Edição 123 – Abril de 2016
Espaço 5419
Por José Claudio de Oliveira e Silva*
Neste artigo, será discutido o item E.2 da ABNT NBR 5419-1, particularmente, o item E.2.1 que trata das correntes que fluem pelas partes condutoras e linhas externas conectadas a uma estrutura atingida por uma descarga atmosférica. É sabido que a corrente de uma descarga atmosférica em uma estrutura não flui apenas para o sistema de aterramento, mas se divide entre o aterramento e as ligações metálicas que entram/saem da estrutura. E essas correntes não fluem apenas por condutores conectados ao sistema de aterramento (como o condutor PEN da rede de energia elétrica, por exemplo), mas também por condutores de fase e de dados/sinais, via DPS. Por isso, é importante que se estimem as proporções dessas divisões de corrente para o dimensionamento adequado de DPS, blindagens e condutores em geral, que devem suportar a passagem dessas correntes, mantendo as tensões dentro de níveis suportáveis para os equipamentos interligados.
Figura 1 – A corrente de uma descarga atmosférica () atinge o SPDA e parcelas dessa corrente fluem por linhas enterradas () e por linhas aéreas (); é denominada impedância convencional de aterramento do sistema de aterramento do SPDA; é a resistência de aterramento dos arranjos de aterramento para os quais as linhas aéreas são conectadas; é a impedância convencional de aterramento das linhas enterradas que saem da estrutura.
A impedância convencional de aterramento () é a impedância impulsiva do sistema de aterramento, dada pela relação entre o valor de pico da tensão no ponto de aplicação da corrente e a corrente aplicada no aterramento (). A ABNT NBR 5419-1 define, para os propósitos dessa parte da norma, um impulso de corrente na forma 10/350 µs (ver a Nota na Tabela E.1 da norma). Um impulso de corrente com essas características é relativamente lento, de modo que a impedância () de um aterramento não deve ser significativamente maior do que o valor de resistência em baixa frequência, exceto para aterramentos formados por poucos eletrodos muito longos em solos de baixa resistividade.
Na Tabela E.1 da norma são dados valores de para diferentes níveis de proteção e resistividade do solo. Esses valores são comparáveis aos valores de resistência de sistemas de aterramento apresentados em [2]. Cabe ressaltar que a norma não considera a ocorrência de ionização no solo, o que resulta numa previsão de valores mais elevados de correntes saindo pelas linhas, sendo, portanto, conservadora nesse sentido.
A impedância de linhas ou de partes metálicas enterradas (), tais como tubulações metálicas, armadura ou blindagem de cabos etc., se refere à impedância impulsiva de um condutor enterrado, horizontal, em contato elétrico com o solo. Valores de são dados na Tabela E.1 da norma.
é a resistência de aterramento relativa às linhas aéreas. Refere-se à resistência dos sistemas de aterramento aos quais essas linhas são conectadas, em locais distantes da estrutura considerada (pode ser a resistência equivalente de vários pontos de aterramento, como é o caso típico do condutor PEN da rede elétrica). No caso de cabos aéreos, isto é justificado pelo fato de que, durante os 10 µs de subida da corrente da descarga, a onda de corrente se propagando por essas linhas alcança quase 3 km de distância. Na maioria dos casos, essas linhas terão sido aterradas muito provavelmente já numa pequena fração dessa distância.
Se um cabo enterrado não fizer contato direto com a terra, como no caso de um condutor isolado ou dentro de um tubo de PVC, por exemplo, este deve ser considerado como aéreo, pois a impedância característica de uma linha enterrada sem contato com o solo é ainda bastante elevada, na faixa de 200 W a 300 W.
Do exposto acima, percebe-se que a divisão de corrente tratada no item E.2 da norma é voltada para a evolução mais lenta das correntes das descargas atmosféricas, buscando resolver a questão da energia dissipada nos DPS, da capacidade de condução de corrente pelos condutores e das tensões transferidas aos circuitos internos de cabos blindados (que é função da corrente percorrendo a blindagem), componentes esses que fazem parte do caminho de saída de parcelas importantes da corrente da descarga.
Cada elemento designado por ou (Figura 1) refere-se a uma linha de alimentação ou de sinais/dados, um cabo ou parte condutora externa, conectada à estrutura (diretamente ou via DPS), completos. Dessa forma, um cabo de energia trifásico com condutores de fases e PEN deve ser visto como uma única impedância, assim como um cabo coaxial, um par telefônico, um cano d’água metálico, etc.
A divisão da corrente entre os condutores individuais de um cabo, como as veias de um cabo de alimentação CA, é estimado em um segundo momento através do fator (ver equações E.5 e E.6 da norma).
Dizer que as impedâncias (ou que as resistências ) são todas iguais é uma simplificação e tanto. O mesmo se aplica ao fator , que considera que as correntes, por exemplo, nos condutores vivos e no condutor PE (ou PEN) de uma linha de alimentação CA são iguais. A norma chama a atenção para esses pontos (ver NOTA 1 na seção E.2.1 e toda a seção E.2.2), sem oferecer uma solução melhor, por enquanto, porque isso não é trivial.
Uma demonstração das equações E.1 e E.2 da ABNT NBR 5419-1 poderia ajudar no entendimento da divisão de corrente proposta. Isso mostraria como as equações são baseadas nas simplificações mencionadas acima e totalmente baseadas na teoria de circuitos. O estágio inicial de um impulso rápido de corrente de descarga, com frente de onda da ordem de poucos µs ou menos (submicrossegundos), envolve fenômenos complexos de indução eletromagnética e propagação, estão obviamente fora do escopo dessa formulação.
Com base no diagrama da Figura 1, a impedância total de cada grupo de impedâncias é:
A corrente é dada por:
A corrente nas impedâncias individuais é:
Substituindo o valor de :
Fazendo a relação entre e a corrente total , obtemos o fator ke:
A equação acima é a equação E.2 da ABNT NBR 5419-1. Pode se chegar na equação E.3 pela simples substituição dos índices 1 e 2.
Referências
- [1] Vernon Cooray (Editor); The Lightning Flash (Chapter 10: Carlo Mazzetti; Principles of protection of structures against lightning); IEE; 2003
- [2] José Claudio O. Silva; Earthing resistance values of Earth-termination systems according to IEC 62305; International Conference on Grounding and Earthing (GROUND’2014); Manaus, Maio-2014.
*José Claudio de Oliveira e Silva é membro da CE 03:64.10 | [email protected]