Certificação voluntária não engrena

Edição 120 – Janeiro de 2016
Por Bruno Moreira

Após dois anos da publicação da Portaria nº 51 do Inmetro, a certificação das instalações elétricas de baixa tensão ainda dá seus primeiros passos no país. Conforme o instituto, a procura dos estabelecimentos ainda é inferior ao esperado.

Em janeiro de 2016, completou dois anos que a Portaria nº 51, que institui a certificação voluntária para instalações elétricas de baixa tensão (BT), foi publicada pelo Instituto Nacional de Metrologia, Qualidade e Tecnologia (Inmetro). Com o apoio dessa legislação, diversas instituições se sentiram mais à vontade para buscar um selo que chancelasse suas instalações elétricas BT, garantindo que elas estivessem em conformidade com a norma da área da Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), a ABNT NBR 5410.

Segundo o engenheiro eletricista e sócio-gerente da MDJ Assessoria e Engenharia Consultiva, Eduardo Daniel, a procura tem sido realizada com casos voluntários, visando o cumprimento de especificações de projetos originais e também a garantia da qualidade e segurança das instalações. “Outro motivo bastante forte é a redução drástica de custos de retrabalho após a entrega das instalações”, explica o engenheiro, que também atuou como superintendente da Associação Brasileira de Certificações Elétricas – Certiel Brasil, entidade mantida por parceiros da área, cujo objetivo era fomentar a certificação das instalações elétricas, e que deixou de existir tão logo foi publicada a Portaria nº 51.

O sócio-gerente da MDJ destaca ainda que as empresas que vêm buscando certificar suas instalações elétricas BT são principalmente aquelas ligadas à segurança, como estabelecimentos de saúde, edifícios corporativos. “No caso de empresas e órgãos públicos, a Infraero já estabeleceu a obrigatoriedade em obras aeroviárias, o Banco Central também em suas reformas e novas obras”, afirma.

Mesmo antes da publicação da portaria do Inmetro, no âmbito da Certiel Brasil, já existia a busca pela certificação. Conforme Daniel, nesta época, foram realizados cerca de 70 processos, com a emissão de 100 certificados. Após a publicação da Portaria Inmetro 51/2014, segundo o chefe da Divisão de Regulamentação Técnica e Programas de Avaliação da Conformidade do Inmetro, Leonardo Machado Rocha, foram dez instalações elétrica BT certificadas (em pistas de aeroporto). Neste intervalo, recebeu o certificado também a instalação elétrica do Ambulatório Médico de Especialidades (AME), em Taboão da Serra (SP).

Não obstante, de acordo com Rocha, a procura dos estabelecimentos pela certificação das instalações ainda é inferior ao esperado. “Acreditamos que ao mesmo tempo em que as empresas ainda estão procurando conhecer melhor o processo de certificação, deve-se levar em consideração o fato de que o programa possui caráter voluntário”, explica o chefe da Divisão de Regulamentação Técnica e Programas de Avaliação da Conformidade do Inmetro.

A busca de empresas para se tornarem organismos certificadores também não é das maiores. De acordo com o Inmetro, existem atualmente duas entidades no Brasil acreditas pelo instituto: a Associação IEX Certificações, que conforme Rocha, está desde o início do programa de avaliação da conformidade, e a ACTA Certificações, que solicitou a acreditação para o escopo da Portaria Inmetro nº 51/2014, tornando-se um organismo acreditado em outubro de 2014.

Primeiro estabelecimento de saúde com instalações elétricas BT certificadas no Brasil

O Ambulatório Médico de Especialidades (AME) Taboão da Serra (SP), de responsabilidade do Governo Estadual, gerenciado e administrado pela Associação Paulista para o Desenvolvimento da Medicina (SPDM), foi o primeiro estabelecimento de saúde a ter suas instalações elétricas BT certificadas no Brasil. O AME de Taboão recebeu o certificado da empresa UL do Brasil em 17 de setembro de 2015.

Apesar de ainda não constar no banco de dados de produtos e serviços certificados do Inmetro, haja visto que a empresa responsável pela certificação, a UL do Brasil, ainda se encontra nos trâmites finais do processo de acreditação pelo instituto, o processo de certificação do ambulatório ocorreu todo em conformidade com a portaria 51/2014 do Inmetro. Dessa maneira, assim que se tornar um Organismo de Certificação de Produtos (OCP), a UL deverá substituir o atual certificado de avaliação de conformidade por outro documento com o aval do Inmetro.

O engenheiro eletricista Jefferson F. Moraes, da Unidade de Engenharia da Superintendência de Instituições Afiliadas da SPDM, que foi responsável pelo desenvolvimento do projeto de reforma das instalações elétricas de baixa tensão da AME Taboão da Serra, conta como se deu o processo que culminou na certificação das instalações do estabelecimento. Segundo ele, tudo começou há cerca de três anos, quando o prédio, uma antiga Unidade Básica de Saúde (UBS), que até então estava abandonado, foi transformado no AME de Taboão a partir de uma iniciativa da SPDM, que recebeu recursos do Governo do Estado de São Paulo para a realização da reestruturação do edifício. “Foi uma reforma total, que envolveu a parte civil, hidráulica e também as instalações elétricas”, diz Moraes, acrescentando que o projeto arquitetônico e de infraestrutura da edificação foram também desenvolvidos por uma equipe que trabalha na SPDM.

Durante a obra, a SPDM achou por bem buscar a certificação para as instalações elétricas BT que estavam sendo reformadas de acordo com as normas específicas da área. Além da ABNT NBR 5410, foram obedecidos os documentos normativos ABNT NBR 13534, que trata de instalações elétricas em ambientes assistenciais de saúde e a ABNT NBR 13570, que trata da parte de instalações elétricas de locais de afluência de público. “Então são três normas da ABNT especificamente ligadas às instala&cced

il;ões elétricas que nós tivemos que observar”, declara o engenheiro. Conforme ele, é prática usual da SPDM obedecer às normas da ABNT quando vai reformar ou desenvolver uma nova instalação elétrica em baixa tensão. “Vivemos em um país onde praticamente se relega esta questão, onde ninguém dá muita atenção”, reforça Moraes, que é membro do Comitê Brasileiro de Eletricidade (CB-3) da ABNT e um entusiasta da causa por ter acompanhado de perto a luta de muitos anos do setor para organizar as instalações elétricas de forma geral.

Dessa forma, com o intuito de obter a certificação, Moraes contatou a Certiel. O contato foi realizado em 2013, um ano antes da publicação da portaria. A Certiel, por intermédio de seu superintendente, o engenheiro eletricista Eduardo Daniel, orientou a SPDM sobre como obter o certificado. Na ocasião, também foi obtido o financiamento do Procobre, que, motivado pelo interesse em que cada vez mais instituições certificassem suas instalações elétricas para difundir e fortalecer o que foi estabelecido na portaria do Inmetro, financiou o processo de certificação.

O processo de certificação consiste em três fases: análise do projeto; inspeção visual; e ensaios. A certificação das instalações elétricas BT do AME Taboão da Serra seguiu exatamente este trâmite. Primeiramente, o SPDM submeteu seu projeto à análise da UL, organismo de certificação contratado para a realização do serviço. Tendo como base as três normas da ABNT anteriormente citadas, o projeto foi avaliado e aprovado pela UL. Em seguida, foi realizada a inspeção visual por empresa contratada pela UL. Eles fizeram o levantamento de toda a instalação, confrontando com o projeto executivo fornecido pela SPDM. Nessa inspeção, verificaram por exemplo se o quadro elétrico estava localizado no ponto correto e se os seus componentes estavam dispostos de maneira adequada dentro do painel. A empresa também inspecionou se os produtos utilizados nas instalações – disjuntores, cabos, fusível, DPS, DPR etc. – atendiam às normas técnicas e possuíam selo de certificação do Inmetro.

Posteriormente partiu-se para a realização dos ensaios. Seguindo os trâmites estabelecidos no capítulo 7 da ABNT NBR 5410, por meio de equipamentos eletrônicos, foram medidas todas as tomadas do estabelecimento, os quadros elétricos e algumas luminárias da unidade de saúde. “E de tudo isso, inspeção visual e ensaios, tivemos algumas não conformidades, coisas que ficaram da execução da obra”, explica Moraes. Segundo o engenheiro eletricista, havia por exemplo, um cabo que estava mal conectado no barramento do quadro e um DPS que fora instalado na classe errada no Quadro Geral de Baixa Tensão (QGBT). A partir dos problemas levantados elaborou-se um relatório de não conformidades. Os passos subsequentes foram a correção de todas as não conformidades e a realização de novas inspeção e análise, que obteve como resultado a aprovação da instalação elétrica e a emissão do certificado pela UL.


Na inspeção realizada no AME, verificou-se que o quadro elétrico estava localizado no ponto correto e que seus componentes estavam dispostos de maneira adequada.

 

De acordo com Moraes, a repercussão da certificação das instalações elétricas BT do ambulatório de Taboão foi muito grande. Tanto que a SPDM recebeu autorização para realizar o mesmo procedimento em outras unidades de saúde administradas pela associação. As próximas instalações elétricas BT que deverão ser certificadas pertencem ao prédio da Unidade Recomeço Helvetia. O edifício de 12 andares, que fica situado na Rua Helvétia, na região chamada de Cracolândia, está sendo reformado para atender dependentes químicos daquela localidade. Diferentemente do que ocorreu no AME de Taboão da Serra, o processo de certificação da Unidade Recomeço será realizado por andar. “No momento já temos os dois primeiros andares confirmados”, declara o engenheiro eletricista. O trabalho de certificação das instalações destes andares também ficará por conta da UL, assim como o financiamento virá do Procobre.

Sobre a certificação das instalações elétricas BT das unidades de saúde administradas pela SPDM, Moraes salienta dois pontos importantes decorrente dela: a eficiência energética e a segurança. A gerente administrativa do AME Taboão da Serra, Veronice Santos Ferraz Amurin, destaca a questão da economia, porque, conforme ela, se o estabelecimento possui uma instalação elétrica adequada o valor da conta de luz diminui bastante. Contudo, a questão da segurança, segundo Veronice, é fundamental, porque o foco do AME Taboão da Serra, por exemplo, é assistência à saúde, então todos os processos realizados pela unidade e para a unidade são voltados para a segurança dos pacientes e dos colaboradores. “Quando se está em uma unidade de saúde que está certificada, que está reconhecida por um organismo de certificação e qualificada, isso transmite muito mais segurança tanto para nós como para os pacientes”, assegura a gerente.

Para o engenheiro, o quesito segurança também vem em primeiro lugar, haja visto que o foco da certificação é a segurança do usuário. “Quando se projeta instalação elétrica, esta tem que ser à prova do usuário”, destaca Moraes. Ou seja, uma instalação que, em caso de fuga de corrente, possui um DR adequado, que, acionado, desenergiza o circuito e protege a pessoa em caso de contato com a tomada, por exemplo. Logicamente, com toda a instalação elétrica dimensionada de forma correta, dentro dos padrões normativos, a economia de energia virá como consequência. “Se a instalação é feita de maneira aleatória, sem critérios, sem dimensionamento dos componentes, por exemplo, haverá superaquecimento, porque há mau contato, e este aquecimento ocasionará o desperdício de energia. Cabos mal dimensionados também gerarão desperdício, porque existe algo chamado queda de tensão”, explica o engenheiro eletricista. Outro efeito de instalações elétricas inadequadas é o mau funcionamento dos equipamentos elétricos. No caso de unidades de saúde, aparelhos eletromédicos, como o ultrassom, podem funcionar em uma voltagem abaixo da correta, resultando em um exame inapropriado.

Destacando a qualidade da instalação elétrica projetada e executada no AME de Taboão da Serra, que, “pod

e ser vista, praticamente, como um modelo de instalação elétrica BT”, o engenheiro eletricista, vê o trabalho realizado pela SPDM no sentido de certificar às instalações como uma forma de difundir esta questão. O intuito, segundo Moraes, é de que todo os estabelecimentos de saúde pública, hospitais, ambulatórios, as UBS, seguissem a iniciativa da SPDM, pois, assim, as instalações seriam mais seguras para todos. “Seria bom para o usuário, que teria maior confiabilidade, e seria bom para o proprietário da instalação, no caso o Governo do Estado ou a Prefeitura Municipal, que veria o serviço funcionando de forma adequada”, afirma o engenheiro.


Organismo certificador 

O organismo que realizou o processo de certificação das instalações elétricas BT do AME Taboão da Serra, a UL, nasceu em Chicago, nos Estados Unidos, há mais de 120 anos, e, desde então, vem atuando para tornar os produtos, ambientes e serviço mais seguros para diversos tipos de consumidores. A empresa está no Brasil há 15 anos, sendo acreditada pelo Inmetro em 2002 para a realização da certificação de produtos. Desde então, a UL ampliou seu escopo de atuação – não se restringindo mais à certificação – adquirindo um Laboratório de Avaliação de Conformidade, a UL Testtech, também acreditado pelo Inmetro, e que implementa testes em diversos produtos do segmento elétrico, tais como lâmpadas Led, eletrodomésticos, fios e cabos.

A certificação do AME Taboão da Serra, em 2015, foi a primeira emitida pela empresa nesta área em território brasileiro. Em vias de ser acreditada pelo Inmetro, a UL conta o que deve ser feito junto ao Inmetro para se tornar um organismo certificador de instalações elétricas BT. O líder da área de Fios & Cabos e Plugues da UL, engenheiro João Carlos Abel Junior, explica que a empresa deve cumprir uma série de normas de referências e procedimentos internos definidos pelo instituto. Por meio destas regras, a empresa pode ser auditada e, cumprindo as exigências, acreditada. A acreditação, segundo Abel, assegura que o organismo de certificação tem a competência necessária de pessoal, equipamentos e organizacional para realizar as etapas previstas na Portaria 51/2014. “É importante que haja esse controle por parte do Inmetro para que a verificação não seja executada com critérios diferentes por cada organismo”, afirma ele.

No que se refere ao procedimento da UL para a realização do processo de certificação das instalações elétricas BT, Abel explica que ele está baseado na Portaria Inmetro 51/2014 do Inmetro, que abrange a análise da documentação do projeto no estado as-built, realização dos ensaios previstos no capítulo 7 da norma ABNT NBR 5410:20014, assim como foi declarado pelo engenheiro eletricista Jefferson Moraes anteriormente. Tal qual ocorreu no AME Taboão da Serra, se forem registradas não conformidades durante o processo, elas devem ser corrigidas e submetidas a nova verificação. E quando todas as não conformidades são fechadas, o certificado é emitido.

Não obstante o único certificado da UL até o momento, no Brasil, ter sido emitido para uma unidade de saúde, o engenheiro Abel esclarece que todos os tipos de instalação podem receber certificação, “principalmente aquelas ligadas à segurança de seus usuários, como estabelecimentos de saúde (caso do AME Taboão), edifícios corporativos, e residenciais. Tanto na área pública quanto privada”. Os mais comuns, segundo ele, têm sido da área corporativa, uma vez que os projetos originais desse tipo de edificação já estão prevendo a verificação das instalações. “Mas também os edifícios residenciais de construtoras que querem garantir a adequação das instalações e diminuir os custos de retrabalho”, diz.

De acordo com Abel, a experiência da UL até agora, especificamente na área de instalações elétricas, tem mostrado que os setores de edificações e os órgãos públicos estão mais conscientes da importância da certificação das instalações, verificando que se trata de uma atividade viável frente aos prejuízos potenciais de um acidente de origem elétricas. “Por exemplo, mortes em um hospital por choque elétrico ou vítimas e prejuízos materiais em residências e escritórios”, destaca o engenheiro Abel, citando ainda como exemplo o incêndio no Museu da Língua Portuguesa, em São Paulo, “provavelmente de origem elétrica de acordo com as informações divulgadas até agora, que além da vida perdida, colocou em crise o sistema de transporte ferroviário e perda das instalações e equipamentos do Museu”.


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