Com a expectativa da aprovação de um marco legal ainda em 2023, especialistas abordam os desafios e as oportunidades que esse tipo de geração de energia pode trazer ao país.
A cadeia global de suprimentos de energia eólica offshore precisará garantir um investimento de US$ 27 bilhões até 2026 se quiser atingir um crescimento cinco vezes maior nas instalações anuais até 2030 (excluindo a China). Essa é a constatação apresentada no relatório “Correntes cruzadas: traçando um curso sustentável para a energia eólica offshore”, divulgado em agosto deste ano pela Wood Mackenzie, empresa responsável por análises globais para energias renováveis e recursos naturais.
O valor mencionado deriva da perspectiva base traçada pela companhia, a qual prevê um aumento anual na capacidade de cerca de 30 gigawatts (GW) até 2030. Contudo, a entidade alerta que essa cifra fica consideravelmente aquém das metas estabelecidas por autoridades governamentais para a energia eólica offshore, que exigiriam quase 80 GW por ano. Para efetivamente atingir essa meta ambiciosa delineada por governos ao redor do mundo, estima-se que a cadeia de suprimentos necessitará de um investimento superior a US$ 100 bilhões.
“Os governos deixaram claro seu compromisso com a energia eólica offshore como um importante pilar da descarbonização e da segurança energética. No entanto, a cadeia de suprimentos está lutando para crescer e será um impedimento para atingir as metas de descarbonização se a mudança não acontecer”, afirma Chris Seiple, vice-presidente de energia e renováveis da Wood Mackenzie e coautor do relatório.
Frente a essas perspectivas, torna-se fundamental a necessidade de decifrar o papel que o Brasil assumirá no contexto da energia eólica offshore. Afinal de contas, como anda o panorama por estas terras tropicais?
Diferencial competitivo
As vastas águas que margeiam a extensa costa brasileira abrigam um potencial eólico notável, com a capacidade de catalisar de maneira significativa a produção de energia limpa. No entanto, o país já dispõe de diversas fontes renováveis, incluindo a solar e a eólica onshore, as quais se apresentam como alternativas mais acessíveis e de implementação relativamente mais simples. Diante de tal cenário, surge o questionamento sobre a real viabilidade do investimento em energia eólica offshore no Brasil.
Na avaliação da presidente da Associação Brasileira de Energia Eólica (ABEEólica), Elbia Gannoum, é necessário levarmos em consideração fatores que vão muito além das cifras financeiras. “Em tempos de transformação social, mudanças climáticas e transição energética, o conceito de diferencial competitivo mudou muito. Antigamente, falávamos muito de competitividade pensando em preço, mas ela tem um aspecto muito mais amplo. A competitividade está associada aos principais atributos daquele bem que você vai oferecer no mercado”, declara.
Elbia explica que no contexto atual da energia eólica offshore, uma análise objetiva do preço em comparação com outras fontes energéticas disponíveis no Brasil – como é o caso da eólica onshore e da energia solar – indica um custo um pouco mais elevado. No entanto, quando comparada ao gás natural, a energia eólica offshore já se encontra em pé de igualdade em termos de custos.
“Neste caso, preço para mim é o menor fator, pois ele é resultado de um custo que tende a cair com o tempo. Foi o caso da energia eólica onshore e da energia solar, e também vai acontecer com a eólica offshore e com o hidrogênio. Por isso, diferencial competitivo para mim é tudo o que aquele investimento é capaz de trazer em benefício do Brasil”, enfatiza a executiva, que destaca também as novas possibilidades que essa modalidade de geração pode oferecer, como a chance de atrair investimentos internacionais de regiões fortemente empenhadas na transição energética, fato que, segundo a executiva, resultaria no enriquecimento do Produto Interno Bruto (PIB) do país e na criação de novos postos de trabalho.
“Por isso, se a pergunta é diferencial competitivo, sem dúvidas, o Brasil tem que fazer o offshore e tem que fazer agora. Até porque,’ fazer agora’ significa aprovar uma lei no Congresso. Depois de aprovada a lei, é preciso fazer um leilão de cessão de uso do mar, porque é um bem da União. Só depois o ganhador do leilão poderá fazer os estudos ambientais para obter uma licença. Então, vamos supor, uma lei aprovada em 2023 contará com um leilão em 2024, e a licença será conseguida três anos depois, em 2027, que é quando iremos construir os primeiros projetos. Até lá, o custo de produção já caiu bastante e nós já trouxemos o potencial de benefícios que uma indústria de eólico offshore pode trazer para o Brasil”, conclui.
Apesar de também compartilhar uma perspectiva positiva em relação à produção de energia limpa por meio da fonte eólica offshore, Lucca Zamboni, diretor executivo de Pesquisa do Grupo de Estudos do Setor Elétrico (GESEL – IE/UFRJ), enfatiza a necessidade de uma análise criteriosa desse cenário. Segundo ele, uma abordagem equilibrada é essencial, uma vez que não bastaria apenas aumentar a geração de energia eólica e solar, já que essas fontes não são constantemente controláveis.
“Você acende a sua luz, a comporta da usina abre um pouquinho mais para regular o tanto de energia necessária para te atender. É preciso haver essa regulação da energia para garantir o fornecimento. Não adianta encher de energia eólica, energia solar, sendo que ela não é despachável, o que eu faço com essa sobra de energia, para onde vai tudo isso? Temos que trabalhar essas fontes de energia com outras soluções”, declara.
Zamboni destaca que a energia eólica tem um preço competitivo por megawatt-hora gerado, sendo uma opção econômica e não negligenciável. No entanto, ao avaliar a matriz energética como um todo, o acadêmico avalia que a viabilidade da energia eólica offshore pode ser questionada, dado que envolve custos adicionais, como estruturas de plataforma e fundações submarinas, tornando-a potencialmente mais cara em comparação com a eólica onshore. “Aqui na nossa matriz, temos um potencial muito grande onshore para fazer eólica. Não precisamos fazer offshore, temos espaço para fazer onshore de uma forma mais barata, sem pesar no preço da energia para o consumidor.”
O pesquisador explica que a geração de energia através de parques eólicos offshore faz muito mais sentido em países que não possuem as características favoráveis do Brasil. “Quando a gente fala na Europa, por exemplo, onde está o potencial de vento da Inglaterra? Está na Escócia, no mar. Eles não possuem um lugar com potencial que não seja o mar, que não possua obstáculos, que não tenha relevo, que não atrapalhe o vento. Por lá, acaba sendo vantajoso e muito interessante investir na eólica offshore”, argumenta.
Apesar disso, o especialista ressalta que existem situações em que faz sentido adotar essa modalidade de geração no Brasil. “Para sistemas isolados, como é o caso de Fernando de Noronha, [a energia eólica offshore] pode ser interessante.Tem também toda a questão da produção de petróleo em plataformas sem energia. Ou você queima petróleo, ou coloca uma eólica junto a um sistema de armazenamento, que é um outro ponto que temos estudado bastante aqui no GESEL, para a descarbonização do setor elétrico.”
Desafios
A busca pela expansão da produção de energia eólica offshore requer uma análise atenta das complexidades envolvidas, tanto em nível internacional quanto local. Neste contexto, as considerações sobre o Brasil como um dos protagonistas mundiais adquirem ainda mais relevância. O país deve enfrentar desafios específicos, desde a formulação de políticas até questões operacionais, a fim de alcançar os benefícios almejados com a energia eólica offshore.
Para Elbia Gannoum, as dificuldades que se apresentam no horizonte são multifacetadas e intrincadas. Ela identifica um desafio regulatório dividido em duas vertentes cruciais: a ambiental e o modelo de mercado. Quanto à perspectiva ambiental, a executiva afirma que já é possível notar avanços, uma vez que o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) lançou seu termo de referência em 2020, fornecendo as diretrizes para os licenciamentos ambientais.
No entanto, o campo do desenho de mercado ainda exige uma atenção especial. Nesse sentido, um Projeto de Lei (PL 576/2021) está em tramitação no Congresso Nacional, com expectativa de aprovação ainda neste ano. De autoria do ex-senador Jean Paul Prates – atual presidente da Petrobras –, o marco regulatório estabelece diretrizes para a utilização das fontes de energia eólica, solar e de regiões offshore. O projeto foi aprovado pela comissão de infraestrutura do Senado há um ano, e atualmente aguarda pelo aval da Câmara dos Deputados. Surge, portanto, um desafio regulatório que se concentra em concretizar a legislação e, consequentemente, dar origem ao primeiro leilão de cessão.
Paralelamente, Elbia ressalta a existência de desafios técnicos a serem superados, notadamente no que se refere à integração da cadeia de produção e à instalação das fábricas responsáveis pela criação dos imponentes aerogeradores, peças-chave na viabilização dessa empreitada.
“Temos outros desafios, como ajustar a estrutura de transmissão, e existe um efeito também na cadeia produtiva dos portos. A gente precisa de bons portos para fazer a eólica offshore, porque você fabrica o equipamento ali, na área do porto. Mas, tudo isso, a indústria já está se preparando para fazer. Competência a gente tem, o crucial é o desenho regulatório”, complementa.
Impactos
Ao considerarmos alternativas de fontes renováveis para a geração da energia que sustenta nossas necessidades, a preocupação em minimizar os impactos ambientais e sociais torna-se intrínseca. Essa abordagem abarca não apenas a fase de instalação, mas também o funcionamento contínuo dos geradores. Afinal, o objetivo primordial não é simplesmente transferir os danos para um novo cenário, mas sim eliminá-los.
Nesse contexto, surge uma pergunta de grande relevância: a produção de energia eólica offshore possui um maior impacto se comparada a de outras fontes, como a da energia eólica onshore? Rodrigo Mello, diretor do Senai RN e do Instituto Senai de Inovação em Energias Renováveis (ISI-ER), esclarece que esses são impactos bem distintos, uma vez que estamos falando sobre ambientes diferentes.
“No caso da onshore, no Brasil, nos preocupamos com questões como: onde há a presença de florestas e faunas mais sensíveis, a presença de cidades, de áreas protegidas, de um assentamento, de quilombos, onde há rede de energia para escoar essa produção, onde há estradas para fazer um acesso mais razoável, etc. No mar, as preocupações são distintas, mas não menos importantes”, explica.
“No caso da eólica offshore, as preocupações são os ambientes de fluxo de turismo, de navios mercantes e de segurança por parte da Marinha. Também existe a preocupação com os ambientes de fluxo de alguns animais, como rotas de baleias, golfinhos, entre outros. Também nos preocupamos com as rotas de passarinhos e morcegos, por exemplo. Há toda uma preocupação quanto a isso. Já existe muita coisa mapeada, tem muito trabalho em execução”, complementa Mello.
O engenheiro ressalta que esse é um setor composto por muitas empresas oriundas da indústria petrolífera, as quais estão direcionando consideráveis investimentos com o propósito de preservar o meio ambiente de possíveis danos causados pela instalação de parques eólicos offshore. Neste contexto, a cultura de preservação ambiental seria um fator crucial, influenciando a reputação de cada empresa perante os consumidores.
“Essa é uma atividade que certamente terá um dos menores impactos ambientais dentre as atividades econômicas rotineiras do ser humano, e terá um resultado muito positivo, com a perspectiva de produzir uma fonte de energia que menos impacta em nossas vidas e, a longo prazo, substituindo fontes de energias fósseis, do ponto de vista global”, argumenta. “A questão é muito mais sobre a localização dos aerogeradores. Você precisa imaginar, do ponto de vista do mar, que serão apenas algumas ‘agulhas em pé no palheiro’, talvez menos do que isso. Esse é o impacto que um equipamento desse gera na vastidão do mar”, conclui.
Expectativas
Com esforços em andamento para regular e, posteriormente, produzir energia elétrica por meio de fontes eólicas offshore, há também a necessidade de se fixar metas de capacidade instalada de maneira realista. Sobre essa questão, a presidente da ABEEólica, Elbia Gannoum, destaca que o Brasil não pode comprometer sua potencialidade de capacidade instalada, uma vez que está competindo globalmente com nações que investem fortemente em energia eólica offshore, como é o caso de Estados Unidos, Europa e Ásia.
“O Brasil precisa sinalizar rapidamente que vai fazer eólica offshore e que haverá uma certa estabilidade. É preciso dar um sinal de longo prazo, o que nós chamamos de rota de mercado. Estamos falando de algo em torno de 30 GW/ano a partir de 2027. Esse seria o número ideal para começar com offshore no Brasil, o que deixaria os investidores numa posição confortável para nos escolher como um país de investimentos em eólica offshore. Outros países já adotaram ou estão adotando esse posicionamento, se não o fizermos também, ficaremos de fora”, afirma a executiva.
Por: Fernanda Pacheco