados ao estudo de fluxo harmônico, ou, ainda (e de forma mais assertiva), através da realização de campanhas de medição, contemplando o registro não somente das amplitudes das componentes harmônicas, mas também dos respectivos ângulos de fase para cada uma dessas componentes harmônicas.
Nesse sentido, os medidores dos parâmetros de qualidade da energia elétrica, atualmente disponíveis no mercado, baseiam-se nos protocolos e procedimentos estabelecidos por normas internacionais (IEC 61000-4-7 e IEC 61000-4-30), as quais estabelecem uma metodologia para quantificação apenas das amplitudes das tensões e das correntes harmônicas. Assim, considerando-se que os medidores comercialmente disponíveis possibilitam apenas o registro dos valores das amplitudes das tensões e das correntes harmônicas individuais, agregadas em 10 minutos, qual seria o valor do ângulo de fase correspondente para essas duas grandezas para o mesmo intervalo de tempo de agregação? Em termos físicos e elétricos, apesar de a pergunta parecer não ter um sentido prático, uma vez que os fasores de tensão e de corrente harmônica podem variar muito dentro de uma janela de tempo de 10 minutos, ela é de suma importância para solução de alguns problemas práticos.
Na tentativa de responder como se comportam os ângulos de fase das componentes harmônicas, realizou-se uma medição de formas de onda de tensão e corrente instantâneas em uma instalação real, do tipo residencial, com duração de 10 minutos. O equipamento utilizado foi um analisador de qualidade da energia elétrica fabricado pela Elspec, modelo G4500. Após a medição das formas de onda da tensão e da corrente, desenvolveu-se um código de programação em Matlab para leitura dos dados, processamento da Transformada Discreta de Fourier (TDF) e geração dos gráficos com os resultados. Os resultados estão apresentados na Figura 1 na forma de gráfico em coordenadas polares para os fasores oriundos da TDF, sendo que, cada ponto, indicado nos gráficos, representa a extremidade dos fasores de corrente com origem no centro do sistema. A referência adotada é o ângulo de fase da componente harmônica de tensão de mesma frequência (ϕVh = 0º). Para retratar melhor a densidade dos pontos dentro de uma “nuvem de dados”, adotou-se a representação em “mapa de calor”. Os resultados apresentados são referentes as correntes de 3ª, 5ª, 7ª e 9ª ordens harmônicas.
Analisando a Figura 1, percebe-se a concentração de dados em duas regiões distintas para cada ordem harmônica. Esta situação é resultado da ocorrência de apenas uma mudança de patamar na curva de carga durante o intervalo de medição. Os resultados obtidos evidenciaram que, para cada frequência harmônica, os ângulos de fase das componentes harmônicas de corrente podem apresentar diferentes comportamentos quando da variação de cargas. Outra constatação possível é quanto ao sentido do fluxo de potência harmônica ativa, sendo que este pode se dar no sentido da fonte para a carga (Ph > 0) ou no sentido contrário, da carga para a fonte (Ph <0). Esta constatação é perceptível a partir da análise do defasamento angular (θh=ϕVh-ϕIh) entre a tensão (referência) e a corrente de mesma ordem harmônica. No caso em específico desta medição, pode-se constatar que para a 3ª e 9ª ordens harmônicas o fluxo de potência harmônica ativa se deu meramente no sentido da carga para a fonte, conforme Figuras 1(a) e 1(d). Para a 5ª e 7ª ordens harmônicas, Figuras 1(b) e 1(c), o fluxo de potência harmônica ativa inverteu o sentido quando da mudança da carga, sendo que em um determinado instante o fluxo situava no sentido da carga para a fonte, e em um outro instante, passou a ser no sentido da fonte para a carga. Cabe ainda destacar, que a mesma análise pode ser feita considerando-se o fluxo de potência harmônica reativa, sendo que o mesmo pode ser do tipo capacitivo ou indutivo. Na Figura 2 são apresentados todos os sentidos possíveis para o fluxo harmônico de potência ativa ou reativa.
Pelos resultados obtidos por esta e também em outras medições realizadas, os ângulos de fase para as tensões harmônicas se apresentam com uma certa tendência de comportamento mais estável ao longo do dia, salvo algumas variações dependendo do horário. Já no caso dos ângulos de fase das componentes harmônicas de corrente, os mesmos se apresentam com valores característicos para cada tipo de equipamento ou conjunto, ou seja, podem variar conforme as cargas entram e saem de funcionamento em um determinado ponto de monitoração. Finalmente, em função do comportamento dos ângulos de fase das componentes harmônicas, para algumas aplicações específicas, a exemplo de estudos de fluxo harmônico visando a quantificação das perdas técnicas na distribuição, faz-se necessária a consideração desses ângulos para uma maior assertividade dos estudos a serem realizados. Nesse sentido, portanto, torna-se imprescindível o desenvolvimento de uma nova metodologia de agregação temporal dos ângulos de fase das componentes harmônicas, a exemplo do intervalo de 10 minutos utilizado pela IEC 61000- 4-30 para agregação das amplitudes dessas mesmas componentes.
Guilherme Leal Xavier possui graduação em engenharia elétrica (2007) e mestrado (2012) pela Universidade Federal de Uberlândia (UFU). Atualmente é professor assistente na Universidade Federal de Viçosa (UFV), campus Rio Paranaíba-MG e cursa doutorado na UFU, atuando como pesquisador no Laboratório de Distribuição de Energia Elétrica (LADEE). Tem como áreas de interesse: protocolos de medição dos parâmetros da QEE, análise harmônica, medição de energia elétrica e fluxo de energia harmônica. José Rubens Macedo Junior possui graduação em engenharia elétrica (1997) e mestrado (2002) pela UFU. Doutorado pela Universidade Federal do Espírito Santo (2009). Pós-doutorado em Worcester Polytechnic Institute, Massachusetts, USA (2015). Foi Diretor Presidente da Sociedade Brasileira de Qualidade da Energia Elétrica (SBQEE) no biênio 2011/2013. É Senior Member do IEEE desde 2007. Tem atuado nos seguintes temas: medição de energia elétrica, protocolos de medição de parâmetros da QEE, perdas técnicas e flutuação de tensão. Atualmente é professor.