O cenário atual do setor elétrico é profundamente marcado por um conjunto de transformações importantes, como as mudanças climáticas e seus efeitos e a nova configuração da cadeia de produção da eletricidade. A intermitência da geração eólica e fotovoltaica e a expansão da geração distribuída (GD) – sem desconsiderar os benefícios que proporcionam ao promover o alinhamento à transição energética – estão impondo importantes desafios aos operadores do sistema elétrico, que têm a missão de manter em equilíbrio a relação entre oferta e a demanda por energia elétrica no sistema.
Os desafios enfrentados diuturnamente pelos técnicos do Operador Nacional do Sistema Elétrica (ONS) são indicadores de que há uma equação ainda a ser resolvida no setor elétrico brasileiro. Se, na ponta da geração, cumprimos a missão de assegurar uma expansão do parque gerador mantendo a hegemonia das fontes renováveis – o que situa o Brasil entre os protagonistas da transição energética –, necessitamos, agora, levar adiante uma transição tecnológica, que assegure que o setor elétrico continue a operar com segurança e eficiência. O CIGRE-Brasil, um think tank do setor elétrico dedicado justamente a contribuir para a evolução desse segmento, vem se debruçando sobre essas questões e contribuído, com propostas embasadas em seu reconhecido apuro técnico, para oferecer alternativas para a superação de obstáculos.
Estudos realizados por diferentes times de especialistas do CIGRE-Brasil, buscam contribuir para as discussões envolvendo assuntos que permeiam a operação do sistema elétrico interligado. Um exemplo de proposta para endereçar questões importantes está no paper “Estado da arte e tendências das tecnologias de turbinas Francis com ampla faixa operativa”, produzido por um fabricante de turbinas no âmbito do Grupo de Estudos de Geração Hidráulica (GGH), que atua no SNPTEE – Seminário Nacional de Produção e Transmissão de Energia Elétrica, evento do CIGRE-Brasil. A proposta tem como alvo a regulação de carga no sistema elétrico, considerando-se as oscilações provocadas pelo aumento da participação de fontes renováveis intermitentes, como energia solar e eólica, na geração.
A turbina Francis é uma das mais difundidas no parque gerador brasileiro, com uma participação de cerca de 75% da capacidade de geração hidrelétrica. Suas principais características são a flexibilidade e a capacidade de operar em faixas de quedas e com potência nominal diferenciadas. No sistema elétrico brasileiro, contudo, funcionam limitadas a uma faixa operacional entre 50% e 100% de sua potência nominal. Segundo o estudo, se forem projetadas para uma faixa ampla de operação, as turbinas Francis podem funcionar com grande variação, proporcionando flexibilidade e eficiência, embora esta ampliação da faixa operativa de turbinas Francis necessite de um amplo estudo de modificação na sua fabricação, além, naturalmente, da elevação dos custos e da longa duração na modernização destas inúmeras turbinas que já estão em operação em todo o país.
Outro papel que pode contribuir para o aprimoramento da operação, reforçando a importância da automação e da digitalização do sistema elétrico, é “Enia – Assistente inteligente da Eletronorte”, elaborado pelo Grupo de Estudo de Operação de Sistemas Elétricos (GOP). O trabalho descreve a experiência realizada pela Eletronorte com a Enia, uma versão de assistente virtual inteligente projetada para oferecer suporte aos operadores dos Centros de Operação do Sistema Elétrico.
Acionada por voz, a Enia contribui para a execução, em tempo real, de atividades operacionais. A ferramenta permite acesso rápido e seguro a procedimentos, além de permitir a integração com sistemas especialistas de automação, utilizados no controle remoto de usinas, subestações e linhas de transmissão.
Voltado para outro aspecto da operação do sistema elétrico, o paper “Nova metodologia para a determinação de distância mínima de segurança para linhas sujeitas a desligamentos por queimadas: Estudo de caso e aplicação de análise geoestatística”, produzido pelo Grupo de Estudo de Linhas de Transmissão (GLT), também oferece uma proposta interessante. O paper contribui para o enfrentamento do problema causado à rede de transmissão pelas queimadas, que foram a segunda maior causa de desligamentos nos últimos dez anos, ficando atrás somente das descargas atmosféricas. O estudo mostra que, de acordo com pesquisa realizada com transmissoras em 2022, a limpeza de faixa de servidão foi a segunda maior despesa operacional para 43% das companhias consultadas.
O paper oferece, com base em um estudo de caso envolvendo uma linha de transmissão compacta operando em 500 kV no norte do Brasil no período entre 2013 e 2021, um critério para o cálculo de distância de segurança mínima para linhas similares expostas a queimadas. Também traz um comparativo entre esse novo critério e a metodologia vigente.
Modernizar o sistema elétrico, definindo novas funções para os agentes e promovendo maior integração entre elas, com o apoio indispensável da digitalização, é uma medida indispensável e inadiável. Trata-se de fator determinante para que consigamos colher os frutos dos investimentos realizados com o objetivo de evitarmos os efeitos cada vez mais ameaçadores das mudanças climáticas.