Eficiência energética: estamos fazendo as perguntas certas?

“Onde posso encontrar uma lâmpada eficiente e de qualidade?”; “Qual aparelho de ar condicionado é mais econômico no longo prazo?”; “Placas solares dão bom payback?”. Essas são perguntas comuns de se ouvir hoje em dia, tanto no mundo corporativo quanto no residencial. Muitas pessoas e empresas já perceberam que a eficiência energética é um caminho sem volta, já enxergaram que, além de ser um bom investimento financeiro, traz múltiplos benefícios àqueles que a incorporam no seu quotidiano. No entanto, será que essas são as perguntas certas?

Segundo a Agência Internacional de Energia (IEA), o termo “múltiplos benefícios” busca capturar uma realidade de que investimentos em eficiência energética trazem muitas vantagens para muitos atores diferentes, para além da redução de demanda energética e de emissões de gases de efeito estufa (IEA, 2019) . Para uma empresa, investir em projetos de eficiência energética significa estar em dia com o mercado, atender a uma base de clientes cada vez mais exigente com questões de equidade, gênero e sustentabilidade. Acesso a financiadores e investimentos está cada vez mais atrelado à responsabilidade social e ambiental da empresa. Os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) e a redução de emissões de carbono têm valor tangível nos negócios, e sua importância já está no mainstream e não é percebida mais apenas por ativistas ambientais.

Figura 1. Múltiplos Benefícios da Eficiência Energética. Fonte: IEA, 2014.

Uma das siglas mais ouvidas hoje no mundo corporativo, o ESG (Environmental, Social, and Governance) é a prova de que as empresas precisam incorporar práticas que aumentem seu impacto positivo no mundo para não ficar para trás. As organizações precisam conseguir demonstrar estruturas internas de governança transparentes e éticas; agir de acordo com princípios de equidade e justiça social – revisando inclusive suas próprias políticas de contratação e diversidade; e promover iniciativas para proteger recursos naturais, reduzindo poluentes e impactando positivamente o meio ambiente. É no aspecto ambiental – o “E” na sigla em inglês – que a eficiência energética pode ser um aliado importante para a empresa, oferecendo possibilidades para que ela reduza seus desperdícios e se torne mais competitiva, ao mesmo tempo em que melhora suas condições de atrair investimentos e clientes graças a um ranking ESG mais elevado. Afinal, o movimento ESG é impulsionado, principalmente, pelos próprios investidores.

Para um país, a eficiência energética é a forma mais barata e rápida de manter um balanço saudável de oferta versus demanda de energia. Programas robustos e bem estruturados, políticas públicas – sejam elas compulsórias ou voluntárias – e incentivos governamentais à eficiência energética adiam a necessidade de construção de novas usinas geradoras de energia, que são mais caras. A eficiência energética é um bem estratégico de um país, ligada à sua segurança energética, à sua autonomia e ao custo do seu setor energético. O Brasil neste momento vive sua pior crise hídrica em mais de 90 anos e, com ela, uma grave crise energética, tendo que acionar suas termelétricas em nível muito elevado, aumentando as tarifas de eletricidade para toda a população e ainda correndo o risco de não ter capacidade de suprir toda a demanda elétrica nacional nos próximos meses. Um trabalho muito mais ágil e perene de combate a desperdícios energéticos é necessário, por meio de políticas rigorosas, como diagnósticos obrigatórios, e ações que aproximem o governo de grandes consumidores, como programas de resposta à demanda.

Se é tão evidente que a eficiência energética é benéfica para empresas, países e sociedades, por que ela parece avançar tão lentamente? Voltemos às nossas perguntas do início do artigo, tão comuns no cotidiano de pessoas interessadas em combater desperdícios. “Lâmpadas eficientes?”. Não são difíceis de achar. Claro que não é qualquer lâmpada LED que é de boa qualidade, é importante exigir selo do Inmetro, verificar o fluxo luminoso e a eficiência luminosa, ter cuidado na especificação da temperatura de cor e do índice de reprodução de cor e garantir uma instalação com boa qualidade de energia. Mas é possível achar lâmpadas boas, e esse não é o gargalo. “Aparelhos de climatização eficientes?”. Também não são difíceis de achar. Novamente, é preciso ter muito cuidado na escolha do equipamento, mantendo uma visão crítica sobre as tabelas de eficiência do Inmetro e um olhar sempre um pouco desconfiado em relação ao marketing dos fabricantes, considerar tecnologias mais inteligentes como equipamentos inverter (no caso de splits), ficar de olho no COP (coeficiente de desempenho) do sistema e no uso de um fluido refrigerante que não agrida o meio ambiente, e ter uma assessoria de confiança que ajude a verificar que o dimensionamento proposto pelo projetista de ar condicionado – ou pelo vendedor da loja – está adequado para suas necessidades reais. Um pouco mais complexo do que a lâmpada, é verdade, mas, de novo, há bons profissionais e excelentes equipamentos no mercado, e um pouco de pesquisa cuidadosa e um networking que permita uma boa rede de apoio fazem o projeto avançar. Achar um equipamento eficiente não é o gargalo.

Em suma, um projeto de eficiência energética geralmente não deixa de acontecer por causa de dúvidas técnicas sobre onde encontrar tecnologias eficientes. Embora a qualidade da especificação técnica seja importante para um projeto ser bem-sucedido, dar foco demasiado a esta questão retarda a busca de soluções aos gargalos que realmente impedem a realização de projetos. As maiores barreiras relatadas por gestores prediais ou municipais são falta de: tempo, recursos humanos / equipe dedicada, conhecimento técnico em sua equipe, estrutura de governança, competência para realizar auditorias energéticas, aprovação de superiores (diretoria, secretários), e expertise para obtenção de financiamento, licitação e contratação.

Até aqui, estamos discutindo projetos de eficiência que requerem investimentos, propondo que o maior desafio não é relacionado à tecnologia, mas sim à estruturação do projeto como um todo. Soma-se a essa constatação uma outra percepção: eficiência energética não é sinônimo de troca de equipamentos. Pelo contrário, há grandes economias disponíveis a custos baixos ou até mesmo sem custo nenhum. Chamados em inglês de “quick wins”, ou “ganhos rápidos”, a simples realização de um diagnóstico energético periódico revela práticas operacionais que podem ser alteradas e otimizadas, relacionadas a fatores como horários de operação, setpoints de equipamentos ou outros parâmetros pré-programados, capacitação da equipe que opera os sistemas prediais e comportamentos que podem ser melhorados.

Qual é, então, a diferença entre empresas, cidades ou países que já obtiveram sucesso na implementação de programas robustos de eficiência e aqueles que têm dificuldades de realizar ações de melhoria? Qual a chave para reduzir custos, diminuir a demanda energética e obter múltiplos benefícios, que consiga simultaneamente superar diversas barreiras e abordar tanto oportunidades operacionais de baixo custo como medidas de alto custo e complexidade? O que pode ser mais importante do que a tecnologia eficiente?

O caminho é desenvolver um bom sistema de gestão energética (SGE). O sistema de gestão se baseia no ciclo PDCA (plan-do-check-act) e tem como premissa básica o envolvimento e compromisso da liderança da organização. O primeiro passo é a criação de uma política energética – é aí que se estabelecem as diretrizes gerais, os objetivos e as responsabilidades. Em seguida, a etapa P (plan ou planejamento) refere-se à realização de diagnósticos energéticos, um passo essencial que conduz à identificação das oportunidades com melhor custo-benefício para a organização, seguida do desenvolvimento de um plano de ação estruturado, começando pelas melhorias mais rápidas e baratas e planejando as complexas e caras para um momento futuro.

Todas as ações subsequentes da empresa relacionadas à energia devem ser norteadas pela política energética. Isso por si só já é uma grande mudança em relação à prática corriqueira de buscar melhorias apenas quando há uma necessidade urgente – seja uma crise financeira, uma mudança de diretoria, uma nova diretriz da sede mundial da empresa ou uma legislação local nova. A inserção de todas as ações de eficiência energética – tanto as operacionais quanto as que requerem investimento – dentro do contexto de um SGE robusto traz economias duradouras e muito mais benefícios (Figura 2 e Figura 3).

Figura 2 – Economias irregulares de medidas implementadas sem um SGE.
Figura 3 – Economias perenes como resultado de medidas implementadas como parte de um SGE.

O conceito da gestão de energia pode ser aplicado por qualquer tipo de organização, incluindo empresas, municípios, edifícios, indústrias ou até países. Existem diretrizes para ajudar com a sua implementação, como a norma NBR ISO 50.001:2018. Além disso, muitas ferramentas e guias vêm sendo desenvolvidos para auxiliar as organizações em diversas etapas de sua gestão energética, tais como o software Energy Brain para implementação de diagnósticos energéticos com cálculos automáticos (www.energybrain.com.br), a ferramenta SampaEnergia (desenvolvida para o município de São Paulo para fazer o monitoramento da implementação de ações de eficiência energética nos edifícios públicos municipais), o Guia Interativo de Eficiência Energética em Edificações (www.guiaenergiaedificacoes.com.br), o Guia Prático para Preparação de Investimentos Urbanos: Eficiência Energética e Energia Solar Fotovoltaica em Prédios Públicos (cooperacaobrasil-alemanha.com/GuiaFELICITY_v1.pdf) e o site do Ministério de Minas e Energia dedicado a apoiar na implementação da ISO 50001 (www.gov.br/mme/pt-br/assuntos/secretarias/spe/iso-50001).

A pergunta-chave, portanto, não é “onde posso encontrar uma lâmpada eficiente e de qualidade”. As perguntas-chaves deveriam ser “como consigo o envolvimento da minha diretoria?”; “Como capacito minha equipe nas disciplinas de projeto, financiamento, licitação e contratação de projetos de eficiência energética?”; “Como realizo um diagnóstico energético para conseguir enxergar todas as minhas oportunidades de economia?”; “Por onde começo para criar uma política energética e um bom sistema de gestão?”. As organizações que estão fazendo essas perguntas já estão à frente, mensurando suas economias e se posicionando como líderes no mercado. A eficiência energética é o caminho para frente. As tecnologias existem e são disponíveis. Cabe à vontade política e à organização interna fazer acontecer.

*Alexandre Schinazi é diretor técnico da Mitsidi.

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