Coordenação e seletividade: uma revisão de conceitos e os benefícios das técnicas disponíveis

Edição 96 – Janeiro de 2014
Artigo: Proteção
Por Edi Carlos Martins Santos, Miguel Rosa Júnior e Vasco Trestini Neto*

Falhas elétricas são inevitáveis nas instalações prediais, industriais e residenciais. Elas podem ter várias origens e podem também causar consequências de diversos níveis. Nos últimos anos, a sociedade brasileira aumentou seu grau de conscientização quanto ao respeito às normas de instalações e de equipamentos, normas de segurança do ministério do trabalho e melhores práticas de projeto e engenharia, de uma maneira geral. A despeito disso, ainda assim, existe a possibilidade de uma falha elétrica (ou a atuação dos sistemas de proteção) ocorrer inadvertidamente, criando constrangimentos ao lazer ou à operação de indústrias ou atividades de serviços.

Uma falha elétrica, que interrompa o fornecimento de energia, pode causar desde um simples descontentamento, como o impedimento de uma dona de casa assistir ao seu programa de TV favorito, até elevadas perdas financeiras, como a indisponibilidade dos sistemas de informação de um banco.

Desta forma, a concepção ou a instalação de sistemas de proteção que minimizem a amplitude e o tempo de parada, causados por uma falha, é mandatória nas práticas modernas de engenharia. Os estudos de coordenação e seletividade claramente ajudam a aumentar a disponibilidade da energia nas instalações residenciais, prediais, industriais, entre outras.

O curto-circuito, prejuízos patrimoniais e operacionais

Do ponto de vista do fenômeno, um curto-circuito ocorre quando surge uma resistência muito baixa ou nula entre fases, fase-neutro e fase-terra de uma fonte de alimentação, de um dado circuito da instalação. Funciona como se ligássemos diretamente os condutores de fase entre si ou a ligação de uma das fases ao condutor terra da instalação. Quando isso ocorre e não há dispositivos de proteção, a corrente do circuito se eleva da ordem de centenas ou milhares de vezes da corrente normal de operação, causando a destruição de cabos, barramentos, isoladores e materiais isolantes que estão ligados ao circuito. Esta destruição ocorre porque os condutores e sistemas foram dimensionados para trabalhar com correntes de regime nominais, e não correntes de falta elevadas.

Fusíveis e disjuntores (os chamados dispositivos de proteção) são utilizados para evitar essas consequências imediatas do curto-circuito. Eles são instalados a montante (antes) das cargas e abrem ou interrompem o fluxo de corrente elétrica de falta, antes que ocorra a destruição ou o dano permanente dos equipamentos a jusante (depois do disjuntor ou fusível).

Estes danos, que causam prejuízos à instalação são, em geral, danos patrimoniais. Causam prejuízos ligados ao custo de repor os materiais ou sistemas danificados. Há outro prejuízo que também precisa ser contabilizado, quando ocorre uma falha elétrica: o custo do tempo em que o sistema está interrompido, impedindo o pleno desempenho das atividades de lazer ou atividades econômicas das pessoas ou empresas. Vamos, simplificadamente, chamá-los de prejuízos ou danos operacionais. Eles estão relacionados ao montante de dinheiro que as pessoas ou empresas deixam de ganhar devido à interrupção. Estes danos serão tanto maiores, quanto maiores forem os tempos em que a instalação permanecer sem energia.

Diminuindo os prejuízos operacionais com o uso da coordenação das proteções e da seletividade

Os dispositivos de proteção são amplamente empregados e obrigatórios nos projetos e nas instalações. Isso significa que eles já são utilizados para a função de proteção patrimonial, impedindo a destruição física dos componentes do circuito. O que ainda não é muito difundido é a correta aplicação destes dispositivos para diminuir os prejuízos operacionais.

Além de interromper as correntes de falha, o ideal seria que os dispositivos fossem utilizados de maneira consciente para garantir a máxima disponibilidade de energia da instalação, evitando assim os prejuízos operacionais.

A disponibilidade do sistema elétrico e, por consequência, a redução dos prejuízos operacionais, pode ser obtida pelo uso das técnicas da coordenação e seletividade das proteções.

Em termos de dispositivos de proteção, há duas tecnologias mais amplamente utilizadas nos estudos de proteção: os disjuntores e os fusíveis. O fusível é a tecnologia mais simples, entretanto, considerando a flexibilidade, segurança e confiabilidade dos ajustes conseguidos pelos disjuntores esta é a tecnologia mais empregada atualmente.

Os disjuntores permitem maior continuidade de operação, dado que não é necessário trocar ou manter peças sobressalentes em estoque. Fusíveis precisam ser trocados. Disjuntores podem ser rearmados, após a identificação do fator causador da interrupção. Com o disjuntor não há custos com inventários e estoques. Disjuntores são mais robustos e seguros produzidos com a mais avançada tecnologia construtiva, garantindo a integridade das pessoas e das instalações quando da ocorrência de uma falha elétrica, que possa eventualmente evoluir e criar um arco elétrico. Os disjuntores são concebidos, atualmente, para eliminar rapidamente o
curto-circuito, evitando a propagação do arco elétrico.

Dizemos que um disjuntor é coordenado seletivamente quando, em uma associação, aquele que estiver antes da falta (a montante) e somente ele interrompe a falha, mantendo os demais em funcionamento, com a máxima continuidade de serviço ou operação do sistema.  A Figura 1 mostra um circuito provido de coordenação entre os dispositivos de proteção. Nele o ventilador número 2 sofre uma falha, um curto-circuito, por exemplo. O disjuntor 3 abre, isolando o trecho em falta. O disjuntor 1 permanece fechado, garantindo que o restante do sistema continue em funcionamento.


Figura 1 – Circuito seletivo.

Nota: o disjuntor 3 é seletivo em relação ao disjuntor 1, pois na ocorrência da falha elétrica no ventilador 2, o disjuntor 3, mais próximo da falha, atua e somente ele. Se o disjuntor 1 tivesse atuado, a continuidade de operação seria comprometida, desligando todo o circuito, com prejuízo para o ventilador 1.

Na Figura 2, vemos um exemplo de não seletividade dos dispositivos de proteção. O disjuntor principal abre e desliga todo o sistema, prejudicando a o

peração do ventilador 1. Nesta situação, devido a não coordenação de proteção entre os disjuntores (3) e (1), a alimentação para ventilador 1 é interrompida. Esta interrupção poderá, então, acarretar perdas operacionais para a instalação.

Se imaginássemos que, em vez do ventilador 1, tivéssemos um processo fabril e o ventilador fosse, em verdade, um motor da linha de montagem de uma indústria de automóveis, o dano causado por um sistema de proteção não coordenado poderia ser a perda de produção de vários carros.


Figura 2 – Circuito não seletivo.

Nota: o disjuntor 3 NÃO é seletivo em relação ao disjuntor 1, pois na ocorrência da falha do ventilador 2, o disjuntor 1 também atuou, desligando todo o circuito. Os prejuízos de operação, nesta situação, são maiores do que quando o circuito é seletivo, pois todo o sistema fica indisponível.

As figuras anteriores mostram o quanto é importante a adoção das práticas de coordenação e seletividade dos sistemas de proteção. Elas permitem a redução dos danos financeiros causados por uma falha elétrica e pela não coordenação de proteção dos dispositivos.

Coordenação e seletividade das proteções: uma revisão das técnicas

Numa instalação elétrica, em configuração radial, o objetivo da seletividade é isolar a carga que apresenta falha do restante da rede de distribuição, garantindo a continuidade de serviço/operação, conforme vimos nos exemplos anteriores.

Existem vários tipos de falhas elétricas em uma instalação. As principais são: i) as sobrecargas de corrente, ii) os curto-circuitos, ii) as correntes de energização, iv) as falhas a terra e v) as correntes transitórias, causadas por afundamentos momentâneos de tensão. Para cada uma destas falhas, existe um dispositivo de proteção que pode ser utilizado para garantir a segurança das pessoas e do patrimônio. Se estes dispositivos não estiverem coordenados, a continuidade de operação poderá ser comprometida.

Vamos nos concentrar apenas nos dois primeiros tipos de falha: as sobrecargas, quando a corrente de falha varia acima de 1 e até 10 vezes a corrente de serviço; e as correntes de curto-circuito, quando as correntes de falha são acima de 10 vezes da corrente de serviço.

Se quando há a falha, apenas um dispositivo de proteção atua, sendo este o mais próximo da falha, dizemos que há coordenação entre os dispositivos de proteção e que houve seletividade entre eles. Se, por outro lado, quem atuar for o dispositivo de retaguarda, aquele à montante do dispositivo mais próximo, dizemos que os dispositivos não são seletivos (embora eles possam estar, de alguma maneira, coordenados).

Figura 3 – Curvas inversas, zonas de sobrecarga e curto-circuito.

A Figura 3 permite uma análise simplificada de como a coordenação de disjuntores funciona. Mais ainda: permite mostrar como a seletividade é possível e como é a sua dinâmica de funcionamento. Geralmente as curvas de abertura dos dispositivos de proteção são do tipo tempo-inverso, ou seja, o disjuntor permite a passagem de correntes de sobrecarga (aproximadamente até 10 vezes a corrente de serviço) por períodos de tempo mais longo. Entretanto, para correntes mais elevadas que isso, o tempo de atuação do dispositivo de proteção é muito mais rápido, isolando as falhas de forma a preservar o limite de suportabilidade das cargas, especialmente os dos cabos.

Ainda com base no exemplo da Figura 3, para que a seletividade seja assegurada o tempo de abertura do disjuntor 2, deve ser menor que o tempo de abertura do disjuntor 1. Esta é a chamada seletividade cronométrica.

Nas regiões de curto-circuito, a seletividade pode ser garantida ao se fazer comparações entre as curvas dos dispositivos de proteção, à montante e à jusante dos circuitos. Os dispositivos devem ser coordenados ou escolhidos de tal maneira que nunca as suas curvas se cruzem quando sobrepostos num coordenograma (gráfico tempo-corrente), tal como vemos na Figura 4. Caso isso ocorra, dizemos que não existe seletividade total entre as proteções e que a seletividade é parcial.


Figura 4 – Curvas inversas, zonas de sobrecarga e curto-circuito – Seletividade parcial.

Neste aspecto, os disjuntores se sobressaem diante dos fusíveis. Os fusíveis têm curvas tempo-corrente fixas, enquanto os disjuntores permitem maior flexibilidade. Disjuntores de caixa moldada e caixa aberta permitem ajustar o tempo e a corrente de atuação da proteção, com o ajuste da corrente especificada no estudo de proteção. É também possível a utilização de tempos de retardo entre um disjuntor e outro. Isso garante maior facilidade para se obter a coordenação e a seletividade das proteções.

Atualmente existem várias técnicas de seletividade. Pode-se utilizá-las para aumentar a disponibilidade de energia na instalação. São elas: i) seletividade por corrente ou amperométrica; ii) seletividade por tempo ou cronométrica; iii) seletividade lógica; iv) seletividade energética.

Não vamos neste espaço discutir todas estas técnicas. Vamos nos concentrar no tema da seletividade energética. Para uma discussão mais aprofundada sobre as demais, o leitor pode consultar Nereau (2001) e Serpinet e Morel (1998).

A seletividade energética é bem difundida pelos fabricantes de disjuntores e pelos projetistas, mas pouco se fala sobre suas vantagens: i) permite a seletividade total ou parcial nos estudos de proteção; ii) reduz os custos de compra de cabos, barras e demais dispositivos que compõem os circuitos de saídas dos disjuntores. Vejamos como isso acontece.

A seletividade energética ajudando a reduzir custos

A seletividade energética é baseada no domínio da técnica. Os fabricantes de disjuntores têm desenvolvido e fabricado disjuntores de atuação rápida, com alto poder de limitar correntes de falha, os chamados disjuntores limitadores de corrente.

Diferentemente da seletividade cronométrica e amperométrica, que são mais baseadas em curvas de tempo-corrente, a seletividade energética se utiliza das curvas de energia-corrente, tendo como variável de escolha o tempo
de atuação da proteção, conforme se vê na Figura 5.


Figura 5 – Curva de energia-corrente dos disjuntores.

Serpinet e Morel (1998) explicam que os disjuntores limitadores se baseiam no conceito de energia passante. Significa dizer que utilizam da integral Joule de energia para se encontrar as curvas de seletividade. A expressão a seguir é utilizada para efeitos de cálculo:

Os autores revelam que o segredo da seletividade energética é o domínio da técnica de fabricação – disjuntores com contatos repulsivos que abrem mais rapidamente – e o entendimento de que correntes de curto-circuitos têm assimetrias, que duram menos de 1 ciclo de onda. Logo, os disjuntores são projetados para atuarem na metade do ciclo de onda previsto e deixam passar menos energia para as cargas.

A Figura 6 mostra uma curva ilustrativa do comportamento de disjuntor limitador e de um disjuntor não limitador. A parte escura mostra a energia que o disjuntor limitador deixa passar para as cargas, baseado na integral Joule, na atuação mais rápida do dispositivo de proteção e do seu menor tempo de atuação (que é o inverso do ciclo de onda que mencionamos anteriormente). A curva maior, mais clara, da Figura 6, baseia-se na mesma técnica, mas não levando em consideração a assimetria e o menor tempo de atuação da proteção. Mais detalhes podem ser encontrados nos textos de Nereau (2001) e Serpinet e Morel (1998).


Figura 6 – Curva esquemática. Disjuntor não limitador versus disjuntor limitador de corrente.

Nota: não confundir a curva esquematizada aqui com ciclo senoidal de onda inteira e meia onda, mencionada no texto.

Os benefícios desta técnica, além da seletividade total ou parcial que ela proporciona, são a redução das secções dos condutores, com a eventual vantagem de se utilizar painéis e outros componentes de menor correntes nos circuitos jusantes.

Para concluir: a correta seleção dos dispositivos de proteção (coordenação e seletividade), com especial destaque para o uso de disjuntores (não ter a necessidade de peças de reposição, como os fusíveis, flexíveis nos ajustes de proteção, etc.), garante grandes benefícios aos usuários e donos de instalações. Além de garantir a segurança, os dispositivos de proteção aumentam a disponibilidade de energia (continuidade de serviço), diminuem os danos operacionais e reduzem os investimentos iniciais, quando acompanhados de um correto estudo de proteção.

Atualmente os fabricantes de disjuntores podem disponibilizar uma série completa de disjuntores limitadores, assim como uma farta documentação com informações que permitam os usuários e projetistas elaborem seus estudos de coordenação e seletividade, com o objetivo de usufruir dos benefícios mencionados neste texto. Ademais, é possível se utilizar de softwares de cálculo de instalações, como o Ecodial, que, com uma interface bastante amigável e intuitiva, sugere os disjuntores para garantir a seletividade para o projeto em elaboração. O software é disponibilizado sem custos aos interessados.

Diante de tudo isso, é amplamente recomendável, aos usuários finais e projetistas, que levem em consideração os estudos de proteção nos projetos elétricos de baixa tensão e que busquem informações junto aos fabricantes. Com isso terão um sistema elétrico altamente disponível, seguro e custo-efetivo, tanto na implantação quanto na operação.

Referências

SERPINET, Marc; MOREL, Robert.  Energy-based discrimination for low-voltage protective devices. Caderno Técnico 167. Schneider Electric. 1998. Disponível em: <http://www2.schneider-electric.com/documents/technical-publications/en/shared/electrical-engineering/dependability-availability-safety/low-voltage-minus-1kv/ect167.pdf>. Acesso em: 06 out. 2011.

NEREAU, Jean-Pierre.  Discrimination with LV power circuit-breakers. Caderno Técnico 201. Schneider Electric. 2001. Disponível em: <http://www2.schneider-electric.com/documents/technical-publications/en/shared/electrical-engineering/dependability-availability-safety/low-voltage-minus-1kv/ect201.pdf>. Acesso em: 06 out. 2011.

 


 

* Edi Carlos Martins é engenheiro eletricista e gerente de marketing da unidade de negócios Energy da Schneider Electric Brasil.

Vasco Trestini Neto é engenheiro eletricista, gerente e consultor técnico da Schneider Electric.

Miguel Rosa Junior é engenheiro eletricista e consultor técnico da Schneider Electric.

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