Edição 113 – Junho de 2015
Por Bruno Moreira
Micro e minigeração de energia solar fotovoltaica conectada à rede passou de 8 MW, em 2013, para 15 MW em 2014. O avanço é ainda mais significativo se levarmos em conta que, no final de 2012, apenas 0,8 MW proveniente desses sistemas estava integrado ao Sistema Interligado Nacional (SIN)
Parece haver chegado a hora da energia solar fotovoltaica no Brasil. Ações recentes do Governo Federal levam a crer que o mercado de energia solar passará por algo similar ao que vem ocorrendo com a energia eólica. Entre as atitudes que vêm sendo tomadas, podemos destacar os leilões específicos para a fonte e a Resolução nº 482 da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), que estabelece as condições gerais para o acesso da micro e minigeração distribuída aos sistemas de distribuição de energia elétrica e ao sistema de compensação de energia elétrica.
Vale lembrar que a energia solar já é empregada pelo Governo Federal há alguns anos, mas com o intuito de atender às comunidades isoladas, muito afastadas da rede de energia elétrica, dentro de programas de inclusão como o Luz para Todos. Nestas localidades, situadas principalmente na região Norte do país, é menos custoso do ponto de vista financeiro – mesmo a energia solar sendo mais cara que a energia convencional – utilizar sistemas off grid de energia solar, do que conectar estas comunidades à rede. Na atualidade, porém, a atenção do governo e dos demais agentes do setor se volta para esta fonte alternativa de energia na modalidade on grid, ou seja, por meio de sistemas fotovoltaicos conectados à rede. Tais ligações, podem se dar de duas maneiras: geração distribuída, com empreendimentos menores, e geração centralizada, por meio de grandes usinas produtoras de energia.
Conforme o presidente da Associação Brasileira de Energia Solar Fotovoltaica (Absolar), Rodrigo Sauaia, o país apresenta hoje cerca de 48 MW de potência instalada proveniente da fonte solar. Tendo em vista que o país possui quase 137 mil MW de capacidade instalada em operação, segundo o Banco de Informações de Geração (BIG) da Aneel, a fonte solar representa apenas 0,03% da matriz elétrica brasileira, um número pouco expressivo. O cenário tende a adquirir tons ainda mais escuros se for levar em conta somente a energia solar fotovoltaica conectada ao Sistema Interligado Nacional (SIN). De acordo com o presidente da Absolar, são cerca de 18 MW de potência solar fotovoltaica conectada à rede. Números que se referem, obviamente, a pequenos empreendimentos de geração distribuída.
Não obstante os números baixos, a situação da energia solar já esteve em condições menos favoráveis, podendo ser considerada no momento até promissora. Para se ter uma ideia, pouco tempo após a publicação da Resolução nº 482, ainda em 2012, eram apenas três os sistemas de geração distribuída conectados ao SIN. Em 2013, este número saltou para 75. Em 2014, para 350. Segundo Sauaia, dados de maio de 2015 informam que já são 670 empreendimentos de micro e minigeração ligados à rede elétrica, sendo que deste montante 631 são plantas solares fotovoltaicas. A expectativa da Absolar é de que até o fim do ano seja ultrapassada a marca de mil sistemas fotovoltaicos conectados. Em relação ao número de conexões de geração distribuída por concessionárias, a Cemig é a que mais apresenta sistemas deste tipo ligados à sua rede. São 98; a grande maioria é de micro e miniusinas solares fotovoltaicas.
No que se refere à geração centralizada de energia solar fotovoltaica, ou seja, grandes usinas fotovoltaicas, o cenário é ainda mais incipiente, contudo, bem mais promissor, até por conta da maior quantidade de energia que pode ser produzida por estes empreendimentos. O principal instrumento impulsionador destes sistemas são os leilões de energia promovidos pela Aneel.
O primeiro leilão exclusivo para energia solar aconteceu no final de 2014. Na ocasião, foram ofertados cerca de 10 mil MW de energia solar, mas contratados 1048 MW a um preço médio de R$ 215 / MWh para iniciarem a operação em setembro/outubro de 2017. Para este ano, são esperados mais dois leilões específicos da fonte, em agosto e novembro. O leilão de agosto já finalizou suas inscrições e teve 382 projetos credenciados, totalizando uma capacidade instalada de mais 12.500 MW. A expectativa, no entanto, conforme o presidente da Absolar, é de que sejam contratados cerca de 1.000 MW em cada certame realizado em 2015.
Momento propício
Os incentivos do governo brasileiro ao mercado de energia solar fotovoltaica começaram a surgir com mais intensidade agora porque o momento se tornou propício com a queda vertiginosa – que ainda vem ocorrendo – do custo relacionado à tecnologia fotovoltaica e, consequentemente, do preço do megawatt da fonte.
O professor e chefe do Laboratório de Energia Solar (Labsol) da Escola de Engenharia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), Arno Krenzinger, explica que os custos dos materiais empregados na geração fotovoltaica baixaram em razão do aumento de produção. Conforme o professor, por causa da grande utilização em países da Europa – tais como Alemanha, Espanha, França e Itália – fortaleceu-se a indústria de energia solar no continente. Contudo, o aumento do consumo foi tão grande que os europeus não conseguiram produzir módulos fotovoltaicos em quantidade suficiente e a solução encontrada para suprir a demanda foi a importação de módulos da China. Segundo Krenzinger, a entrada da China e o consequente crescimento de produção acarretou em uma queda ainda maior do preço dos módulos. Mesmo após a crise econômica mais recente que assolou o mundo, inclusive a Europa, a produção de módulos fotovoltaicos por parte da China não arrefeceu, estimulada ainda pelo consumo no país asiático que cresceu bastante.
A entrada do Brasil com mais força neste mercado de energia solar deve ser encarada dentro deste quadro internacional de queda de preços, em razão da alta produção realizada pela China. Para se ter uma ideia de como o preço da energia solar fotovoltaica tem baixado no mundo, em meados dos anos 1990, o kWh custava 50 centavos de dólar, e atualmente custa em torno de 15 centavos de dólar por kWh, podendo chegar em 2020 a 5 centavos de dólar o
kWh.
O custo de instalação do sistema solar fotovoltaico também teve uma queda vertiginosa nas últimas décadas. Conforme dados disponibilizados pelo engenheiro de tecnologia e normalização da superintendência de tecnologia e alternativas energéticas da Cemig, Bruno Marciano Lopes, no que se refere a sistemas fotovoltaicos menores, de 10 kW de potência, o preço da instalação do sistema solar caiu de 12 dólares por watt-pico em 1998 para cerca de 5 dólares o watt-pico em 2012. Já o preço (internacional) do módulo, que era de cerca de 6 dólares por watt-pico em 1998, decresceu para menos de um dólar por watt-pico em 2012.
Aproveitando a lacuna dada pela queda dos preços, o Governo Federal começou a investir em leilões específicos para as fontes, como vimos, que podem ser vistos como subsídios ao segmento, de acordo com o diretor do Instituto Nacional de Eficiência Energética (Inee), Pietro Erber. Isso porque, com estes certames específicos, permite-se que a fonte solar não entre em concorrência com fontes mais baratas, como a hídrica e a eólica, e que se pague um preço maior pelo MWh.
Em princípio, a ideia do Governo Federal, por meio da Empresa de Pesquisa Energética (EPE), é investir na difusão da energia solar fotovoltaica como uma maneira de diversificar a matriz elétrica brasileira. “Diversificar é algo quase obrigatório atualmente”, sentencia o professor da UFRGS, Arno Krenzinger. Segundo ele, os leilões específicos de energia renovável refletem o aprendizado do governo em relação à questão da variedade das fontes, tendo em vista a crise hídrica que o país se encontra hoje, e a dependência das hidrelétricas e das térmicas (com altos preços de energia).
O desenvolvimento de uma cadeia produtiva solar fotovoltaica, nos moldes do que ocorreu com a energia eólica, porém, não pode ser descartada. O presidente da Absolar, Rodrigo Sauaia, acredita nisso. Para ele, os leilões têm como função contratar volumes mais expressivos de energia solar fotovoltaica no curto prazo e incentivar a vinda de fabricantes para o Brasil. O professor da UFRGS afirma que, uma vez criadas as condições no país para o desenvolvimento da energia solar em larga escala, cada agente que participa deste mercado terá interesse em “aproveitar a onda”, tais como empresas nacionais da área e bancos de investimentos. Krenzinger destaca também o interesse do Governo em criar regras para que a produção de energia solar seja capitaneada por empresas de capital nacional. Para ele, empresas estrangeiras não devem receber subsídios, como financiamentos com juros baixos para implantação de sistemas solares.
Por enquanto, são poucas as empresas nacionais na área. “O Brasil é emergente no que diz respeito à fabricação. Está começando agora”, afirma Sauaia, salientando que os primeiros anúncios de empresas que vão se instalar para a fabricação de módulos solares e inversores estão sendo realizados agora. O presidente da Absolar acredita que empresas deste segmento serão as primeiras a se instalar, seguidas por companhias que fabricam suporte e componentes elétricos específicos para energia solar fotovoltaica. O professor da UFRGS destaca a Tecnometal como uma das empresas nacionais que fabricam módulos solares, atualmente, mas em baixa escala, e recorda a Heliodinâmica, que chegou a produzir lâminas de silício.
Incentivos fiscais
Além da resolução nº 482 da Aneel, outros incentivos estão sendo dados e pensados pelo Governo para fomentar a produção de energia solar por meio de micro e mini usinas. Por exemplo, o Conselho Nacional de Política Fazendária (Confaz), do Ministério da Fazenda, editou novo Convênio (16/2015) para o Imposto Sobre a Circulação de Mercadorias e Prestação de Serviços (ICMS), que incide sobre a geração de eletricidade do mini e microgerador. Assim, desde 27 de abril, estados brasileiros interessados em incentivar a energia solar poderão isentar do referido imposto o cidadão que desejar gerar sua própria energia. Até o momento, três estados já aderiram: São Paulo, Pernambuco e Goiás.
Junto a este incentivo tramitam na Câmara dos Deputados e do Senado Federal, projetos de lei, que visam facilitar o caminho da energia solar no país tanto para pequenos quanto para grandes empreendimentos. O Projeto de Lei 8322/14, por exemplo, isenta do Imposto sobre Importação (II) os equipamentos e componentes de geração fotovoltaica. O texto diz, no entanto, que a isenção será aplicada somente quando não houver produto nacional similar. Para o autor do projeto, o senador Ataídes Oliveira (PSDB-TO), este incentivo se faz necessário porque apenas as forças do mercado brasileiro são insuficientes para a aceleração do desenvolvimento do setor. Atualmente, o PL 8322/14 está aguardando o parecer do relator na Comissão de Minas e Energia (CME) da Câmara dos Deputados. O documento ainda passará pelas comissões de Finanças e Tributação; e de Constituição e Justiça e de Cidade, para aprovação em caráter conclusivo.
O outro projeto de lei que tramita no Senado, o PLS 167/2013, quer isentar do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI), de PIS/Pasep e da Cofins, painéis fotovoltaicos e outros componentes dessa modalidade de energia renovável, fabricados no país. Este projeto, de autoria do senador Wilder Morais (DEM-GO), também prevê, nos mesmos moldes que o PL 8322/14, a isenção do II para componentes fabricados em outros países, até que haja similar nacional equivalente ao importado, em padrão de qualidade, conteúdo técnico, preço e capacidade produtiva. O PL 167/2013 foi aprovado recentemente na Comissão de Serviço de Infraestrutura (CI), de onde seguiu para a Comissão de Assuntos Econômicos do Senado Federal e no momento aguarda a designação do relator.
O problema do financiamento
Um dos gargalos existentes para a maior difusão da energia solar fotovoltaica no país tanto para a geração distribuída como para a geração centralizada é a falta de linha de financiamento. Gilberto Vieira Filho, diretor da Quantum Engenharia, empresa responsável pela viabilização de todo o projeto de desenvolvimento e instalação de equipamento fotovoltaico, destaca que o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), por exemplo, não apresenta um programa de financiamento para empresas que queiram investir em energia solar fotovoltaica, o que seria extremamente necessário para fomentar o mercado solar no país.
Se em âmbito federal não há iniciativas neste sentido, em âmbito estadual existem alguns programas em andamento, não por acaso, em Pernambuco, Goiás e São Paulo, os três estados brasileiros que já aderiram ao novo convênio do Confaz. O Estado de Pernambuco, por exemplo, apresenta o PE Solar, operado pela Agência
de Fomento do Estado de Pernambuco (Agefepe), que financia projetos para pequenas e médias empresas pernambucanas, oferecendo prazos de amortização de até oito anos (96 meses), com seis meses de carência, e cobrança de juros de até 8,24% ao ano para micro, pequenas e médias empresas, e de 5,3% ao ano para cooperativas e cooperados do setor rural. São Paulo e Goiás apresentam opções de financiamento similar também para empresas.
“Na minha opinião, o Governo Federal deveria se envolver e disponibilizar opções de investimento, linhas de financiamento, também para pessoas físicas”, diz o presidente da Absolar, explicando que atualmente pessoas físicas devem procurar bancos privados para financiar projetos deste tipo, com o obstáculo de que estes não oferecem condições muito atrativas, como somente cinco anos de amortização e taxa de juros de mais de 6% ao ano. O empreendimento fotovoltaico tem um alto investimento inicial e necessita de um prazo maior do que cinco anos para se pagar. Neste sentido, a sugestão da Absolar, conforme Sauaia, é que os bancos privados tratem instalações de painéis fotovoltaicos em residência como investimentos em infraestrutura, como reforma do imóvel com condições de juros e amortização melhores.
O futuro da energia solar
O diretor da Quantum Engenharia acredita que ocorrerá com o mercado de energia solar o mesmo que vem acontecendo com o mercado de energia eólica, sendo que a energia fotovoltaica apresenta algumas vantagens em relação à energia eólica que podem contribuir ainda mais para o crescimento de instalações no país. “Os painéis solares podem ser instalados nos telhados das residências, não fazem barulho como as turbinas eólicas, não têm parte girante, que desgasta, o que faz com que tenham uma vida útil mais elevada e baixíssima manutenção”, explica Vieira Filho.
Vieira Filho vê ainda uma peculiaridade na difusão da energia solar fotovoltaica no Brasil. Para ele, a geração distribuída será mais forte nas regiões do país abaixo de São Paulo: “onde os terrenos são mais caros e o poder aquisitivo para bancar empreendimentos próprios é maior”. Já as usinas de geração serão mais profícuas nas regiões acima de São Paulo: “que contam com terrenos mais baratos, não têm o custo tão alto e apresentam a insolação maior”.
Não obstante, o presidente da Absolar acredita que em um cenário de curto prazo a geração centralizada terá um papel predominante para trazer massa crítica para desenvolver a cadeia produtiva no país. Mas, segundo ele, a médio e longo prazo, o papel fundamental será da geração distribuída, como já ocorre no mundo. Sauaia salienta que dos 138,9 mil MW de potência instalada de energia solar fotovoltaica no mundo inteiro, mais da metade, 80 mil MW, é de geração distribuída. No Brasil, conforme estudo da EPE sobre demanda de energia para 2050, a estimativa é de que o país tenha entre 78 mil MW e 118 mil MW instalados de energia solar fotovoltaica geradas por micro e miniusinas. O que seria, conforme Sauaia, mais ou menos 2/3 de toda a potência instalada que o país tem hoje.
Por sua vez, o diretor do Instituto Nacional de Eficiência Energética (Inee), Pietro Erber, afirma que, em curto prazo, os empreendimentos de micro e mini geração são mais viáveis. “Em longo prazo, é preciso colocar um imenso ponto de interrogação porque a tecnologia está evoluindo muito”, diz Erber. Para se ter uma ideia, atualmente a eficiência do painel solar fotovoltaico está entre 15% e 20%. Ou seja, há espaço para evolução, segundo ele. Erber vê a energia solar fotovoltaica como necessária e complementar aos grandes empreendimentos de energia elétrica, mas tem dúvidas se usinas solares poderão competir algum dia com usinas termelétricas movidas a gás.
O presidente do Fórum Latino-Americano de Smart Grid, Cyro Vicente Boccuzzi, prefere destacar as potencialidades da energia solar fotovoltaica como fonte de geração distribuída. Segundo ele, o momento das usinas centralizadas já passou e a tendência mundial é investir em geração distribuída como apoio e complemento a estes grandes empreendimentos. “A energia solar hoje tem grande vocação para ser a pioneira na área de recursos distribuídos em pequena escala porque o sol é universal e os sistemas fotovoltaicos estão ficando cada vez mais baratos, o que está tornando mais fácil sua aplicação”, afirma Boccuzzi, fazendo uma ressalva de que ela deve ser aplicada sempre de forma combinada com tecnologias de eficiência energética, gerenciamento de demanda e armazenamento de energia.