O Sistema Interligado Nacional (SIN) é um sistema interligado de dimensões continentais e predominantemente hidroelétrico com grandes usinas distantes dos centros de carga, que são interligados por longas linhas de transmissão. Ao final de 2021, o SIN tinha uma capacidade instalada de geração de mais de 172.000 MW e mais de 145.000 km de linhas de transmissão em tensão igual ou superior a 230 kV. Além disso, o Brasil é um país emergente, cuja economia e demanda por energia elétrica têm crescido significativamente a cada ano. Essas características tornam o SIN um sistema quase ímpar no mundo, de tal forma que o seu planejamento e a sua operação se revestem de grande complexidade, o que requer estratégias, diretrizes e procedimentos com essa finalidade. Esse arcabouço faz parte das atribuições, reponsabilidades e conceitos que são praticados pelo Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS).
Em função das características do SIN, as interligações inter-regionais têm um papel fundamental nos intercâmbios energéticos entre regiões para otimizar as disponibilidades existentes visando a garantia do atendimento energético do SIN. Por conta disso, as interligações entre as regiões Sul, Sudeste/Centro-Oeste, Nordeste e Norte têm sido expandidas com o objetivo de aproveitar os excedentes sazonais de geração hidráulica e de outras fontes existentes em cada região. Essas interligações funcionam como se fossem “usinas virtuais” para as regiões recebedoras. Dentro deste contexto e de suas potencialidades, cada região tem suas estratégias específicas de atendimento energético. A Figura 1 apresenta as regiões eletro-geográficas do SIN.
Atendimento à Região Nordeste
A principal oferta de energia elétrica da região Nordeste é de origem hidráulica e depende praticamente do rio São Francisco. A capacidade máxima de armazenamento desta região é de 51.860 MWmed.mês, representando 20% da capacidade de armazenamento do SIN. O rio São Francisco concentra 97% da capacidade de armazenamento dessa região, distribuídos pelos reservatórios de Três Marias (31%), Sobradinho (59%) e Itaparica (7%). A geração térmica representa cerca de 30% da capacidade de geração instalada na região. A geração eólica representa hoje mais de 30%.
Em caso de ocorrência de baixas afluências no rio São Francisco, o atendimento energético à região Nordeste é feito prioritariamente pela importação de energia das regiões Norte, proveniente da UHE Tucuruí, e Sudeste/Centro-Oeste, através das interligações Norte/Nordeste, Sudeste/Nordeste e Norte/Sudeste. Nestas situações, o recebimento de energia das demais regiões é maximizado até o esgotamento dos limites elétricos das interligações inter-regionais, desde que haja excedentes disponíveis nessas regiões, para em seguida despachar a geração térmica da região NE, por razões de garantia energética, além daquela que já é normalmente feita por ordem de mérito econômico nos programas mensais de operação e suas revisões semanais. Caso não haja disponibilidade de excedentes nas demais regiões, o despacho térmico por segurança energética é logo adotado.
Como resultado desta política, a maximização da importação de energia das demais regiões têm sido largamente praticada desde o ano de 2012. A geração térmica da região NE tem também sido usada em larga escala como consequência das baixas afluências no rio São Francisco e nas bacias da região Sudeste/Centro-Oeste. É importante destacar que a entrada em operação em larga escala de geração eólica foi fundamental para o suprimento à Região Nordeste a partir de 2014, com destaque para a redução de geração térmica. Tudo isto pode ser visto na figura 2 abaixo.
Atendimento à Região Norte
A região Norte depende significativamente da usina de Tucuruí e de importação de energia da região Sudeste/Centro-Oeste para atendimento aos seus requisitos energéticos e de ponta. A partir de 2013 passou a contar também com geração térmica. Historicamente, em função do regime hidrológico do rio Tocantins, a UHE Tucuruí caracteriza-se pela ocorrência de excedentes energéticos que se concentram no 1º semestre de cada ano, e que são exportados para as regiões Sudeste/Centro-Oeste e/ou Nordeste.
A UHE Tucuruí possui um ciclo anual bem definido de tal forma que no 1º semestre ocorre o seu replecionamento e no 2º semestre o seu deplecionamento, seguindo uma curva que procura maximizar o uso das suas disponibilidades, levando em conta que, historicamente, seu reservatório sempre reencheu ao longo do 1º semestre do ano.
A capacidade de geração da usina de Tucuruí é fortemente influenciada pela altura de queda do seu reservatório. Em função dessa característica, ao longo do segundo semestre de cada ano, a UHE Tucuruí frequentemente não possui disponibilidade de geração para atender à carga da região Norte no período de ponta, o que é agravado pelo elevado fator de carga desta região ao longo da jornada diária, de tal forma que, a depender das afluências a Tucuruí e dos requisitos de carga, este déficit de ponta pode transformar-se em déficit de energia, por conta da extensão da duração da ponta do Norte.
Desta forma, o atendimento energético da região Norte no 2º semestre é feito pelas disponibilidades energéticas da UHE Tucuruí e o que não for possível de ser atendido por esta usina será complementado pelas disponibilidades energéticas das regiões Sudeste/Centro-Oeste e Nordeste, a depender dos regimes hidrológicos dessas regiões, e/ou pela geração térmica local. A partir de 2013 com a instalação de geração térmica no estado do Maranhão, que hoje totaliza mais de 2.400 MW, a região Norte passou a ser exportadora ao longo de todo ano, embora com menor intensidade no 2º semestre.
Atendimento à Região Sul
A capacidade de armazenamento da região Sul totaliza cerca de 19.873 MWmed.mês, representando cerca de 7,0% da capacidade de armazenamento do SIN, distribuídos pelas bacias dos rios Iguaçu, Jacuí, Uruguai e Capivari, sendo a bacia do rio Iguaçu responsável por cerca de 51% deste armazenamento.
O Sul está fortemente interligado à região SE/CO, por onde podem ser recebidos até 6.000 MWmed. Os recursos de geração térmica, cuja capacidade instalada totaliza 5.000 MW, mais a importação de energia possibilita o atendimento de cerca de 60% da demanda máxima verificada, o que dá a esta região uma característica diferenciada das demais regiões.
Na ocorrência de uma hidrologia desfavorável na região Sul, principalmente na bacia do rio Iguaçu, onde estão localizadas suas principais usinas e reservatórios, a estratégia de operação energética prioriza inicialmente a maximização do recebimento de energia da região SE/CO, caso haja excedentes energéticos, para em seguida fazer uso da geração térmica local, visando preservar a segurança do atendimento eletroenergético da região.
Atendimento à Região Sudeste/Centro-Oeste
A capacidade máxima de armazenamento do subsistema SE/CO é de cerca de 205.002 MWmed.mês, representando 71% da capacidade de armazenamento do SIN, estando distribuída pelas bacias dos rios Paranaíba (37,2%), Grande (25,4%), Paranapanema (5,7%) e Tocantins/Serra da Mesa (17,2%), onde as bacias dos rios Paranaíba e Grande são responsáveis por cerca de 63% desse armazenamento.
A geração do subsistema, além das usinas com grandes reservatórios, provém principalmente de usinas a fio d’água de média e grande capacidade, com destaque especial para a usina Binacional de Itaipu (14.000 MW), que, por sua localização à jusante da bacia do rio Paraná, tira proveito das vazões regularizadas pelos reservatórios situados nas bacias dos rios Grande, Paranaíba, Tietê e Paranapanema. A geração térmica, convencional mais nuclear, representa cerca de 20% da demanda máxima.
A região SE/CO está interligada às regiões Sul, Norte e Nordeste, o que possibilita uma intensa otimização energética dos recursos de geração disponíveis entre as regiões. Entretanto, a região SE/CO, com cerca de 60% da carga própria do SIN, é atendida principalmente através dos seus próprios recursos de geração.
Pelas suas características, a região SE/CO apresenta uma grande inércia, de tal forma que as transferências de energia com as outras regiões representam menos de 5% de sua oferta. Disto decorre que, num quadro de restrição de oferta nesta região, as transferências das demais regiões para o SE/CO, embora sejam importantes, não são suficientes para evitar um eventual contingenciamento ditado por uma hidrologia criticamente desfavorável.
Atendimento sistêmico
A base predominantemente hidráulica do SIN com usinas localizadas em diversas bacias de diferentes regiões geográficas, interligadas por um extenso sistema de transmissão, fazem com que o planejamento e a operação do SIN sejam realizados considerando a otimização dos recursos energéticos globais. Esta otimização tem como princípio básico distribuir, entre todas as regiões e os agentes, o ônus e os benefícios decorrentes da operação interligada, mantendo o princípio da cooperação mesmo no ambiente competitivo.
Desta forma, as interligações inter-regionais têm sido operadas visando otimizar o uso dos recursos energéticos de cada região, observando o ótimo sistêmico. Isto significa que os intercâmbios inter-regionais serão definidos com o objetivo de procurar igualar a segurança energética entre as regiões, até os limites elétricos de capacidade destas interligações.
Para que este princípio seja praticado de forma equitativa em todo o SIN, é necessário que os recursos energéticos excedentes em uma região sejam transferidos, via sistema de transmissão, para outras regiões que estejam mais carentes.
O ideal seria que as transferências de energia entre regiões não fossem limitadas pelas restrições de transmissão existentes, assegurando, assim, a aplicação do princípio da equidade da segurança energética em toda a sua plenitude para todo o SIN. Considerando que existem restrições de transmissão, mecanismos têm que ser adotados para procurar nivelar ou compensar desigualdades entre as regiões, provocados por estas restrições.
Para ilustrar precisamente este conceito, salienta-se o caso de uma região com disponibilidade sazonal ter de exportar o máximo para atender as demais regiões que se encontram carentes. Caso estas disponibilidades não sejam suficientes para o atendimento total das necessidades, deverão ser seguidos os seguintes passos:
- Estabelecer prioridade entre as regiões carentes, em termos de criticidade;
- Priorizar as transferências de energia para as regiões mais carentes;
- Utilizar recursos locais de geração térmica e/ou importação de outras fontes, por ordem de mérito de custo, para compensar o que não pode ser recebido plenamente pelas regiões deficitárias até os limites de transmissão existentes.
Os custos com a utilização destes recursos locais de geração térmica e/ou importação por cada região serão considerados de uso sistêmico e rateados por todos os Agentes de Consumo do SIN, através do Encargo de Serviços Sistêmicos (ESS) por razões de Segurança Energética, aplicado a situações específicas para bancar custos adicionais decorrentes da busca pela garantia da segurança do atendimento energético do SIN.
Autor:
Por Saulo Cisneiros, presidente do CIGRÉ-Brasil.