Edição 120 – Janeiro de 2016
Por J. C. Felamingo*
Nas minhas preleções aos engenheiros mais novos, digo que “quem opta por trabalhar na área de energia dificilmente ficará por muito tempo desempregado”. Isso é verdade, evidentemente, se o candidato for aplicado, o que significa estudar com afinco e dedicação máximos. A mensagem dada aos engenheiros serve também para indicar a importância da energia elétrica na nossa vida.
É difícil imaginar a vida moderna sem algumas coisas que já conquistamos, como por exemplo, a comunicação total e instantânea que temos disponível nas 24 horas do dia, onde quer que estejamos através do telefone celular. Viver sem ele está ficando cada vez mais difícil e poucos conseguem viver sem ele por muito tempo. Quando esquecemos esse “aparelhinho” em casa, dá a impressão de que estamos desconectados do mundo, desprotegidos, pois com ele temos a sensação de segurança, mesmo sabendo que isso não é verdade.
Toda a tecnologia de comunicação do telefone celular, bem como a internet, e o que está atrás disso tudo não funciona sem energia elétrica. Recarregamos nosso celular diariamente (ao menos, por enquanto), já que sua bateria não resiste por muitas horas de uso contínuo sem ser conectada a uma tomada elétrica. Quanto mais usamos o celular, mais o conectamos às tomadas mais próximas. Ele é sedento delas. E, quando estamos no automóvel, utilizamos a tomada do acendedor de cigarros – que ficou “démodé” para a função original – e agora é utilizada mais para o carregador do celular.
Podemos afirmar que somos “reféns” da energia elétrica e precisaríamos retroagir muito tempo para encontrar uma civilização que não dependesse dela. Conservamos os alimentos sob refrigeração mecânica, mas séculos atrás armazenava-se gelo trazido das montanhas para utilizá-lo tanto para essa finalidade, como para o resfriamento do ambiente no verão. Imagine nos dias atuais viver sem geladeira?
Atualmente, mesmo quem mora em áreas rurais tem à disposição energia elétrica e nas cidades ela sempre está disponível. Em ambos os casos, ela está pronta para o uso no poste lá na rua. “Sempre” também é exagero porque ocorre vez por outra uma interrupção de curta ou longa duração (dita “apagão”). Seja qual for, lá em casa quando isso ocorre à noite é o caos! Não se sabe onde está a vela e, quando se encontra, onde está o fósforo, já que isqueiro é coisa do passado? O jeito seria usar o fogão a gás para acender a vela, mas, sem eletricidade, o fogão que só acende com ignição elétrica, também não ajuda. O remédio é ir tateando até achar o “bendito fósforo”.
Interrupções de energia, mesmo sendo por “frações de segundos”, podem não ocasionar problemas nas residências, além do incômodo do “restart” dos componentes eletrônicos que acompanham os eletrodomésticos e de reprogramar relógios digitais que acompanham esses dispositivos. O mesmo não se pode dizer dos efeitos que causam as micro interrupções na indústria, no comércio, nos centros de processamentos de dados, nos sistemas de comunicação, nos hospitais, hotéis, etc., onde a geração de emergência – e mesmo a geração contínua de energia – são itens considerados vitais quando se depende da continuidade do serviço ou do processo produtivo.
Assim, ao planejarmos um edifício de escritórios, um hospital, um shopping center, uma indústria ou uma área de logística, devemos avaliar, dentre outras coisas, se o empreendimento pode sofrer pequenas interrupções de energia se a qualidade no fornecimento é um item preponderante e, lógico, o custo da energia frente ao uso final que se fará dela.
A matriz de energia elétrica formada décadas atrás pela energia hidráulica vem aos poucos se modificando através de novas fontes, sejam elas renováveis ou não, diversificando a matriz no seu todo e acompanhando o aumento da demanda. Por sua vez, o Sistema Interligado Nacional (SIN), que pode ser comparado a uma “rodovia elétrica”, interligando todo o território brasileiro, é constituído pelas conexões entre todas as redes locais, que foram realizadas ao longo do tempo, garantindo o fornecimento de energia. Dessa forma, a energia que se consome num estado pode ter sido gerada noutro a quilômetros de distância, havendo, assim, um equilíbrio no suprimento em todo o território nacional. Todavia, não se pode afirmar que o sistema que distribui energia na nossa localidade, ou seja, perto de nossa edificação, não venha sofrer colapsos, com interrupções em determinados momentos do dia, devido ao congestionamento ou saturação dessa “rodovia local”.
A geração energia elétrica “in site” é a solução que, aos poucos, está se consolidando, não só pela redução de custos, mas também por qualidade e segurança.
A decisão por gerar a eletricidade junto ao local de consumo (“in site”) deve levar em conta exigências de fornecimento, como continuidade, qualidade e disponibilidade, que devem ser supridas pelo “grid”, bem como o uso final que se faz dessa energia. O fornecimento que se tem da concessionária local, ou mesmo do mercado livre, ambos dependentes da rede local, nem sempre é ininterrupto, pois sofre com os problemas mais diversos. Já os consumidores que não podem ser interrompidos têm, muitas vezes, custos adicionais causados por essas falhas de continuidade ou de qualidade no suprimento, ocasionando na indústria, por exemplo, reprocessamento de produção, perdas de matéria-prima e até recomposição do processo produtivo.
Já visitei empresas, durante as décadas de trabalho nesta área, que não se incomodam com a qualidade ou falhas no fornecimento de energia elétrica, pois o processo pode parar sem que, com isso, ocorram grandes prejuízos. Por outro lado, também encontrei empresas que dependem da continuidade do fornecimento de energia elétrica e que estão sempre “preocupadas”, porém, só ficam nisso, ou seja, esperam que a solução venha da parte de quem fornece a energia, mas nunca estão “ocupadas” em encontrar uma solução definitiva, pois julgam que o problema é da concessionária de energia elétrica, quando na realidade o problema é delas. A cada falha no fornecimento de eletricidade, as empresas não se ocupam em prevenir e o que fazem é só se lamentar e, assim, vão seguindo em frente somando prejuízos.
Por outro lado, também, tive a oportunidade de encontrar empresas nas quais “desenhamos” e implantamos soluções eficientes para o fornecimento energético contínuo, através da geração “in site”, combinando eletricidade, vapor, água quente, água gelada. Como, por exemplo, edifícios de escritórios “triple A”, nos quais a falha no fornecimento é algo impensável. Em um desses casos, implantamos o sistema de geração concomitante de energias térmica e elétrica (cogeração) e, anos depois, ocorreu um imprevisto na entrada geral, impedindo o suprimento de energia da rede externa, cuja solução só veio algumas semanas após o fato ocorrido. No entanto, os ocupantes pouco ou quase nada notaram, pois o edifício permaneceu suprido na sua totalidade com eletricidade e água gelada para o sistema de ar condicionado, sem que se dessem conta do ocorrido. Caso não houvesse o sistema autônomo de geração de energia, o caos estaria instalado!
O dito popular “prevenir para não remediar” tem sua aplicação na saúde, mas pode também ser usado em outras áreas. Ele se aplica tanto na disponibilidade ou continuidade do fornecimento da energia, como na precaução de que o custo da eletricidade venha a disparar (como o que ocorreu nos últimos meses) e o que era uma simples prevenção pode se tornar uma boa vantagem nos custos operacionais.
Seja o motivo que for, podemos e devemos planejar o uso da energia de hoje e do futuro, visando eficiência, qualidade, segurança, continuidade, expansão futura da demanda da edificação, etc., e não esquecer que é mais barato e previdente consultar, diagnosticar e planejar com quem conhece do assunto do que no futuro, quem sabe muito próximo, partir para uma solução de última hora, reparando situações que podiam ser previstas e evitadas.
Referências:
- FELAMINGO, J.C. “Cogeração: uma prática pouco compreendida na sua essência”, Revista O setor Elétrico, ed. 93, outubro de 2013.
- Aneel, http://www.aneel.gov.br/arquivos/pdf/atlas_par1_cap1.pdf, cap. I, p. 3.
*J. C. Felamingo é engenheiro e diretor da Union Rhac.
Uma resposta
belo artigo, foi de muita valia no desenvolvimento do meu tcc