Edição 115 – Agosto de 2015
Por Bruno Moreira
Tecnologia de rede inteligentes avança no Brasil por meio de inciativas das distribuidoras de energia elétrica, mas ainda falta uma regulação por parte do governo federal que norteie os investimentos na área.
O sistema de distribuição existente no Brasil apresenta, em sua maioria, uma automatização incipiente. É o que afirma o documento final sobre Redes Elétricas Inteligentes (REIs) divulgado em novembro de 2014 pela Secretaria de Desenvolvimento Tecnológico e Inovação do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI). De acordo com a publicação, que aborda os principais projetos de smart grid do país e da Europa, entre outros aspectos relacionados ao tema, a maior parte da rede elétrica de distribuição não possui funções de monitoramento e controle, nem redes de comunicação associadas, ou possui redes embrionárias. O documento nota ainda que a automação e o controle existentes nestes sistemas estão limitados a operações locais, “em que praticamente não existe monitoramento em tempo real de importantes variáveis do sistema, como a tensão fornecida às cargas ou os valores das correntes que circulam pela rede”.
Não obstante, a modernização da rede elétrica de distribuição se faz premente por diversas razões, entre as quais: o aumento da demanda e da complexidade de atendimento dos consumidores, a escassez de recursos e o impacto da geração de energia no ambiente, a oportunidade de integração de recursos de energia distribuídos e veículos elétricos, a evolução tecnológica que barateia equipamentos e agrega funções aos existentes.
Neste sentido, diversas iniciativas começam a surgir no Brasil atreladas às distribuidoras de energia elétrica e também às empresas de geração e transmissão de energia. As iniciativas consistem em projetos pilotos de Cidades Inteligentes ou em projetos que apenas instalam redes inteligentes nos municípios. Segundo o documento do MCTI, levantamento realizado pela Agência Brasileira de Desenvolvimento Industrial (ABDI) e pelo Instituto da Associação de Empresas Proprietárias de Infraestrutura e de Sistemas Privados de Telecomunicações (iAptel), atesta que há, em todo o Brasil, mais de 200 projetos relacionados ao tema. Estes projetos têm o envolvimento de 60 concessionárias e investimentos da ordem de R$ 1,6 bilhão, financiados, principalmente, pelo Programa de Pesquisa e Desenvolvimento (P&D).
Trata-se de um fato recente a implantação de redes inteligentes de energia elétrica no Brasil. Variados projetos relacionados a smart grids existem desde 2008, mas foi somente em 2011 que começaram a surgir projetos pilotos com o objetivo de explorar em sua força máxima o conceito de smart grid por aqui. Na Europa, por exemplo, eles foram iniciados quase uma década antes, em 2002, e já chegaram, em 2014, ao número de 459 experiências, divididas em 47 países do continente. O montante de dinheiro empregado para a implementação destes projetos também é bem superior ao investido no Brasil. Desde o início da década passada até 2014, segundo o Joint Research Centre (JRC), serviço da Comissão Europeia para a área da ciência, já foram aportados 3,15 bilhões de euros.
O documento do MCTI divide as iniciativas brasileiras de redes inteligentes em quatro categorias, tomando como base o nível de maturidade das concessionárias em relação aos projetos que implementam. Das 32 empresas que realizam projetos na área, a maioria, 15, é considerada iniciante, ou seja, está apenas começando a desenvolver projetos smart grid que atuam em até três áreas relacionadas a redes inteligentes; cinco são definidas como investigadoras – possuem projetos que atuam em mais de três áreas de REI, mas não possuem projetos demonstrativos; oito são demonstrativas, apresentando projetos demonstrativos em andamento que integram a maior parte das áreas de atuação em REI; e somente quatro (Cemig, Light, EDP Bandeirante e AES Eletropaulo) são avaliadas como concessionárias pioneiras, que possuem projetos demonstrativos em andamento ou em fase de conclusão e já possuem um planejamento para a continuidade das iniciativas em REI, incluindo roadmaps (espécie de mapa que visa organizar as metas) e novas áreas previstas para implantação e/ou novos P&Ds.
Contudo, mesmo com a maioria das concessionárias avaliadas como iniciantes, o MCTI observa uma tendência natural de modificação desse quadro nos próximos anos, com concessionárias iniciantes se tornando investigadoras a partir do crescimento de seus projetos; com as investigadoras passando para a fase demonstrativa ao integrarem as suas iniciativas em smart grid na forma de um programa na qual os diversos projetos interajam; e com as demonstrativas vir ando pioneiras assim que concluírem seus projetos demonstrativos e os tomarem como base para um planejamento de implantação de redes inteligente em larga escala na sua área de concessão. Além disso, de acordo com o documento do ministério, a evolução também passará pelas empresas pioneiras, que deverão continuar a implementar o conceito de smart grid até que ele se torne um movimento natural e passe a fazer parte da estratégia de negócio da empresa.
Além do Programa de P&D da Aneel, o ministério vê como ferramenta importante o Plano de Ação Conjunta Inova Energia para difundir o smart grid no Brasil. O plano tem como intuito coordenar as ações de fomento à inovação e ao aprimoramento da integração dos instrumentos de apoio disponibilizados pela Finep, pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), e pela Aneel. O MCTI acredita que, por meio desse programa, as concessionárias irão evoluir rapidamente seu nível de maturidade em relação ao smart grid. Conforme o documento, no primeiro resultado apresentado pelo programa, pelo menos dez concessionárias de distribuição foram selecionadas como participantes.
Apesar do crescimento observado e esperado pelo Ministério de Ciências, Tecnologia e Inovação (MCTI) no documento divulgado no fim de 2014 em relação aos projetos de smart grid no país, profissionais da área de energia elétrica observam alguns obstáculos estruturais que impedem um maior desenvolvimento dessa tecnologia em terras nacionais. Além do alto custo da tecnologia empregada, a falta de uma regulamen
tação, ou seja, uma definição do Governo que incentive os investimentos na área é apontada pelos profissionais.
Nos Estados Unidos, por exemplo, em 2009, o presidente Barack Obama anunciou investimentos da ordem de US$ 3,4 bilhões para modernizar o sistema elétrico do país. Este plano de modernização incluiria a cessão de créditos de US$ 400 mil a US$ 200 milhões a empresas, fábricas e cidades norte-americanas para que elas ajudassem a implementar uma rede inteligente de energia em âmbito nacional. Na Europa, há uma regulamentação da União Europeia (UE) em relação à medição inteligente de energia elétrica, que não se deve confundir com a rede inteligente, mas que é um elemento fundamental para sua implementação prática. Conforme pacote legislativo, os Estados-membros da UE devem implementar até 2020 80% dos projetos de medição inteligente, cujos resultados forem considerados positivos após uma análise de custo-benefício.
No Brasil, o mais próximo que se chegou disto foi na publicação da Resolução 502/2012, que regulamentou o uso dos medidores inteligentes para os consumidores do grupo B (residencial, rural e demais classes, exceto baixa renda e iluminação pública), estabelecendo a possibilidade de o consumidor escolher entre dois tipos de medidores: um relativo à modalidade tarifária branca – tarifa que varia de acordo com faixas horárias de consumo -, e outro que fornece informações específicas individualizadas sobre os serviços prestados. A resolução deu um prazo de 18 meses, a partir de sua publicação, para que as distribuidoras estivessem aptas a fornecer os novos medidores, mas não tornou compulsória a implantação dos medidores.
As concessionárias tomam a dianteira
Alexandre Bagarolli, gerente de sistemas de energia do CPqD, entidade que atua junto com as distribuidoras na implantação de alguns projetos de smart grid, recorda que na época em que iniciaram os primeiros projetos na área de redes inteligentes, os profissionais do setor já diziam que seria necessária uma regulação forte e incentivo governamental para que a tecnologia se espalhasse no país. “‘A regulação atingindo um determinado patamar promoveria a ação de investidores’, comentavam. Mas, de fato, atualmente, ficou para a concessionária investir onde faz mais sentido para ela”, explica o gerente. Ou seja, a concessionária investirá onde o custo é competitivo, pensando em resolver problemas onerosos a ela e utilizando as tecnologias mais viáveis financeiramente.
Por exemplo, a Light, no Rio de Janeiro, de acordo com Bagarolli, buscou a implantação de medidores inteligentes, com monitoramento, desligamento e religamento remotos, visando combater as ligações clandestinas em diversas localidades de sua área de concessão, que causam ainda elevadas perdas não técnicas e oneram o faturamento da empresa. A Companhia Energética de Minas Gerais (Cemig), por sua vez, resolveu investir em um projeto piloto de smart grid por sua área de concessão ser muito grande. Trata-se, na verdade, da maior distribuidora de energia elétrica do Brasil em extensão de rede. São 453.935 quilômetros de redes, espalhados por 774 municípios. A Cemig viu no smart grid uma saída visando melhorar o gerenciamento de sua rede.
Outro caso é o da Companhia Energética de Pernambuco (Celpe), que está implementando um projeto de rede de energia elétrica inteligente na ilha de Fernando de Noronha, com o apoio do CPqD. Os grandes desafios desta empreitada para a concessionária residem na questão ambiental, trata-se de uma área de preservação, e na questão financeira relacionada ao isolamento da área. “São gastos milhões de litros de diesel para gerar energia elétrica a Fernando de Noronha. A ideia é investir em energia solar para diminuir a quantidade de diesel que trafega pelo oceano”, explica Bagarolli. Entre as soluções implantadas neste projeto estão: medição eletrônica; automação de rede de distribuição; geração de energia solar distribuída; veículos elétricos; micromedição de energia dentro das residências; e tecnologia de comunicação para atender todas as soluções.
Já a iniciativa da Companhia Paranaense de Energia (Copel) foi direcionada para solucionar os problemas referentes à queda de energia elétrica. O gerente da área de manutenção e automação da concessionária, André Pedretti, explica que a iniciativa surgiu atrelada a um decreto do Governo do Estado do Paraná, publicado em setembro de 2013, que dispõe sobre a criação do Projeto Smart Energy Paraná. Conforme o gerente, quando o tema de redes inteligentes começou a ser debatido com mais intensidade, a concessionária enxergou a necessidade de fazer estudos internos para reagir a uma demanda futura. “O projeto surgiu como desdobramento de uma visão de que a mudança de mercado está prestes a acontecer”, diz.
Como dito, a distribuidora focou seu projeto no “self-healing”, na tentativa de diminuir o tempo de restabelecimento de energia elétrica. Objetivo que foi alcançado. Segundo Pedretti, o tempo médio de restabelecimento definitivo dos consumidores na chamada rede sadia – que não foi atingida diretamente – caiu de uma hora, em média, para cerca de 40 segundos, em média. Anteriormente, para fazer o restabelecimento, a distribuidora deveria esperar as ligações dos consumidores antigos no 0800 da empresa, para rastrear a região onde a queda havia ocorrido, e só então levar a equipe à campo, para que o problema fosse rastreado e a rede não afetada fosse religada. Agora, desenvolveu-se um sistema autônomo de detecção, avaliação, isolamento e restabelecimento da chamada rede sadia. O sistema fornece também uma assertividade maior ao reparo posterior da rede pela equipe da concessionária.
O projeto de self-healing foi implementado em alguns bairros da região central de Curitiba e devido aos bons resultados apresentados até o momento será estendido para outras localidades da capital paranaense e também aos municípios de Londrina, Ponta Grossa, Maringá e Guaíra até o final de 2015. A distribuidora está implementando também em Curitiba outra aplicação tecnológica relativa ao smart grid.
As concessionárias ainda precisam driblar algumas “dificuldades” como, por exemplo, a obrigação regulatória de investimentos prudentes. Em outras palavras, a distribuidora não tem a liberdade de investir conforme deseja. Os aportes precisam ser considerados necessários pela Aneel para melhorar a qualidade do serviço prestados para serem repassados à tarifa paga pelo consumidor à distribuidora. Neste sentido, deve haver uma avaliação cr
iteriosa por parte da concessionária do custobenefício do investimento com o intuito de evitar prejuízos. O gerente de sistemas de energia do CPqD salienta que parte dos investimentos em telecomunicação feitos pelas distribuidoras, por exemplo, não é reconhecido nas tarifas. Investimentos que tornam eficientes os processos das distribuidoras tendem a ser realizados por elas mesmo sem a contrapartida na tarifa, justamente por gerarem retorno financeiro.
Outras dificuldades de ordem técnica e tecnológica também tornam mais difícil o trabalho das distribuidoras no sentido de que a implementação em escala de redes inteligentes aconteça no Brasil. De acordo com a diretora de Desenvolvimento Tecnológico e Inovação da ABDI, Maria Luisa Campos Machado Leal, está se avançando, por exemplo, em questões desafiadoras da fase inicial da implantação da medição inteligente. “Especialmente nas questões relativas à segurança cibernética para a homologação de medidores, fato crucial para evitar retrabalhos e custos de produção industrial”, afirma a diretora.
Na parte de medição, há questões relativas à integração dos serviços prestadas pelas concessionárias. “Os desafios estão na avaliação e no teste em escalas iniciais da medição de energia, água, gás e saneamento que devem observar a redução de custos pela utilização da infraestrutura integrada de telecomunicações”, explica a diretora. Há ainda, segundo Maria Luisa, um desafio de regulação e legislação referente à integração destes serviços, já que, dependendo do serviço, elas são feitas por diferentes esferas de poder. No caso da água, do gás e do saneamento a legislação pode ser tanto estadual, como municipal. No caso da energia, ocorre pela esfera federal, mas dependente de concessão a empresas privadas. “Alinhar os interesses para o bem comum não será uma tarefa muito fácil, mas podem ser identificadas diretrizes que conduzam à harmonia entre os setores”, diz a profissional da ABDI.
Iniciativas da ABDI
Apesar das iniciativas brasileiras no intuito de regular a área não serem tão desenvolvidas quanto as de outros países, a diretora da ABDI acredita que já houve um avanço. Segundo ela, precisam ser definidas, no entanto, questões relativas à normatização, aos padrões de interoperabilidade, às arquiteturas nacionais, que permitam a produção em escala industrial e a integração de novos serviços e modelos de negócio que promovam o desenvolvimento do país.
Maria Luisa cita os próprios esforços da Agência no sentido de que haja a implementação de uma política que norteie o desenvolvimento das redes inteligentes no país. Para ela, a Agência já evoluiu muito no mapeamento das redes elétricas inteligentes e identificou uma série de ações que as esferas governamentais podem tratar de forma integrada para o desenvolvimento de smart grids. A própria ABDI coordena um grupo de trabalho governamental para a definição de uma política industrial para o desenvolvimento da indústria fornecedora de redes elétricas inteligentes, constituído por 11 instituições governamentais.
O escopo de ação da Agência também é ampliado a fim de desenvolver um planejamento para a implementação de tecnologias que viriam na esteira das redes inteligentes, como as cidades inteligentes (smart cities) e a Internet das Coisas – Internet of Things (IOT), em inglês. Neste sentido, conforme a diretora, a ABDI coordena um grupo de trabalho governamental que procura definir as diretrizes para a definição de um plano nacional interministerial visando ao desenvolvimento de cidades inteligentes e humanas, com a participação de 17 instituições governamentais. “Ou seja, toda a ação realizada para smart grids pode ser replicada para as smart cities e desta para o IOT. A indústria que desenvolve tecnologia para smart grids será a mesma que desenvolve a tecnologia para smart cities e para o IoT”, esclarece.
Capacidade produtiva das indústrias da área
Sobre a questão de as indústrias existentes no Brasil estarem aptas ou não para atender uma possível demanda mais forte de produtos para smart grid e Internet das Coisas, a diretora afirma que mapeamento realizado pela ABDI identificou a capacidade de participação no mercado de produtos e serviços para redes elétricas inteligentes de aproximadamente 300 empresas, de capital nacional e multinacional, e 127 centros de Pesquisa e Desenvolvimento
(P&D). Ao mesmo tempo, constatou a forte ação de empresas estrangeiras, assim como de multinacionais instaladas no Brasil visando à comercialização de produtos importados no mercado nacional.
“Identificamos também que em algumas áreas tecnológicas as empresas nacionais estão preparadas para fornecimento imediato, como a de medição inteligente. Em outras, ainda temos deficiências para a produção nacional, sendo necessária a atração de investimentos ou um esforço de desenvolvimento destes produtos no Brasil”, conta a diretora da ABDI
ABDI busca, contudo, que parte deste mercado seja suportado pelas empresas nacionais. “Para isso, é preciso que elas sejam competitivas, com produtos qualificados”, afirma Maria Luisa. Segundo ela, instrumentos como a Lei do Bem, a Lei da Informática e a Portaria MCT nº 950 são importantes para incentivar a indústria fornecedora a produzir no Brasil, sendo os financiamentos como o Inova Energia, com recursos do BNDES, Finep e Aneel, diferenciais para fomentar o setor.
Devem ser propostas, ao final do mapeamento realizado pela ABDI, outras ações, de acordo com a diretora da Agência. Entre elas: a proposição de uma política industrial para o desenvolvimento das indústrias fornecedoras para as redes elétricas inteligentes no Brasil.
“Temos de aguardar a finalização deste mapeamento, previsto para novembro de 2015”, pondera.
Concluindo, Maria Luisa destaca que ainda são necessários muitos incentivos que incluam apoio a projetos, financiamento, melhorias na regulação e legislação e definição de novos modelos de negócio. “Ou seja, incentivos que permitam a participação da indústria nacional neste mercado, possibilitando inclusive a exportação de produtos desenvolvidos no Brasil para estes setores”, afirma.
Iniciativa da Companhia Paranaense de Energia (Copel) foi direcionada para solucionar problemas referentes à queda de energia elétrica.
Com o projeto de “sefl healing”, o tempo médio de restabelecimento definitivo dos consumidores na chamada “rede sadia” caiu de uma hora para cerca de 40 segundos, em média.
Profissionais da área de energia elétrica observam alguns obstáculos estruturais que impedem um maior desenvolvimento do smart grid no Brasil. Além do alto custo da tecnologia, a falta de uma regulamentação, ou seja, uma definição do Governo que incentive os investimentos na área é apontada pelos profissionais.
A ABDI identificou a capacidade participação no mercado de produtos e serviços para redes elétricas inteligentes de aproximadamente 300 empresas, de capital nacional e multinacional, e 127 centros de P&D. Ao mesmo tempo, constatou a forte ação de empresas estrangeiras, assim como de multinacionais instaladas no Brasil visando à comercialização de produtos importados no mercado nacional.