Edição 91 – Agosto de 2013
Por Edson Martinho*
O caso que vou narrar aqui aconteceu comigo em meados de 2012 e mostra uma relação entre a comunicação, a arrogância e o desconhecimento de alguns atores da cena. Tudo começou com um e-mail de um colega, solicitando a mim a indicação de um eletricista para um amigo do chefe dele que estava tendo um problema na sua residência. O e-mail dizia mais ou menos assim:
Comprei uma casa em um condomínio de luxo [omitirei todos os nomes por razões óbvias], com cortinas automáticas, piso em granito natural, uma pequena piscina, mas quase todos os dias a instalação elétrica desliga parte da casa e eu não sei como resolver. Entrei em contato com o EMPREITEIRO que construiu a casa e ele disse que “provavelmente” seja algo simples, mas ele está sem tempo de vir aqui resolver.
Imediatamente indiquei o Mário (nome fictício) para ir à casa do cliente. Mario nos acompanha há muito tempo, tem conhecimento de instalações residenciais, é um profissional simples, mas correto, e se preocupa com a segurança das pessoas que irão usar a instalação elétrica que ele constrói ou reforma. Pois bem, o Mario chegou à casa do solicitante em um condomínio de luxo e foi recebido pelo cliente que apontou o problema: “Todos os dias, principalmente no início da noite, a energia de toda a parte debaixo da casa é desligada, eu já estou ficando sem paciência”.
O Mário então pediu para ver o projeto elétrico e descobriu que não havia projeto elétrico, então pediu para ver o quadro de distribuição da instalação elétrica e identificou que havia cerca de 20 circuitos que atendiam a parte de baixo da casa, mas somente um DR estava instalado para proteger todos estes circuitos. Fazendo uma analogia rápida, ele suspeitou do dispositivo que poderia acumular várias correntes de fuga atingindo seu limiar de desligamento. Suspeitou inicialmente do jardim, que era iluminado por luminárias abertas e alimentadas por eletrodutos enterrados. Pediu para ver as luminárias e, ao desmontar uma delas, viu que a distribuição das alimentações era feita em eletrodutos corrugados enterrados no jardim, sem nenhuma proteção contra entrada de água ou umidade, e também identificou a ausência do condutor de proteção (fio terra) nas luminárias. Mario foi mais a fundo e, ao puxar os fios da luminária, estavam todos molhados. Chegou logo à conclusão: “este deve ser o motivo dos desligamentos no início da noite”.
Chamou o proprietário e explicou que o DR funciona assim, assado e cozido, e que a instalação elétrica do jardim estava com muita umidade, o que causaria um ponto de fuga de corrente e que poderia ser o motivo dos desligamentos, mas que ele só saberia se este era o único motivo após uma separação dos circuitos. Depois de oferecida a informação completa, aparentemente, a mesma não foi ouvida pelo cliente, que respondeu a ele: “faça o que for necessário”. Mario tomou a decisão de separar o circuito da iluminação, instalar condutor de proteção, proteger os eletrodutos para não haver entrada de água e, naturalmente, instalar as devidas proteções contra sobrecorrente e choque neste novo circuito.
E lá foi o Mario fazer o que sabia com competência e conhecimento. Ao final do dia, apresentou a conta para o cliente que consistia em R$ 450,00 de mão de obra e o restante em materiais para o serviço, totalizando R$ 1.300,00. Foi embora, deixou o contato dele e dias depois recebe uma ligação do mesmo cliente em tom agressivo dizendo que o que ele fez não havia dado certo. Mario se programou para voltar na casa do cliente cedinho e assim o fez.
Ao chegar, já foi recebido com o que se diz no jargão “quatro pedras na mão”. O cliente estava esbravejando e Mario, pacientemente, voltou a dizer que ele havia explicado sobre o DR e seu funcionamento, sobre a suspeita dele e que a partir de agora ele teria de fazer uma investigação mais profunda, mas que de antemão a instalação dele estava mal dimensionada, sem alguns dispositivos de segurança como o condutor de proteção em alguns lugares, etc. e, naturalmente, voltou a tentar explicar o funcionamento do DR. O proprietário não o escutou, acusou-o de ter “roubado” seu dinheiro, acabaram discutindo, pois Mario se sentiu ofendido e ameaçado e decidiu ir embora.
Tudo isso ocorreu sem meu conhecimento, já que depois de indicar o Mario não falei mais com ele. De repente recebi um novo e-mail deste colega que dizia assim: “Edson, veja abaixo o e-mail do meu chefe, pois parece que o eletricista que você indicou não foi muito bem”. Nesta mensagem, também havia o e-mail do cliente que enviou para o amigo e dizia mais ou menos assim:
Amigo, o eletricista que você me indicou veio a minha casa, quis me ensinar a teoria da relatividade de Einstein, me cobrou uma fortuna e não resolveu o problema.
Respondi com o jargão da polícia para todos os casos: “Obrigado pela informação, vou apurar os fatos e voltamos a nos falar”. Foi então que liguei para o Mário para saber a história diretamente da fonte e ele prontamente me explicou o ocorrido. Inclusive me enviou algumas fotos da situação que estão ilustradas neste causo.
Depois de apurados os fatos, respondi ao colega e expliquei todo o ocorrido, inclusive, enviei algumas fotos para que ele pudesse indicar ao seu chefe os problemas e que este orientasse o amigo. Não sei se isso foi feito, mas é provável que o problema tenha sido resolvido de alguma forma.
Achei este caso interessante para contar, pois existem várias condições nesta história, que são, no mínimo, comuns de ocorrerem no dia a dia do mundo das instalações elétricas.
A primeira delas é que as pessoas adquirem uma casa pelo que é visível, ou seja, piso, azulejo, paisagismo, automação, etc.; a infraestrutura e o que está dentro da parede não interessam e quase nunca são questionadas.
A segunda é que, independentemente do valor da casa ou do padrão de vida social das pessoas, existem inúmeros picaretas executando instalação elétrica. Para complementar este causo, recentemente, fui visitar a casa de um colega em outro condomínio de luxo no interi
or de São Paulo. A linda casa possuía três suítes com banheira em todas elas, além de uma pequena piscina, sem contar diversos outros itens que exigiam proteção contra choques e NENHUM DR foi encontrado. Para se ter uma ideia, a casa deste colega foi avaliada em R$ 2,5 milhões e a casa do nosso causo em R$ 5 milhões.
Outro problema muito comum é a arrogância das pessoas que não conhecem o assunto, mas acusam os profissionais de os extorquirem. Creio que este seja o reflexo natural de tantos desmandos e de picaretas que aparecem e desaparecem no mercado. Em ambos os casos, os riscos e os problemas existentes foram apontados e alertados sobre os riscos e os usuários simplesmente ignoraram, preferindo acreditar no seu empreiteiro.
Mais uma situação comum é que, quanto maior o poder aquisitivo, menor é a verba destinada à eletricidade. Assim como se usa UM DR em casa popular, as pessoas instalam o mesmo UM DR em uma instalação com dez vezes o tamanho da casa popular.
Outra constatação corriqueira é a ausência de projeto elétrico realizado por um profissional legalmente habilitado, ou seja, um engenheiro eletricista ou técnico em eletrotécnica.
Por fim, avaliar o causo acima nos leva a pensar como foi solucionado o problema da casa do cliente. Podemos pensar em várias hipóteses:
1 – chamou o empreiteiro e pediu para ele resolver – o camarada preparou um by-pass no DR tirando-o do circuito;
2 – chamou outro eletricista, que tentou explicar a “teoria da relatividade de Einstein”, como ele cita, e ao iniciar foi logo mandado embora;
3 – foi devidamente alertado pelo colega (que tem conhecimento na área) a fazer uma avaliação completa na instalação elétrica da casa dele e dar mais valor à eletricidade (é o que esperamos que tenha acontecido);
4 – chamou um Zé Faísca qualquer que disse que aquele disjuntor (o DR) era ruim e ele iria substituir por um bom, e trocou por um disjuntor tripolar de 50 ampères;
5 – foi estudar sobre os dispositivos de proteção e solicitou uma revisão completa na instalação elétrica incluindo o projeto da reforma.
E tantas outras possibilidades.
Como a seção diz: a ideia é contar causos da nossa experiência e procurei contar um que provavelmente vocês já encontraram por aí. Se tiverem casos semelhantes, enviem para que possamos montar um grande documento e solicitar as autoridades a tão sonhada certificação da instalação elétrica antes de entrar em operação.
*Edson Martinho é engenheiro eletricista, consultor e diretor executivo da Associação Brasileira de Conscientização para os Perigos da Eletricidade (Abracopel).