Estratégias conceituais da operação do Sistema Interligado Nacional

Edição 110 – Março de 2015
Espaço Cigré
Por Saulo Cisneiros*
 

O Sistema Interligado Nacional (SIN) é um sistema interligado de dimensões continentais e predominantemente hidroelétrico com grandes usinas distantes dos centros de carga, que são interligados por longas linhas de transmissão. Ao final de 2014, o SIN tinha uma capacidade instalada de geração de mais de 133.000 MW e mais de 120.000 km de linhas de transmissão em tensão igual ou superior a 230 kV. Além disso, o Brasil é um dos países emergentes do Grupo BRICS, cuja economia e demanda por energia elétrica têm crescido significativamente a cada ano. Essas características tornam o SIN um sistema quase ímpar no mundo, de tal forma que o seu planejamento e a sua operação se revestem de grande complexidade, o que requer estratégias, diretrizes e procedimentos com essa finalidade. Esse arcabouço faz parte das atribuições, reponsabilidades e conceitos que são praticados pelo Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS) e do dia a dia das atividades dos seus dirigentes, gestores e profissionais.

Em função das características do SIN, as interligações inter-regionais têm um papel fundamental nos intercâmbios energéticos entre regiões para otimizar as disponibilidades existentes visando a garantia do atendimento energético do SIN. Por conta disso, as interligações entre as regiões Sul, Sudeste/Centro-Oeste, Nordeste e Norte têm sido expandidas com o objetivo de aproveitar os excedentes sazonais de geração hidráulica e de outras fontes existentes em cada região. Essas interligações funcionam como se fossem “usinas virtuais” para as regiões recebedoras. Dentro deste contexto e de suas potencialidades, cada região tem suas estratégias específicas de atendimento energético. A Figura 1 apresenta as regiões eletro-geográficas do SIN.


Figura 1 – As regiões eletro-geográficas do SIN.

Atendimento à região Nordeste

A principal oferta de energia elétrica da região Nordeste é de origem hidráulica e depende praticamente do rio São Francisco. A capacidade máxima de armazenamento desta região é de 51.860 MWmed.mês, representando 20% da capacidade de armazenamento do SIN. O rio São Francisco concentra 97% da capacidade de armazenamento dessa região, distribuídos pelos reservatórios de Três Marias (31%), Sobradinho (59%) e Itaparica (7%). A geração térmica representa 26% da capacidade de geração instalada na região. A geração eólica, apesar de ser emergente, representa hoje 22%.

Em caso de ocorrência de baixas afluências no rio São Francisco, o atendimento energético à região Nordeste é feito prioritariamente pela importação de energia das regiões Norte, proveniente da UHE Tucuruí, e Sudeste/Centro-Oeste, por meio das interligações Norte/Nordeste, Sudeste/Nordeste e Norte/Sudeste. Nestas situações, o recebimento de energia das demais regiões é maximizado até o esgotamento dos limites elétricos das interligações inter-regionais, desde que haja excedentes disponíveis nessas regiões, para em seguida despachar a geração térmica da região NE, por razões de garantia energética, além daquela que já é normalmente feita por ordem de mérito econômico nos programas mensais de operação e suas revisões semanais. Caso não haja disponibilidade de excedentes nas demais regiões, o despacho térmico por segurança energética é logo adotado.

Como resultado desta política, a maximização da importação de energia das demais regiões tem sido largamente praticada, de tal forma que o recebimento de intercâmbio pela região Nordeste nos últimos seis anos atingiu os seguintes valores em MWmed, representando os percentuais indicados da energia armazenada máxima (%EARmax) desta região, conforme mostrado na Tabela 1, para os anos de 2008 a 2014, e na Figura 2 para os meses de janeiro/2013 a maio/2014.


Figura 2 – Recebimento mensal de intercâmbio pela região Nordeste de Jan/2013 a Dez/2014.

A geração térmica da região NE tem também sido usada em larga escala como consequência das baixas afluências no rio São Francisco e também nas bacias da região Sudeste/Centro-Oeste, conforme mostrado na Figura 3.


Figura 3 – Geração térmica mensal na região Nordeste de Jan/2013 a Dez/2014.

Atendimento à região Norte

A região Norte depende significativamente da usina de Tucuruí e de importação de energia da região Sudeste/Centro-Oeste para atendimento dos seus requisitos energéticos e de ponta. Recentemente passou a contar também com a geração térmica e, em função do regime hidrológico do rio Tocantins, a UHE Tucuruí caracteriza-se pela ocorrência de excedentes energéticos que se concentram no primeiro semestre de cada ano e que são exportados para as regiões Sudeste/Centro-Oeste e/ou Nordeste. A exportação da energia de Tucuruí nos últimos cinco anos atingiu os seguintes valores em MWmed, que estão concentrados no primeiro semestre de cada ano, conforme mostrado na Tabela 2, para os anos de 2009 a 2014.

A UHE Tucuruí possui um ciclo anual bem definido de tal forma que no primeiro semestre ocorre o seu replecionamento e no segundo semestre o seu deplecionamento, seguindo uma curva que procura maximizar o uso das suas disponibilidades, levando em conta que, historicamente, seu reservatório sempre reencheu ao longo do primeiro semestre do ano. Apresenta-se, na Figura 4, as curvas de deplecionamento da UHE Tucuruí previstas e verificadas no ano de 2014.

A capacidade de geração da usina de Tucuruí é fortemente influenciada pela altura de queda do seu reservatório. Em função dessa característica, ao longo do segundo semestre de cada ano, a UHE
Tucuruí frequentemente não possui disponibilidade de geração para atender a carga da região Norte, no período de ponta, o que é agravado pelo elevado fator de carga desta região ao longo da jornada diária, de tal forma que, a depender das afluências de Tucuruí e dos requisitos de carga, este déficit de ponta pode transformar-se em déficit de energia, devido à extensão da duração da ponta do Norte.

Dessa forma, o atendimento energético da região Norte no segundo semestre é feito pelas disponibilidades energéticas da UHE Tucuruí e o que não for possível de ser atendido por esta usina será complementado pelas disponibilidades energéticas das regiões Sudeste/Centro-Oeste e Nordeste, a depender dos regimes hidrológicos dessas regiões, e/ou pela geração térmica local. A partir de 2013 com a instalação de geração térmica no estado do Maranhão, que hoje totaliza 2.400 MW, a região Norte passou a ser exportadora ao longo de todo ano, embora com menor intensidade no segundo semestre.


Figura 4 – Curvas de deplecionamento de Tucuruí prevista e verificada no ano de 2014.

Atendimento à região Sul

A capacidade de armazenamento da região Sul totaliza cerca de 19.873 MWmed.mês, representando cerca de 7,0% da capacidade de armazenamento do SIN, distribuídos pelas bacias dos rios Iguaçu, Jacuí, Uruguai e Capivari, sendo a bacia do rio Iguaçu responsável por cerca de 51% deste armazenamento.

O Sul está fortemente interligado à região SE/CO, por onde podem ser recebidos até 6.000 MWmed. Os recursos de geração térmica, cuja capacidade instalada totaliza 5.000 MW, mais a importação de energia possibilita o atendimento de cerca de 60% da demanda máxima verificada, o que dá a esta região uma característica diferenciada das demais regiões.

Na ocorrência de uma hidrologia desfavorável na região Sul, principalmente na bacia do rio Iguaçu, onde estão localizadas suas principais usinas e reservatórios, a estratégia de operação energética prioriza inicialmente a maximização do recebimento de energia da região SE/CO, caso haja excedentes energéticos, para em seguida fazer uso da geração térmica local, visando preservar a segurança do atendimento eletroenergético da região.

Atendimento à região Sudeste/Centro-Oeste

A capacidade máxima de armazenamento do subsistema SE/CO é de cerca de 205.002 MWmed.mês, representando 71% da capacidade de armazenamento do SIN, estando distribuída pelas bacias dos rios Paranaíba (37,2%), Grande (25,4%), Paranapanema (5,7%) e Tocantins/Serra da Mesa (17,2%), nas quais as bacias dos rios Paranaíba e Grande são responsáveis por cerca de 63% desse armazenamento.

A geração do subsistema, além das usinas com grandes reservatórios, provém principalmente de usinas a fio d’água de média e grande capacidade, com destaque especial para a usina Binacional de Itaipu (14.000 MW), que, por sua localização à jusante da bacia do rio Paraná, tira proveito das vazões regularizadas pelos reservatórios situados nas bacias dos rios Grande, Paranaíba, Tietê e Paranapanema. A geração térmica, convencional mas nuclear, representa cerca de 20% da demanda máxima.

Em função de ser a usina situada mais à jusante da bacia do Paraná, Itaipu tem batido seguidamente recordes mundiais de geração anual. Em 2006 e 2007, ano em que foram inauguradas mais duas unidades de 700 megawatts, completando, assim, as 20 previstas no projeto inicial, a marca de 90 milhões foi superada novamente, e em 2012 e 2013 novos recordes mundiais foram atingidos, sendo 98,6 milhões de MWh em 2013. A Tabela 3 apresenta a produção anual de Itaipu deste 1999, que em 2012 superou os 90 milhões de MWh.

A região SE/CO está interligada às regiões Sul, Norte e Nordeste, o que possibilita uma intensa otimização energética dos recursos de geração disponíveis entre as regiões. Entretanto, a região SE/CO, com cerca de 60% da carga própria do SIN, é atendida principalmente por seus próprios recursos de geração.

Pelas suas características, a região SE/CO apresenta uma grande inércia, de tal forma que as transferências de energia com as outras regiões representam menos de 5% de sua oferta. Disso decorre que, num quadro de restrição de oferta nesta região, as transferências das demais regiões para o SE/CO, embora sejam importantes, não são suficientes para evitar um eventual contingenciamento ditado por uma hidrologia criticamente desfavorável.

Tabela 3 – Energia anual gerada na UHE Itaipu

Atendimento sistêmico

A base predominantemente hidráulica do SIN com usinas localizadas em diversas bacias de diferentes regiões geográficas, interligadas por um extenso sistema de transmissão, conduz a que o planejamento e operação do SIN sejam realizados considerando a otimização dos recursos energéticos globais. Esta otimização tem como princípio básico distribuir, entre todas as regiões e os agentes, o ônus e os benefícios decorrentes da operação interligada, mantendo o princípio da cooperação mesmo no ambiente competitivo.

Desta forma, as interligações inter-regionais têm sido operadas visando otimizar o uso dos recursos energéticos de cada região, observando o ótimo sistêmico. Isso significa que os intercâmbios inter-regionais serão definidos com o objetivo de procurar igualar a segurança energética entre as regiões, até os limites elétricos de capacidade destas interligações.

Para que este princípio seja praticado de forma equitativa em todo o SIN, é necessário que os recursos energéticos excedentes em uma região sejam transferidos, via sistema de transmissão, para outras regiões que estejam mais carentes.

O ideal seria que as transferências de energia entre regiões não fossem limitadas pelas restrições de transmissão existentes, assegurando, assim, a aplicação do princípio da equidade da segurança energética em toda a sua plenitude para todo o SIN. Considerando que existem restrições de transmissão, mecanismos precisam ser adotados para procurar nivelar ou compensar desigualdades entre as regiões, provocados por estas restrições.

Para ilustrar precisamente este conceito, salienta-se o caso de uma região com disponibilidade sazonal ter de exportar o máximo para atender às demais regiõe

s que se encontram carentes. Caso estas disponibilidades não sejam suficientes para o atendimento total das necessidades, deverão ser seguidos os seguintes passos:

  1. Estabelecer prioridade entre as regiões carentes, em termos de criticidade;
  2. Priorizar as transferências de energia para as regiões mais carentes;
  3. Utilizar recursos locais de geração térmica e/ou importação de outras fontes, por ordem de mérito de custo, para compensar o que não pode ser recebido plenamente pelas regiões deficitárias até os limites de transmissão existentes.

Os custos com a utilização destes recursos locais de geração térmica e/ou importação por cada região serão considerados de uso sistêmico e rateados por todos os agentes de consumo do SIN, pelo Encargo de Serviços Sistêmicos (ESS) por razões de segurança energética, aplicado a situações específicas para bancar custos adicionais decorrentes da busca pela garantia da segurança do atendimento energético do SIN.

Atendimento sistêmico em situações de hidrologias críticas

Em situações de hidrologias críticas, a preservação dos estoques armazenados nos reservatórios localizados nas cabeceiras dos rios Grande (Furnas e Mascarenhas), Paranaíba (Emborcação e Itumbiara), Tocantins (Serra da Mesa) e São Francisco (Três Marias e Sobradinho) passam a ter um papel fundamental no atingimento de dois grandes objetivos:

  • Garantir o atendimento aos requisitos energéticos e de potência do SIN ao longo do período crítico;
  • Permitir o controle da gestão hídrica dos reservatórios de cabeceira para fins de uso múltiplo das águas por todos os usuários, pois, caso contrário, todos sairão perdendo.

Neste sentido, há necessidade de flexibilizar os requisitos de uso múltiplo da água e de condicionantes ambientais, com o objetivo de reduzir as inflexibilidades hidráulicas nas bacias hidrográficas do SIN, utilizando para isso recursos térmicos e energéticos existentes em todas as regiões.

As principais restrições nos aproveitamentos das bacias hidrográficas do SIN são decorrência de razões ambientais e de uso múltiplo dos recursos hídricos e, para cada caso, estão identificadas as flexibilizações requeridas para maximização do uso dos recursos disponíveis para atendimento energético do SIN. Dentro deste contexto é importante salientar que os requisitos locais não podem se contrapor ao objetivo maior que é o atendimento energético nacional ao país. Cabe para isso identificar as ações necessárias para mitigar os impactos locais provenientes da flexibilização das restrições existentes.

Agradecimentos

Agradecemos sinceramente às engenheiras especialistas de sistemas de potência do ONS, Alessandra Barros e Raitza Aguiar, pela coleta dos dados e preparação das tabelas apresentadas neste artigo.


 

*Saulo José Nascimento Cisneiros é segundo vice-presidente do Cigré-Brasil.



 

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