Depois da transição energética, o momento é da transição tecnológica

Para que a transição energética ocorra de forma efetiva no Brasil, será preciso que o sistema elétrico brasileiro passe por uma transição tecnológica

*Por Maria Alzira Noli Silveira 

A transição energética já é fato consumado no Brasil, impulsionada principalmente pela expansão da capacidade de geração em projetos de usinas solares e eólicas. Mas, para que os benefícios dessa transformação se tornem efetivos, será necessário que o Brasil realize uma outra transição, de ordem tecnológica, que implicará maior digitalização do sistema elétrico, de forma a assegurar que a gestão da relação entre oferta e demanda de energia se dê sem sobressaltos no futuro.

O Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS) vem chamando a atenção para os desafios impostos pela crescente participação de recursos energéticos renováveis de alta variabilidade na matriz elétrica brasileira, que traz maior complexidade para a gestão do equilíbrio entre a oferta e a demanda de carga.  O órgão assinalou que as usinas eólicas e fotovoltaicas centralizadas atingiram uma capacidade conjunta de 38 gigawatts (GW) em 2023, que deverá saltar para 54 GW em 2027. Além disso, a micro e minigeração distribuída (MMGD) poderá chegar a 40 GW de potência instalada no mesmo ano.  Há também a expectativa de que a transição energética determinará uma expansão dos chamados Recursos Energéticos Distribuído (REDs), que abrangem tecnologias de geração, armazenamento e redução do consumo de energia localizadas nas áreas de uma determinada concessionária de distribuição. 

Essa nova configuração exigirá flexibilidade para que a operação consiga fazer o controle do balanço entre consumo e geração de energia e otimizar a utilização do sistema de transmissão. Somente com essa sintonia fina da gestão do sistema será possível administrar, com o menor custo de operação, possíveis variações, como as rampas de carga e desvios de previsões.

A adaptação ao novo cenário da operação implicará um papel mais proativo das distribuidoras de energia. Será necessário, por exemplo, que as distribuidoras passem a controlar o despacho dos recursos de geração conectados às suas redes, de maneira coordenada com o órgão operador, o que evitará prejuízos à qualidade do fornecimento de energia para os consumidores. 

Outra iniciativa importante deverá ser ampliar e acelerar a cooperação entre os operadores de distribuição e de transmissão, permitindo uma interação em tempo real entre ambos. Para a operação, a transmissão funciona como elemento de integração, que permite o gerenciamento do sistema e o atendimento às necessidades de confiabilidade e flexibilidade da carga. 

Conjuntura internacional

A preocupação com a relação entre a transição energética e a adaptação das redes elétricas não é exclusividade brasileira. A necessidade de manter uma sintonia virtuosa entre o avanço da transição energética, com a entrada de fontes renováveis nas matrizes, com os ajustes necessários nas redes de transmissão, também mobiliza as autoridades das áreas de energia ao redor do mundo. 

A Rystad Energy, empresa de consultoria especializada em energia e inteligência de negócios sediada em Oslo, na Noruega, prevê que os investimentos mundiais em energias renováveis deverão continuar a atingir elevadas cifras em 2024, com US$ 644 bilhões destinados à implantação de nova capacidade de geração.  A consultoria alertou para o fato de as redes elétricas desatualizadas e inadequadas se transformarem em obstáculo importante para a transição energética. 

Seriam necessários, segundo o levantamento da consultoria norueguesa, investimentos de US$ 3,1 bilhões de dólares em investimentos em infraestrutura de rede, antes de 2030, para que os países atinjam as metas de redução das emissões de gases causadores de efeito estufa. Esse montante, possibilitaria a construção de 18 milhões de quilômetros de novas redes, o suficiente para atender ao crescimento da eletrificação das cidades. O cálculo abrange também o crescimento da oferta de energia renovável e a rápida expansão da produção e venda de veículos elétricos.

Lá fora, assim como no Brasil, promover a modernização do sistema elétrico, com a definição de novas funções e maior integração entre os agentes, respaldadas em maior digitalização, é uma iniciativa tão importante quanto os esforços empreendidos para tornar as matrizes elétricas mais limpas. Afinal, se a operação do sistema não estiver ajustada às necessidades, todos os esforços visando a transição energética terão sido em vão.

*Maria Alzira Noli Silveira é Diretora de Assuntos Corporativos do CIGRE-Brasil e Especialista do ONS – Operador Nacional do Sistema Elétrico

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