Fortemente impactadas pelos eventos climáticos extremos, distribuidoras vão investir R$ 130 bilhões até 2027

Por: Matheus de Paula

Deste total, 52 bilhões serão destinados à modernização e aumento da resiliência das redes de distribuição de todo o país

O Estudo da Confederação Nacional dos Municípios (CNM) revelou que, entre 2013 e 2023, 94% das cidades brasileiras registraram eventos climáticos extremos, resultando em prejuízos bilionários da ordem de R$ 639,4 bilhões. No período, foram registradas cerca de 64,7 mil decretações de emergência ou calamidade pública, evidenciando os impactos causados pelas questões climáticas à infraestrutura das cidades brasileiras. 

Dentre os segmentos mais atingidos por essas ocorrências está o setor elétrico, em especial, o de distribuição de energia. Enchentes, ventanias, deslizamentos de terra, queda de árvores, pontes e de construções, afetaram diretamente os ativos dessas empresas, provocando danos e suspensão do fornecimento, em alguns casos, por vários dias, como ocorreu nos estados do Rio Grande do Sul e São Paulo, em 2024.  

Com isso, o setor de distribuição de energia brasileiro, prevê investir aproximadamente 52 bilhões de reais, entre 2024 a 2027, para modernização das redes elétricas, com o objetivo de torná-las mais eficientes e resilientes frente aos desafios impostos pelos eventos climáticos, cada vez mais extremos. Esse montante equivale a cerca de 40% dos 130 bilhões de investimentos que o segmento pretende investir na distribuição de energia até 2027.

De acordo com o presidente da Abradee (Associação Brasileira de Distribuidores de Energia Elétrica), Marcos Madureira, os investimentos previstos representam uma resposta do segmento de distribuição à necessidade de adaptação às mudanças climáticas.

“Temos vivido ultimamente no Brasil um crescimento de eventos climáticos extremos. Em 2024, aconteceu uma tragédia no Rio Grande do Sul que foi totalmente diferente daquelas situações naturais, essa região do país tem passado com maior intensidade esses eventos. Da mesma maneira, o estado de São Paulo vivenciou nos últimos dois anos situações desafiadoras, isso exige uma abordagem mais ampla, desde aprimorar a previsibilidade desses eventos até equipar melhor o país para enfrentá-los”, afirma Madureira.

Além dos investimentos, Madureira defende que haja uma força tarefa envolvendo todos os setores da sociedade para adotar medidas que contribuam mutuamente para o enfrentamento dessa nova realidade climática global.  “Nossa infraestrutura urbana não acompanhou essas mudanças. Precisamos revisar protocolos e garantir maior integração entre os agentes envolvidos, como distribuidoras, empresas de gás, telecomunicações, saneamento e trânsito. É fundamental uma ação coordenada para mitigar os impactos desses eventos”, reforça Madureira.

Responsável pela distribuição de energia em 72 municípios do Rio Grande do Sul, incluindo a capital, Porto Alegre/RS, a CEEE Equatorial vivenciou, em 2024, uma das maiores catástrofes climáticas do país, que deixou mais de 440 mil pessoas sem energia elétrica. O enfrentamento à situação deixou um legado para a empresa, que hoje é uma referência nacional no tema. 

Com o objetivo de modernizar a infraestrutura da sua rede elétrica no RS, a CEEE Equatorial investiu, somente em 2024, R$ 134 milhões em obras e manutenções. Entre as melhorias, a concessionária substituiu 123,5 km de rede de baixa tensão por condutores isolados, incorporou 209 novos religadores automáticos e modernizou 66,4 km de rede de média tensão compacta protegida.

Para 2025, o presidente da companhia, Riberto Barbanera, projeta novos investimentos, especialmente na concessão do Rio Grande do Sul. “Com um plano de robustecimento e ampliação da rede que ultrapassa R$ 760 milhões, reafirmamos nosso compromisso em oferecer um serviço de maior qualidade, com um sistema elétrico mais eficiente, sustentável e resiliente, contribuindo para o desenvolvimento das regiões atendidas”, destaca Barbanera.

Aumento da temperatura gera crise climática global

O relatório da Organização Meteorológica Mundial, agência especializada da ONU, mostra que o Brasil registrou 12 eventos climáticos extremos em 2023. Desses, nove foram considerados “incomuns” e dois como “sem precedentes”. Ondas de calor, de frio, chuvas torrenciais, enchentes e o ciclone no Vale do Taquari, região do Rio Grande do Sul. 

Segundo especialistas, o agravamento das mudanças climáticas está diretamente ligado ao aquecimento global, impulsionado pela queima de combustíveis fósseis e a consequente emissão de gases de efeito estufa, como o dióxido de carbono (CO₂). Conforme listado pela ONU, em 2024, a temperatura média global da superfície foi 1,55°C acima do esperado. Além disso, a última década registrou uma sequência inédita de anos mais quentes já monitorados.

Marcely Sondermann, meteorologista da Climatempo e especialista em mudanças climáticas alerta para os impactos das mudanças climáticas na vida da população mundial. “Um planeta mais quente significa mais energia na atmosfera, o que intensifica eventos climáticos extremos. E estou me referindo a secas mais severas, intensas e prolongadas, além de chuvas fortes com acúmulos de um determinado período de seca. Ondas de calor também se tornaram mais frequentes e intensas. E tudo isso tem ocorrido simultaneamente em diferentes regiões do Brasil”, destaca.

Iniciativas do mercado de distribuição de energia elétrica

Fortemente impactada pelos desastres ambientais extremos, a Enel São Paulo deu início ao “Projeto Resiliência de Rede”. A iniciativa foca na modernização e automação dos sistemas elétricos, com a instalação de religadores e telecontrole. Esses dispositivos permitem o gerenciamento remoto da rede a partir dos centros de operação, minimizando falhas e reduzindo o número de clientes impactados por interrupções. O programa tem investimento de R$ 36 milhões e está em fase de execução nos bairros Alto de Pinheiros (São Paulo), Parque dos Príncipes (Osasco) e Alvarenga (São Bernardo do Campo).

“As três regiões já contam com tecnologia de rede, mas a quantidade de dispositivos está sendo ampliada. Nesta primeira fase, o número de equipamentos de telecontrole disponíveis aumentará em 63%, passando dos atuais 81 para 132, por exemplo. A quantidade de clientes atendidos por equipamento também será alterada de 770 para 470. Ou seja, com mais religadores, cada dispositivo será responsável por um bloco menor de consumidores, o que vai garantir mais eficiência ao equipamento”, afirma a empresa em nota enviada à redação da Revista OSE. 

O plano de resiliência também inclui novas interligações entre os circuitos e componentes de rede aérea protegida e isolada, com revestimento de condutores com camadas adicionais de proteção — serão substituídos 60,2 quilômetros de cabos desses modelos. Com isso, a empresa espera deixar essas redes mais resistentes ao impacto da vegetação e a outras interferências externas.

“Em função de todas as medidas já implementadas, após os recentes eventos climáticos extremos, a Enel São Paulo tem conseguido restabelecer a energia para a maioria dos clientes afetados de forma mais rápida. Se compararmos os últimos eventos climáticos extremos (novembro/23 x outubro/24), podemos observar algumas melhoras”, diz a companhia. 

A preocupação da empresa pode ser observada em números; em outubro de 2024, São Paulo registrou um volume de 176 mm de chuvas, 38% acima da média climatológica de 1991 a 2020, que é de 127,2 mm. Durante o mês, houve nove dias com precipitação igual ou superior a 1 mm, um a menos que os dez dias registrados na média histórica. Já em novembro de 2023, a cidade registrou 182,8 milímetros (mm) de chuva na estação meteorológica convencional do Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet), localizada no Mirante de Santana. Esse volume foi 38,9 mm (27%) acima da Normal Climatológica de 1991/2020 (média histórica), que é de 143,9 mm.

Responsável por 28 municípios do estado de São Paulo (Guarulhos, Alto Tietê, Vale do Paraíba e Litoral Norte) e 70 no Espírito Santo, a EDP também anunciou um pacote de investimentos de 10 bilhões em suas áreas de concessão em São Paulo e no Espírito Santo O montante deverá ser empenhado até 2030 no projeto “Plano de Verão” e também inclui a instalação de redes mais robustas e resilientes, modernização de equipamentos, e implantação de novas tecnologias e sistemas automatizados.

“O setor elétrico vem sendo fortemente impactado pelas alterações climáticas e os investimentos em modernização e resiliência das redes de distribuição de energia são fundamentais para garantir o atendimento da população com toda a qualidade e segurança. A EDP tem se comprometido e executado recordes de aportes fundamentados em planejamento estratégico, tornando suas redes mais robustas, inteligentes e automatizadas, o que contribui para uma gestão operacional mais efetiva, principalmente em situações críticas e com grande volume de ocorrências”, afirma Dyogenes Rosi, vice-presidente de distribuição da EDP.

Em 2024, a empresa ampliou sua infraestrutura no Vale do Paraíba, com a construção da Subestação Germana, em Caçapava, um investimento de R$ 34 milhões. Em Guarulhos, a Subestação Água Chata recebeu R$ 32 milhões para reforçar a infraestrutura elétrica do município, que agora conta com 16 subestações. Já na região do Alto Tietê, o Centro de Serviços de Distribuição de Suzano, inaugurado no início de 2023, fortaleceu as bases operacionais existentes em Mogi das Cruzes e Poá.

No Espírito Santo, a EDP também investiu na ampliação da rede elétrica, com a inauguração de quatro novas subestações: Caçaroca; Glória; Ibitirama; e o Posto de Transformação Menino Jesus. Localizadas nas regiões da Grande Vitória e do Caparaó, essas estruturas somam um investimento de R$ 206,5 milhões e beneficiam mais de 500 mil habitantes em municípios como Cariacica, Viana, Vila Velha, Ibitirama, Muniz Freire, Alegre e Divino São Lourenço.

Subestação da Glória, em Vila Velha, inaugurada em 2024 | Foto: EDP
Subestação de Germana, em Caçapava, interior de São Paulo | Foto: EDP

Reforço de equipes 

Um dos maiores gargalos das empresas de distribuição é a agilidade no restabelecimento do fornecimento de energia elétrica. Após as ocorrências registradas em São Paulo, a Enel anunciou a contratação de 1,2 mil eletricistas para atuar em diversas regiões da cidade. Além disso, para evitar os riscos de interrupções causadas pelo contato de galhos e árvores com a rede, a empresa intensificou os serviços de poda de árvores, fechando o ano de 2024 com mais de 638 mil podas realizadas. Desse total, mais de 217 mil foram realizadas apenas na capital. 

Eletricistas da Enel atuando na recuperação de dois postes derrubadas por conta das tempestades fortes de outubro de 2024 |  Foto: Enel

Além do aumento das equipes nas ruas, a Enel mantém um canal virtual, via WhatsApp, exclusivo para períodos de contingência, com grupos individuais com cada Município, onde são enviados alertas e alinhamento rápido e preciso das prioridades. 

Já a EDP, também preocupada com as interrupções causadas por eventos climáticos, mantém um plano contínuo de poda preventiva da vegetação que possa impactar a rede elétrica. “A sinergia com as prefeituras é fundamental para o mapeamento de pontos com necessidade de atuação emergencial, visando garantir a segurança da população e qualidade do fornecimento de energia na região”, declara o vice-presidente da EDP. 

Seguindo a mesma perspectiva, a CEEE Equatorial promove ações preventivas para minimizar os impactos de eventos climáticos. Entre as iniciativas, estão a divulgação de alertas meteorológicos, orientações de segurança e a comunicação antecipada do plano operacional, garantindo transparência sobre as medidas adotadas.

Durante contingências, como a registrada no Rio Grande do Sul em 2024, “o foco da distribuidora está na comunicação em tempo real sobre sua atuação”, afirma o presidente da CEEE Equatorial. Além disso, há o fortalecimento dos canais de atendimento para garantir respostas ágeis e eficientes diante do aumento da demanda. 

“Também é essencial demonstrar como a distribuidora se preparou para enfrentar a situação, destacando seu plano de atendimento, que prioriza ocorrências de risco e a recomposição de cargas essenciais. Após o evento climático, comunicamos os clientes a respeito da normalização do fornecimento de energia e ampliamos a divulgação sobre os nossos canais oficiais de atendimento, para tratamento de casos pontuais”, conclui o presidente da empresa, Riberto Barbanera.

* A reportagem OSE convidou também a Neoenergia para participar da pauta, mas não recebemos resposta até o fechamento da matéria.

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