Dados abertos: passaporte do setor elétrico brasileiro para a quarta revolução industrial

A aceleração dos acontecimentos políticos, sociais, militares e tecnológicos das últimas três décadas está conduzindo ao surgimento de uma nova fase da revolução industrial, a chamada 4ª Revolução Industrial ou Indústria 4.0. A escala, o escopo e a complexidade dessa nova revolução serão diferentes de tudo aquilo que a humanidade conheceu até o momento, transformando profundamente os atuais modos de vida, trabalho e relacionamento da sociedade (Schwab, K., 2016).

O setor elétrico é um dos melhores exemplos das transformações decorrentes dessa Revolução. Os principais motores das transformações radicais por que este setor passa são: a preocupação da sociedade com as consequências do aquecimento global; a diminuição exponencial dos custos e a melhoria contínua do desempenho das tecnologias de energia distribuída; a mudança do papel do consumidor de um ator passivo para outro ativo, possibilitando a criação de novos negócios criativos no setor e; o envelhecimento das instalações do atual sistema elétrico.

Estas mudanças estão sendo impulsionadas pelo surgimento e maturação de tecnologias disruptivas, tais como: “Smart grid”; Cidades inteligentes; Internet das coisas; Inteligência artificial e computação cognitiva; “Big Data”; Aprendizado por máquina; “Deep learning”; Supercomputadores de bolso e “Digital twin”.

Todas estas tecnologias precisam de Terabytes de dados para funcionar em sua plenitude, transformando “dados” na nova matéria prima do Século 21. Tecnologias como as de redes wireless de sensores baratos das mais diversas grandezas e de armazenamento em nuvem de dados permitem a produção e o armazenamento de dados na quantidade e velocidade necessárias às tecnologias da 4ª revolução.

Para que a sociedade possa se beneficiar de novos produtos e serviços desenvolvidos a partir desta massa de dados enorme é fundamental possibilitar o acesso por todos os atores da sociedade aos Terabytes de dados atualmente produzidos.

A organização “Open Knowledge International” lançou o conceito de “Dados Abertos”, segundo o qual “os dados são abertos quando qualquer pessoa pode livremente acessá-los, utilizá-los, modificá-los e compartilhá-los para qualquer finalidade, estando sujeito, no máximo, a exigências que visem preservar sua proveniência e sua abertura” (Portal Brasileiro de Dados Abertos).

Tal conceito foi pensado inicialmente para os dados produzidos pelos governos, de modo que a sociedade e as empresas possam criar valor com os mesmos. Isto é aceito pelas sociedades da maioria dos países democráticos, tais como os Estados Unidos, os da União Europeia e o Brasil.

O conceito de Dados Abertos também se aplica àqueles de propriedade de empresas, mas elas relutam em compartilhar seus dados com o governo e o público em geral, não somente por razões legítimas de fornecer dados sensíveis das áreas comerciais e tecnológicas, mas também de possíveis riscos com problemas de privacidade dos dados e com os custos de tornarem os seus dados brutos em Dados Abertos.

Uma grande barreira a ser transposta nessa área de Dados Abertos é a cultura da sociedade brasileira, tanto dos governos quanto das empresas de “dados só meus”.

Para exemplificar esta cultura no setor elétrico podemos citar: concessionárias de distribuição que não fornecem para o público em geral os dados do seu sistema elétrico; o banco de dados de vento dos parques eólicos brasileiros que a Empresa de Pesquisa Elétrica – EPE – mantém com dados, entre outros, de médias de vento que a cada 15 min só disponibiliza para o público um dado agregado de ventos mensais por Estado, que é praticamente inútil para os estudos e pesquisas; o mesmo ocorre com bases de dados mantidas pelo Operador Nacional do Sistema (ONS) sobre unifilares, dados operativos etc. de usinas, aos quais o público em geral não tem acesso, e empresas fabricantes dos aerogeradores implantados em parques eólicos brasileiros, que enviam os dados das máquinas, adquiridos on-line, para centros de controle no exterior, sendo que muitas vezes ou os próprios proprietários dos parques não têm acesso a tais dados ou são impedidos por contrato de divulgá-los.

Em geral, a razão alegada para a não disponibilização de tais dados é que, mesmo que eles sejam fundamentais para a sociedade, eles são protegidos por lei, visto que são produzidos por empresas particulares. Tal argumento é, no mínimo, duvidoso, visto que praticamente toda usina no Brasil é construída com financiamento do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social, que é extremamente subsidiado pela sociedade brasileira. Além disso, se uma lei prejudica a sociedade, que se modifique a lei.

O Brasil demorou a perceber o início da Terceira Revolução Industrial e, quando decidiu participar dela, o fez com estratégias que não alcançaram, nem de longe, os resultados esperados. Apenas para ilustrar podemos citar a “Reserva de Mercado de Informática” e a “Nacionalização” de praticamente todos os produtos utilizados no Brasil. Como consequência, nosso País não conseguiu obter os ganhos sociais e econômicos que seriam possíveis com sua inserção plena nesta revolução. Na prática, o que se viu foram empresas brasileiras que conscientes de deter 100% do mercado promoveram um loteamento do mesmo e quase nada  investiram em tecnologia da inovação, sob as bênçãos do Estado.

Atualmente, no limiar da 4ª Revolução Industrial, é fundamental que a sociedade brasileira perceba que Dados Abertos são as novas “matérias primas” desta nova Revolução. Como os responsáveis pelo bem estar da sociedade brasileira são os brasileiros e o fracasso do Brasil em aproveitar esta nova janela de oportunidade, é fundamental que atores representantes de todos os setores da sociedade brasileira, tais como os setores público e privado, a sociedade civil, o setor produtivo e a universidade, participem de maneira crítica, criativa e colaborativa para garantir que os dados produzidos no Brasil sejam Dados Abertos.


Referências

(Portal Brasileiro de Dados Abertos). O que são dados abertos?. Disponível em <http://dados.gov.br/pagina/dados-abertos>. Acesso em 23/10/2018.

(Schwab, K., 2016). A Quarta Revolução Industrial. São Paulo, SP – Edipro 2016.

*Prof. Geraldo Martins Tavares, D.Sc. é Professor Titular do Departamento de Engenharia Elétrica da UFF. E-mail: [email protected]

 

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