Geração de energia fotovoltaica

Edição 98 – Março de 2014
Artigo: Energia solar
Por Marcelo Rodrigues Soares*

Com normas brasileiras publicadas, setor ainda enfrenta dificuldades para que o Brasil encontre o seu lugar ao sol

Quando me propuseram a escrever um artigo sobre as últimas atualizações normativas pensei inicialmente que comentar sobre a situação das condições normativas brasileiras seria uma tarefa simples: conhecer as normas, comentar seu estágio de evolução e mostrar uma visão futura do dia a dia de quem “vive” de tecnologia. Grande erro. Os dias se seguiram e notei de que nada adianta ser objetivo e técnico sobre o assunto e simplesmente “esquecer” do país que vivemos e das condições precárias das instalações elétricas que presenciamos durante nossa jornada de trabalho.

A tarefa na realidade era árdua, pois era preciso descrever o que está acontecendo ao nosso redor, verificar como estas instalações estão sendo realizadas aqui no Brasil, ou seja, entrevistar pessoas que estão diariamente estudando e vivendo de sistemas Fotovoltaicos (FV). Aí sim eu estaria preparado para escrever sobre o surgimento das normas brasileiras sobre o assunto.

Como tudo na vida, há uma história sobre sistemas fotovoltaicos no Brasil. Se fôssemos contar todo o livro, ninguém compraria. Mas não podemos nos esquecer de precursores de um mundo que não via nenhuma vantagem – financeira ou técnica – na geração de energia elétrica fotovoltaica – estudos de universidades de São Paulo, Campinas, Rio Grande do Sul precisam ser pelo menos mencionadas –, ao mesmo tempo em que não é de agora que brasileiros pensavam seriamente em ter suas próprias fábricas de células fotovoltaicas no país. Sempre existiram dificuldades imensas rodeadas sempre por falta de incentivo governamental ao desenvolvimento da indústria e do conhecimento. No mundo da tecnologia de ponta, sempre ficamos como um dos últimos vagões das locomotivas americanas, alemãs e japonesas. Como brinco com meus alunos, “por aqui não fabricamos nem pen-drive”.

Muito tempo se passou com pequenos projetos de geração de energia fotovoltaica, voltados mais precisamente a sistemas isolados, aonde a dificuldade de efetuar linhas de distribuição, adicionado à necessidade de aplicação de projetos de P&D nas distribuidoras fez com que este tipo de instalação criasse uma base técnica no país, ajudando a conhecer a tecnologia e pelo menos acompanhar o desenrolar que esta ciência sofria no exterior.

O crescimento desta forma de geração de energia elétrica foi se alastrando pelo mundo. Inicialmente, as fazendas fotovoltaicas com vários MW instalados foram uma opção, mas “usar o telhado” é algo mais racional. Já está lá com IPTU pago e tudo mais. Foi aí que surgiu a chamada “microgeração distribuída”.

Essa tecnologia “move” todo um setor produtivo e de serviços: são necessárias placas fotovoltaicas, eletrônica desenvolvida para operar em ambientes agressivos (temperatura, humidade, sol, frio intenso) e até os instaladores seriam os responsáveis pela divulgação da nova maneira de se gerar eletricidade.

Vários países entenderam claramente o recado e, mesmo com seus melhores níveis de radiação solar estar abaixo dos piores níveis de radiação de nosso Brasil, apostaram firme na tecnologia, que resultou no quadro informativo a seguir (Figura 1):


         Figura 1 – Capacidade global instalada de geração FV. Fonte: relatório REN/21-2013

Claro que isso gerou a necessidade de normas. Ensaios padronizados, preocupação com o processo de sincronização da energia gerada com a rede elétrica das distribuidoras têm que ser normalizados, testados e certificados. No Brasil, quem contribuiu para os primeiros passos para uma indústria nacional de equipamentos FV foi a Associação Brasileira da Indústria Elétrica e Eletrônica (Abinee). Criou-se um grupo de trabalho GT-FV que efetuou vários estudos, incluindo tributos, finanças, certificações e normas. Foi uma das primeiras ações concretas que conseguiu reunir pessoas com diferentes níveis de conhecimento e especialidades, mas com um intuito em comum: disseminar conhecimento. Muitos artigos interessantes na internet possuem a assinatura deste grupo de trabalho e parte de grupo atua no Comitê Brasileiro de Eletricidade, Eletrônica, Telecomunicações e Iluminação (Cobei CB: 03-082), ao qual falaremos mais adiante.

Em agosto de 2011, a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) tornou pública uma chamada, conhecida como Projeto de P&D Estratégico nº 13, em que a agência solicitou projetos de Pesquisa e Desenvolvimento a todas as distribuidoras do Brasil envolvendo geração fotovoltaica. Esta chamada foi um marco brasileiro que impulsionou vários projetos e estudos em todo o território nacional. A CPFL Energia, por exemplo, está hoje com um parque de geração fotovoltaica de 1MWp na região de Campinas (SP) em plena operação. Uma parte do projeto é voltada às diferentes tecnologias de geração FV: filmes finos, painéis policristalinos e tecnologias emergentes (CIGS – Cobre-Índio-Gálio-Selênio) estão sendo analisadas.

Em conversa com o gestor do projeto FV-CPFL, Antonio Roberto Donadon, ele comentou que os resultados são animadores e estão na fase de levantamento de dados. Vale ressaltar que como este é um projeto de P&D da Aneel, o relatório com as análises efetuadas serão de domínio público e futuramente todos terão acesso aos resultados.

Quanto ao paralelismo do sistema FV e aos impactos técnicos causados pelas normas existentes na época da energização, o gestor contou que é tranquilo no que se refere ao paralelismo desde que o projeto seja bom e se utilizem bons equipamentos. “As normas brasileiras para energia fotovoltaica são recentes, mas atendem ao atual estágio de desenvolvimento. A regulação via resoluções da Aneel como a 482 e a 540 idem”, complementou Donadon.

A propósito, é importante mencionar que, em abril de 2012, a Aneel atuou fortemente no mercado, emitindo a resolução normativa número 482. Esta resolução foi o passo que todos esperavam para que se permitisse que qualquer resid&ecir

c;ncia pudesse ter seu próprio sistema de geração FV.

Resumidamente, a resolução definiu os conceitos de micro e minigeração distribuída e deu as diretrizes para acesso ao sistema elétrico e sobre o sistema de medição de energia que seria adotado para estes casos. Gerações superiores a 1 MW não estão consideradas nesta resolução.

Tabela 1 – Micro e minigeração distribuída. Fonte: Resolução Normativa 482/12 / Aneel.

A resolução também obrigou as distribuidoras de energia elétrica de todo o país a emitirem a sua norma técnica de conexão, definindo prazos para a emissão destas normas. Com isso, podemos dizer na prática que, a partir de janeiro de 2013, qualquer residência pode ter o seu sistema de geração FV em sua residência, em seu ponto comercial ou industrial.

Cada distribuidora efetuou suas considerações técnicas e hoje, quem tiver interesse em ter seu próprio sistema fotovoltaico deverá atender a todos os requisitos desta norma, que pode ser acessada, facilmente, pela internet, na seção de normas técnicas do site de todas as distribuidoras.

Uma pena é que nossos leitores encontrarão algumas inconsistências entre as diferentes normas emitidas por essas distribuidoras. As orientações relativas a dispositivos protetores de surto e a posicionamento do dispositivo de seccionamento visível são exemplos claros de que a ABNT NBR 5410 (instalações de baixa tensão) ainda não é tão bem interpretada como se deveria. As distribuidoras ainda se preocupam muito com seu sistema elétrico e deixam um pouco de lado algumas orientações importantes que poderiam ser dirigidas ao consumidor final visando a segurança das instalações elétricas como um todo.

O tratamento dado à maneira com que essa energia é disponibilizada à distribuidora também está regulamentado nesta resolução: o sistema de compensação de energia (conhecido no exterior como “net metering”) efetuado por medidor bidirecional.

Tabela 2 – Sistema de compensação de energia. Fonte: Resolução Normativa Aneel 482/12.

Em poucas palavras, é um encontro de contas entre a energia consumida e a energia gerada pelo sistema FV (por posto tarifário). Um ponto importante é que a conta de energia nunca será “zerada”, uma vez que o custo de disponibilidade do sistema é um direito da distribuidora (tarifa mínima).

O que importa é que a resolução 482 é um avanço significativo. Com ela se consegue estar “de igual para igual” com os outros países que têm visto a geração fotovoltaica com simpatia e, ao mesmo tempo, seriedade. A resolução já sofreu alterações pela emissão da resolução 517 (em dezembro de 2012), que modificou a redação em alguns pontos que mereciam melhorias na interpretação e no módulo três dos Procedimentos de Distribuição de Energia Elétrica (Prodist – módulo de acesso ao sistema de distribuição). Isso mostra que a agência reguladora está acompanhando as indagações das distribuidoras e da sociedade.

Ao lado das resoluções normativas e das normas técnicas das distribuidoras, a ABNT, que já possuía algumas normas relacionadas ao tema, se atualizou e conseguiu emitir novas NBRs (Tabela 3).

Tabela 3 – Últimas normas voltadas para sistemas fotovoltaicos publicadas pela ABNT.

Das normas emitidas, destacamos a mais recente (março/2014), que trata dos ensaios de comissionamento e avaliação de desempenho. Esta é uma norma de suma importância e que irá delinear uma série de novos procedimentos. Certamente, as próprias distribuidoras terão agora embasamento técnico para que os serviços de entrega destes projetos estejam adequados e normalizados em todo o território nacional.

Outra norma importante é a ABNT NBR IEC 62116:2012 – Ensaios de anti-ilhamento para inversores de frequência. Os inversores de frequência são os responsáveis pela transformação da corrente contínua fornecida pelas placas fotovoltaicas em corrente alternada, senoidal, 60 Hz. Mesclando eletrônica de potência com microprocessadores, estes equipamentos possuem também a função de sincronismo de rede. São eles que conectam o sistema em “paralelo” com o sistema de distribuição da concessionária. Mais que isso, para pequenos sistemas de microgeração, as distribuidoras permitem que o próprio inversor seja o responsável pelo “anti-ilhamento” da microgeração. Na falta de energia da concessionária, o inversor é também o responsável em “sair da rede interligada” com rapidez e confiabilidade. Por isso é fácil dizer que a referente norma de ensaio é fundamental.

Fechando o circuito das normas que regem os sistemas fotovoltaicos, temos o Inmetro, que é o responsável pelo sistema de etiquetagem e certificação dos produtos. Por meio de seus agentes certificadores, hoje nenhuma placa fotovoltaica pode ser vendida no país sem o selo do Inmetro. Com as novas diretrizes da ABNT, os inversores de frequência também entrarão no rol da certificação compulsória.

Não obstante as normas, o que os primeiros executores e instaladores de micro/minigeração estão encontrando no mercado? Em entrevista com Mauro Magalhães, diretor técnico da Antares, recebi a informação de que os governos estaduais querem cobrar o ICMS da provável energia “emprestada” por nós (mesmo que temporariamente) às distribuidoras: “O principal ponto e que consideramos necessária sua solução urgente diz respeito à cobrança do ICMS sobre a energia emprestada à concessionária. Afinal de contas, não há transação comercial, mas apenas uma compensação e o imposto deveria ser pago apenas na parcela da energia fornecida e faturada pela distribuidora que corresponde, no mínimo, ao custo de disponibilidade”, disse.

Como vemos, há um ponto importante que precisa ser revisto para que tenhamos sucesso na empreitada da microgeração. Arrecadar impostos estaduais e municipais com a compra e a instalação de equipamentos já não é o bastante? Se me parece que todos estão dando a sua contribuição ao sucesso da implantação deste tipo de geração limpa d

e energia, isso cabe a todos, sem distinção. Complementando, Magalhães descreve que “há uma clara tendência ao aumento dos custos da energia, que colocará a fonte FV em posição de competitividade”.

Conclusão

Muitas pessoas trabalharam para que as normas que foram descritas neste artigo se tornassem realidade. Hoje podemos dizer que os próximos passos são a consolidação destas normas e provavelmente outras normas necessitarão de revisão com a entrada desta nova tecnologia no mercado. A geração fotovoltaica está aí. Novas tecnologias estão surgindo, como os micro inversores, que facilitarão ainda mais os serviços de conexão e ampliação dos sistemas FV. Isso sem contar os serviços de monitoramento destes sistemas. Acessar seu sistema FV pelo seu celular já pode ser considerado o “air bag” dos veículos automotores. Magalhães comentou que o “sol já é uma fonte distribuída”. Gerar energia no mesmo ponto em que se consome é o mesmo conceito de cliente-servidor do pessoal da tecnologia da informação. A saída está aí, a informação também. Cabe a nós transformar tudo isso em conhecimento e tornar a tecnologia viável economicamente. Que, em futuro próximo, a revista O Setor Elétrico possa publicar nossas experiências na instalação de um sistema FV em nossas casas! Até lá!


*Marcelo Rodrigues Soares é engenheiro eletricista e de segurança do trabalho pela USP. Diretor da empresa Passopadrao Treinamentos, professor de eficiência energética da UNISAL em Campinas e atua há mais de 20 anos na área de engenharia elétrica de projetos especiais em empresas como CPFL Energia, Sanofi e Dow Química. Atualmente, é gerente de projetos na Azbil-Telstar, especialista em EPCs na área farmacêutica.


 

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